sábado, 17 de dezembro de 2011

O tamanho, a abstração e o beijo

Bomba ou mil folhas?

“Devemos medir o que é possível medir e tornar mensurável tudo quanto é ainda impossível medir.” Este é o princípio científico primordial de Galileu, o gênio que abandonou a universidade. Muitos não gostam de medida, talvez porque o conceito induza a comparações. Mas medidas e comparações são adoráveis e valiosas, assim se aprende na ciência. Só que aqui os conceitos serão "aplicados" a coisas comuns e sensíveis, sentimentos, olhares e interesses, objetos totalmente abstratos, mas poeticamente possíveis de serem medidos, para não falar filosoficamente possíveis, claro. E ao beijo, claro. 

Entretanto, como se medir o abstrato? Primeiro que nunca será uma medição, mas sempre uma mensuração, como lembra Galileu. Essa ideia pode ser extremamente prazerosa se aplicada a um gosto ou a um interesse. Se se vê um doce, com um aspecto delicioso, uma bomba ou um mil folhas, num lindo balcão de uma maravilhosa pâtisserie que sempre foi o que se quis encontrar virando a esquina, o prazer da atração e da vontade pode ser mensurado, enquanto se namora, se deseja aquele doce, é a água na boca. Esta mensuração dará o "tamanho" do prazer que se terá ao se lambuzar naquele doce.

Mensurando o encaixe

De novo, pode-se voltar à ciência para se brincar com os conceitos. Isaac Asimov, na obra Antologia, vol. 2, discute a idéia de existência de infinitos quantitativamente diferentes entre si, quando compara retas, uma de 1 e outra de 2 centímetros. Parece que esta seria uma viagem na maionese de Asimov bastante concreta, quase poética, entretanto a ciência a leva a sério. Assim, espero não ser mandado para a fogueira só porque pretendo mensurar sentimentos. O tamanho do prazer ainda não experimentado; da sensação ainda não vivida, talvez possa ser mensurado. O amor que pode surgir da inesquecibilidade de um beijo que encaixou, deu certo, teve um sabor profundo e perfumado, e fez as bocas conversarem lenta e molhadamente entre si enquanto se conheciam e pareciam não querer parar de se lamber e se provar, e os espíritos se envolviam lentamente fazendo os corpos se tocar por inteiro e as mãos apertarem profundamente o outro, puxando-o e querendo, tudo saído de uma mera imagem, um sonho da visão de beleza da boca que se imagina pudesse dar esse beijar dos grandes amantes.

Não é possível que um beijo desses não possa ser mensurado, afinal para que serve a imaginação? E a mensuração primeira, aqui, já foi até feita, pela simples descrição detalhada do beijo. A descrição imaginária do encaixe, do sabor e do prazer do beijo pode ser mensurada.

O tamanho

Para a mensuração do abstrato será necessário a comparação com 2 fatores, um externo, com outros sentimentos equivalentes, e um interno, o que nasce ao longo da vida tão-só pelas escolhas feitas. O externo se compara o beijo que ainda não se deu com outros que já se deu, imaginando-se o beijo ainda não dado. O fator interno é o resultado, por exemplo, do tipo de mulher que um homem gosta e sabe que gosta, mesmo sem ter experimentado (no sentido científico do termo) uma certa e determinada mulher. Este fator interno é o que se gosta, se sabe que se gosta. Assim olha-se para uma mulher e imediatamente começa um sentido de deslumbramento por ela, tão somente porque ela é do tamanho que se sabe que se gosta. Nesta escala de valores, há quem goste de mulher pequena, "mignon", há quem prefira as grandiosas, há quem goste das magras, há quem goste da cheias e cavalares, no melhor dos sentidos. É gosto, nada mais que gosto. Há homens que vivem emagrecer mulheres, há os que as alimentam para torná-las cheinhas, muito bem cheinhas. Novamente não há que se estranhar, há gosto.

O pasmo

Contudo, a poesia que há está no fator interno, o que dá ao agente saber de antemão o que ele gosta, o que lhe enche os olhos. É por isso que surge o encantamento antes de qualquer ideia; o encantamento é apriorístico e inexplicável. Olha-se para uma mulher que supõe ser certa dentro da medida do fator interno e se perde o poder, o raciocínio, cai a boca, param os olhos, colapsa o coração, e surge a vontade, não uma vontade consumista, mas uma de ouvir a voz apenas, sentir o cheiro, pegar o dedo mindinho, olhar e reparar os movimentos e apenas ficar olhando - é o endeusamento Dela. Isso tudo e tudo isso apenas pela ideia da medida galileniana, a mensuração sobre o objeto.

O beijo na rua

É claro que com os sentimentos, prazeres o olhares muitas vezes a impressão primeira não dá certo, o beijo não é aquele, o toque não o de veludo e o sentir as mãos não dá a energia mágica do carinho que prenuncia a possibilidade do amor, um grandioso amor. Entretanto o inverso também pode acontecer. Pode-se chegar diante de uma Dona e após toda afetação emocional que a primeira impressão der, a continuidade não cessar. A voz encantar, o riso iluminar, a beleza aumentar com a conversa e tudo o mais se agravar. Essa dimensão potencializada da mensuração precisa ser previsível. De um simples olhar, uma conversa pode “piorar” sensivelmente as coisas, a ponto de fazer com que um homem e uma mulher que estejam andando na rua, em direção a um restaurante, como "amigos", sem nunca terem se tocado, pararem e se beijarem de morrer, e ser o beijo da vida deles, do destino deles. O erro de cálculo na mensuração de um beijo desses pode causar um "desastre" de amor entre duas pessoas, ou um divórcio em relação a outras, porque o amor, em não poucos casos, foi gerador de grandes e verdadeiros problemas, quando sua possibilidade não foi devidamente mensurada, ou quando ele mesmo, aquele amor não podia ser vivido plenamente. Vivam a medida, e o tamanho que a um primeiro olhar pode dar a sensação de um grande amor. O resto é mensuração para se viver plenamente a felicidade. Jean Menezes de Aguiar.

Um comentário:

  1. Amo todos os seus textos.
    Mas esse é perfeito, pois imagino eu em uma situação dessas perdida entre mensuração, medidas... porém nem sempre podemos viver em primeiro momento ou encontro....isso dependo muito do caminho trilhado, nunca sabemos o dia de amanhã.Muitas pessoas como eu, que já vivenciaram muitas situações, hoje consegue dar valor em um simples olhar ou delicadeza. A vida é para ser vivida a cada dia...minuto...segundo...e muitas vezes acontece fatos que ficamos imaginando será que aconteceu mesmo. Isso é realmente uma mensuração, sonho, fantasia ou uma simples embriaguez pela vida a ser vivida, sentida, imaginada.
    Acompanho todos os seus textos e a cada dia fico mais deslumbrada com eles.
    Parabéns

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