Amartya Sen (AS), prêmio Nobel de Economia, trabalha em seu novo livro A ideia da justiça, com uma bastante nítida afetação ou mesmo desconstrução da razão. Logo que vi esse aprofundamento com a demonstração da crítica ao Iluminismo e outros, procurei Paul Feyerabend (PF) no livro e, para meu espanto, não achei. Daí me vieram suposições de por que AS não utilizou PF. Será que o aprofundamento temático da crítica da razão, enquando banda epistemológica para a construção de uma idea teórica de justiça requereria, obrigatoriamente, o "uso" de PF? Tendo AS formação [originária que seja] econômica, e PF tendo se apoiado, contrariamente, na teoria física, leis gerais etc. para sua crítica, seria bastante "palatável" para AS o uso de PF. Então o que há ou houve para o não uso? É claro que desconhecimento não é o caso, AS não quis usar PF, aí o problema.
Este não uso por parte de AS é altamente intrigante. Algumas hipóteses são possíveis. 1) O certo hermetismo anárquico da filosofia da ciência em PF com sua negada epistemologia (a todo custo!), porém ao mesmo tempo altamente psicanlítica, pode ter sido considerada insuportável ou "chata para caralho" para AS. Ele teria dito - não uso PF e posso não usar. É possível essa hipótese. 2) O viés anárquico e aventureiro de PF com a filosofia da ciência em querer desmilinguir a razão poderia "afetar" a credibilidade da obra de AS, um autor "sério". Ele teria dito - não quero anarquizar o meu livro, também possível. 3) AS quis ousar ao não usar PF e seus manejos desconstitutivos da razão, ou seja, teria optado por outras bandas epistêmicas, menos comparatísticas e mais fechadas, não querendo abrir discussões que permeariam outras áreas como a física e a matemática, até porque a crítica da razão em seu livro é um capítulo. Possível. 4) O conteúdo intrinsecamente filosófico de PF não cabia na análise de AS, o que se superafeta com a hipótese 3.
O fato é que não gostei muito de AS não ter usado, de qualquer forma que fosse, PF. É como se ele tivesse, sim, desconsiderado toda a hipótese desconstitutiva da razão desconstituível em PF, e esta talvez não seja solapável tão facilmente, mesmo fora da filosofia da ciência, ainda que o livro de AS seja sensivelmente mais "popular" que o de PF. Teria AS "aderido" aos racionalistas ou metodólogos - ainda que impuros e maduros, porque sabem que o império da razão já se foi, efetivamente - para não trabalhar com PF? Não sei se teria havido essa aderência "ideológica". AS não parece nada um formalista a este ponto. Suas ideias sobre a economia do bem-estar social que lhe rendeu o Nobel são bastantes abertas e dúcteis.
O fato é que em cem pontos, AS pôs um ponto concreto negativo para que eu, particularmente, visse a obra de PF com menor importância. Das 3 obras clássicas de PF, a do método, a da ciência e a da razão, provavelmente a da razão seja a mais anárquica ou solta. Em alguns momentos PF é irritante e xingável com uma ode irresponsável ao relativismo absoluto [e infinito], entronizando o menor e a exceção em detrimento do maior e da regra. Tudo bem que os acessórios possam não ser descartados, e não se há aqui em ode à classicalidade das teorias assentes, achando que elas não são revisíveis. Mas PF exagera e todos sabem. Porém, sua contribuição é inegável, "ainda que" (não posso usar essa expressão levianamente) cientistas puros descartem suas conclusões. Para filósofos, principalmente para a corrente francesa - e não só esta -atacada por Sokal e Bricmont (Imposturas intelectuais), a obra de PF é um alento e um gozo orgásmico, falo aqui de Contra o método. Inegavelmente PF esticou a corda, fez a chapa ferver e abriu uma grande discussão com "sua" desepisteme histórica. Apenas desse ponto buscadamente desepistemologizado é que não compreendo como AS não usou em sua obra PF, não para "legitimar" sua própria crítica, AS não o precisaria, mas o não uso é emblemático. Foi um "eu não quero usar PF". Adoraria que alguém fizesse outra leitura disso para eu próprio aprender coisas sobre essas relações que me parecem assim. Não adiro a pensamentos ciumentos de que AS não quis dar crédito a PF, isso seria uma mediocridade incompossível no caso concreto, como também outros de vaidade acadêmica. Descarto essas "lógicas" menores. Mas que se me é intrigante AS não ter usado PF isso não posso negar. Jean Menezes de Aguiar.
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