quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A atração não é só humana





Artigo publicado no Jornal O DIA SP - 15.dez.2011

                Atração é poder, um poder que ela própria exerce sobre a pessoa. Não se vence a atração, ela pode mudar a vida de alguém. Pessoas as mais equilibradas e sensatas já se viram transtornadas, no melhor dos sentidos, pela atração a outra pessoa. Em alguns casos, dizem, não é uma situação lógica ou inteligente; os amigos não entendem, aquilo não faz muito sentido, mas a atração não cessa, parece que é figadal. Ela exige e obtém obediência. A quem ela toca parece perder o prumo e se vê dominado pelo sentimento de atração.

           Talvez uma descrição assim, negando o “racional” e privilegiando o emocional não agrade a calculistas ou a insensíveis. Mas John J. Ratey, professor de psiquiatria de Harvard, na obra de neurociência intitulada O cérebro, sentencia: “A paixão cura.” Quem luta contra o sentimento de atração deveria parar de lutar. E isso está também na biologia. O melhor da atração é impressão de loucura, ou o “apiançar” expressão nordestina que significa “desejar ardentemente”. Talvez seja por isso que Oscar Wilde tenha dito: “Resista a tudo – menos a tentações.”

                Há os que resistem às emoções, às atrações e às paixões. Os céticos gregos davam mais valor a quem mantivesse uma dúvida constante sobre as afeições, chamavam esse viver sem paixão de apátheia. Talvez fosse algo como o comportamento blasé da atualidade, a figura do saudoso jornalista Paulo Francis que aparentava não se assustar com nada, dando a impressão que nunca houvera se apaixado na vida. Mas há extremos aí, La Rochefoucauld, aparentemente bastante equivocado disparava: “Só se apaixona quem já ouviu falar do amor”, e Tolstoi, perplexo afirmava: “Não sei o que é o amor”. Será que não?

No caso do amor parece ser inegável que uma das maiores portas de entrada seja a atração. A ser verdade uma vida sem amor, só se pode atribuir tristeza a essa existência vazia, sem os encantos da corte, da atração, da conquista e da visão estabilizada de que se “possui” alguém como seu, que lhe quer bem, para cuidar e ser cuidado. Ainda que a “última moda” seja se repetir que ninguém é de ninguém e que uma modernidade solta prometa felicidade a pessoas não ligadas, mas flutuando no hoje e no agora, a boa e velha forma da atração “sonhada” num futuro estabilizado ainda faz muito sucesso.

                Interessante é a análise do filósofo Jean-Paul Sartre, na obra O ser e o nada. No capítulo intitulado As condutas da má-fé, Sartre apresenta uma interessantíssima fisiologia da cantada. Relata o caso de uma mulher que vai a um primeiro encontro. Sartre como o grande amante e apaixonado que foi é denso em tudo que escreve. Ele roteiriza o encontro, poemiza a atração e fundamenta: “A mulher não se dá conta do que deseja: é profundamente sensível ao desejo que inspira, mas o desejo nu e cru a humilharia e lhe causaria horror.” E sentencia no plano final: “Contudo, não haveria encanto algum em um respeito que fosse apenas respeito. Para satisfazê-la, é necessário um sentimento que se dirija por inteiro à sua pessoa ... dirija-se a seu corpo como objeto.”
               
A palavra “objeto” em Sartre não guarda qualquer semelhança com o conceito atual de mulher-objeto. Mas o que fica de sua análise é que um respeito que seja apenas respeito “não adianta”, não possui encanto. O recheio para que o respeito não seja bobo chama-se atração, a ponto de o filósofo concluir que a mulher, então, possui [uma adorável e belíssima] má-fé.

                Mas se engana quem ache que a atração seja uma sensação exclusiva dos humanos. É surpreendente saber pela biologia que não é. A atração existe no mundo animal, certamente anterior à existência nos humanos e vai explicar fenômenos que pareciam sedimentados para o conhecimento humano. Muito já se ouviu dizer que animais praticam sexo para procriação; que os animais não são “sem-vergonhas”; que entre eles não há atração, apenas instinto de perpetuação da espécie. O último livro do biólogo Frans de Waal, A era da empatia, onde este primatólogo estuda o comportamento dos grandes macacos, derruba inúmeras suposições sobre o sentimento da atração.

Primeiramente ele cita uma pesquisa sobre qual seria “a principal força propulsora do sexo”, crendo, originariamente, que seria o prazer; e mostra seu engano. As respostas sobre a principal força aí, deram conotações totalmente diversas como: “1) Eu queria agradar meu namorado; 2) Eu estava precisando de um aumento; 3) Não tínhamos nada para fazer e 4) Eu estava curioso para saber como ela seria na cama.” Que o ser humano use seu livre arbítrio para fazer bobagens é algo sabido na história da humanidade. Mas e os animais?

Os animais, relata surpreendentemente o biólogo, “desconhecem a ligação entre o sexo e a reprodução. Os animais fazem sexo porque sentem atração um pelo outro, ou porque aprenderam que o sexo tem efeitos prazerosos, mas não porque queiram se reproduzir.” Quanto mais se estuda biologia mais se aplica seus ensinamentos e conclusões a condutas humanas que pareciam ser “somente” humanas, mas que estão enraizadas na natureza animal. Isso pode explicar o subtítulo do livro de Waal: “Lições da natureza para uma sociedade mais gentil”.

A atração, que agora se vê que não é somente humana, é um poderoso canal de geração de felicidade, seja com o próprio parceiro seja com um desconhecido. Não deve ser descartada a atração sob alegação de que ela exige formas próprias, lógicas, combinadas, “corretas”, encaixadas de ser, às quais as pessoas têm que “casar”, têm que combinar. O que faz a “combinação” dar certo é a atração, a inteligência superior, no caso dos humanos, e o amor que virá daí. É possível manter a atração entre casais, mesmo junto durante muitos anos. Já caiu por terra a afirmação de que o casamento ou uma relação estável anulam a atração.

É claro que os humanos lidam e manejam com a atração diferentemente dos animais, com responsabilidade e equilíbrio. Mas saber que ela é comum aos animais retira um pouco de especialidade dos humanos, e exatamente isso é que pode ser um tônus de beleza maior. Jean Menezes de Aguiar.

2 comentários:

  1. Recebi este e mail, para refletir:

    "Eu concordo plenamente que coloquem fotos de gente morta nos maços de cigarros.
    Mas já que fazem isto, por que não colocar também:
    De gente obesa em pacotes de batata frita e refrigerantes,
    de animais torturados nos cosméticos,
    de acidentes de trânsito nas garrafas e latas de bebidas alcoólicas, de gente sem teto nas contas de água e luz, e de políticos corruptos nas guias de recolhimento de impostos?"

    FANTÁSTICA IDÉIA!!!

    SE VOCÊ CONCORDA, REPASSE.

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  2. Bem, não tem porra nenhuma com "atração", mas a mensagem é perfeita!!! rs... abração, Jean.

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