Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana 11.7.13
Parece que
o Brasil passou por uma reorganização interessante nas últimas décadas. O poder
do dinheiro paulista, incomparável com qualquer outro estado brasileiro talvez
tenha imposto um caldo cultural. Seria certo dizer que houve uma migração de modelo
da "capital cultural", o Rio, para a "capital financeira",
São Paulo? Viajo constantemente por todos os cantos do Brasil, e tento observar
criticamente as sociedades. Parece que houve sim. Até no futebol São Paulo
passou a se impor. O problema é que dinheiro parece atrair criminalidade.
São Paulo "exporta"
diversas coisas positivas. Há um jornalismo paulistano orgulhoso e ufanista,
não se critica, vendendo bem a cidade. Por todos, a rádio Cbn-São Paulo. Mas
paralelamente há outra realidade batendo às portas dos moradores. O crime, a
violência, as mortes e a brutalidade. Interagem aí três pontas: o Estado, a sociedade
e os bandidos.
Toda
discussão sobre criminalidade comporta dois discursos opostos: o conservador e
o progressista. Ninguém "muda" de lado facilmente. Isso tem a ver com
traços de personalidade, educação, cultura etc. Pessoas bem racionais aceitam
coisas boas do lado oposto e coisas ruins do próprio lado. Mas parece que racionalidade
anda meio fora de moda. Torcedor "fanático", por exemplo, é que
"vale". Que triste que o radicalismo esteja triunfando.
Pelo lado conservador,
buscam-se aumento das penas, redução de menoridade penal, tratamento mais
severo com o bandido, construção de cadeiões e até pena de morte. É a chamada
"direita penal". Isso até pode atender a um sentimento legítimo de
vingança de quem, por exemplo, perdeu um ente querido. Não se ousa julgar a dor.
Porém, esses fatores sensíveis nunca prestaram para reduzir a criminalidade. Em
lugar nenhum do mundo. Se prestassem seria fácil. Países que conseguiram reduziram
a criminalidade nunca utilizaram os modelos conservadores.
Não se
trata de passar a mão na cabeça de bandido, mas de pensar em o que funciona ou
não funciona numa sociedade. Negar estudos e a história pode ser uma vesguice
dolosa. Ou, para alguns interessados em "obras" públicas de cadeiões,
um cínico desejo lucrativo nas comissões. Sim, dinheiro.
No outro
lado, no discurso não conservador e progressista, talvez haja mais dificuldade
para implementar ideias. Exigem-se mudanças nas relações e manejos na
sociedade. Por exemplo, nos planos de um bom atendimento estatal na educação,
saúde, transporte, alimentação, coisa que num Brasil com seu Estado sabidamente
desonesto nunca ocorreu. Na década de 1970 éramos 90 milhões. Hoje somos 200. O
estouro em todos os lados do problema social era previsível. Parece que só o
Estado e as "autoridades" não perceberam.
Há vinte
anos, aproximadamente, circulou uma estatística que apavorava na época. Dizia:
se você nunca foi assaltado, certamente conhece alguém da sua família
diretamente ligado a você que já foi. Todo mundo se surpreendia. Atualmente, a
cidade de São Paulo parece viver uma anestesia com o crime que, todavia, se ordinarizou.
Uma estatística dessas atualmente certamente teria que considerar o próprio
entrevistado. Algo como: imagino que você já tenha sido assaltado. E a banalização
será certamente ouvir: - ué, vivemos numa cidade grande, e daí?
A sociedade
se acostumou à cultura do roubo, do furto, do assalto, da violência como um
ingrediente natural do tipo "viver em grande centro". Criam-se nomes
para isso, desculpas. Teorizam: "é o preço de se viver em cidade
grande". Mas esse preço é péssimo e inaceitável. Não se paga tal preço em
alguns grandes centros do mundo. Nesses lugares, qualquer um anda com seus
pertence e há educação e respeito pelas coisas do outro. Também há policiamento
e atendimento estatal eficiente.
Chegou-se
ao ponto absurdo, por aqui, de mochilas escolares e bolsas serem fabricadas com
esconderijos contra ladrões. "Dicas" de como dirigir defensivamente
não causam mais estranheza. Vendem-se bonecos infláveis, não para prazer
sexual, mas para se fingir serem um acompanhante para condutoras sozinhas nas
noites perigosíssimas de São Paulo. Arrastões mutilam um orgulho de São Paulo:
sua gastronomia. Aqui é a cidade que mais blinda automóveis no mundo. Mais do que
a Colômbia.
O problema
não está no fato de a sociedade ter se neurotizado, mas no fato de ter se
esquecido que a neurose foi incorporada ao modo de vida.
As ruas
paulistanas, com os últimos movimentos de protestos, cobram o fim da corrupção.
Mas raramente se vêem pessoas exigindo o fim ou a redução da criminalidade
urbana. Para nossos filhos, idosos e nós mesmos. Há zero de demagogia com uma
exigência assim. Há sim cobrança por retorno com impostos altíssimos. Já se
percebeu que o Brasil tem muito dinheiro. Precisamos acabar com a ideia velhaca,
e malandra, de que o bolo não dá para todo mundo. Tem gente levando tortas
inteiras para casa e muitos milhões de necessitados sem nenhum farelo.
Essa
criminalidade varejo que existe em São Paulo tornou o medo uma rotina. A
empregada doméstica tem medo, o rico tem medo, a criança tem medo, o idoso tem
medo, qualquer um tem medo.
Sempre se
ensinou no Direito que se o problema da criminalidade fosse "pena"
bastaria um único artigo agravador no Código Penal: "A partir de hoje,
todas as penas serão duplicadas". Pronto, acabava a criminalidade. Pena
alta, já se sabe, não tem fator intimidativo redutor da criminalidade.
Infelizmente. Basta estudar para aprender isso. Nos últimos 30 anos, por
exemplo, a pena para tráfico de drogas subiu avassaladoramente, em 3 reformas. E
o que houve com este crime? Praticamente se transformou numa tragédia social,
inclusive com o crack etc.
Se Brasília
passou a ser chamada, após décadas seguidas sendo confirmado, de "capital
da corrupção", São Paulo não pode aceitar ser a "capital do crime".
E não queremos que nenhum outro estado do país o seja. Os mesmos manifestantes
"valentes" que passaram a exigir uma cidadania saudável, precisam
incluir nas reivindicações a imediata redução da criminalidade. Avoquemos isso
para a sociedade, já que o Estado é incompetente para resolver. Vamos berrar
nas ruas e exigir atenção como nos países evoluídos. Já percebemos que funciona.
Só assim as "autoridades" se mexem. E viva a democracia. Jean Menezes
de Aguiar.
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