quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Fim de ano



Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS

 
                Não precisaríamos aproveitar o final de ano para fazer uma “reflexão”. É isso que mais fazemos aqui na Coluna por todo o ano, em temas variados. Se conseguimos alcançar os objetivos, já é outra história. Todavia, final de ano convida a não apenas uma, mas a diversas reflexões.

                Coisas inusitadas ocorreram neste ano. Sempre ocorrem, claro. Três figuras mundiais se foram, Whitney Houston, Steve Jobb e Oscar Niemeyer. A cantora que inventou um estilo deixa uma lista grande de imitadoras, mas só ela foi Whitney, só ela atuou em O Guarda costas. Jobb melhorou o mundo nos interligando de uma maneira melhor. Já Niemeyer será o único brasileiro lembrado daqui a 5 mil anos, estima-se.

                A corrupção estatal ao estilo brasileiro, sempre muito cuidadosamente impune e oficial, parece ter levado um susto, pelo menos isso. Ainda não se sabe bem. Chama-se Mensalão. Com ele o Supremo Tribunal Federal virou conversa de botequim e entrou na roda. Se há estudante no 2º grau querendo ser juiz; nos cursos de direito há os que querem ser ministros do Supremo. Joaquim Barbosa foi apelidado de “o meu Batman” e virou heroi de Facebook. Analistas discutem se ele concorrerá a presidente da República. Tudo é possível.

Na São Paulo do crime, dá-se nada mais que uma “guerra de inteligência”. O governo paulista versus o Pcc, a facção que as “autoridades” fingem não existir e já começa a se globalizar. Só pelos PMs assassinados em um ano, mais de 100, e os celulares em presídios que o governo não sabe o que fazer, fica claro que faltam competências aos gestores públicos. Em diversas áreas. A Gloriosa (PM) está nitidamente sendo usada para “enxugar gelo” nas ruas. Nada é mudado ou resolvido. A criminalidade só se agrava. Pcc 4 x 0 Governo. Um vexame.

                Na ciência, a descoberta do Bóson de Higgs aumentou ainda mais as explicações não fantasiosas sobre a vida e a natureza, sepultando cada vez mais o obscurantismo. No quesito criatividade brasileira, a mocinha leiloou a virgindade por 1,5 milhão de reais. Transgressores dirão: “genial!”. A este recorde de valor será o único no mundo. Merece Guinness. Nos EUA, Obama foi reeleito, para desespero dos ricos e alguma paz dos pobres. Bem como dos inteligentes.

                Dilma, que os fofoqueiros achavam que seria “pau mandado” de Lula, fecha o ano batendo recorde de aceitação e não envolvida em escândalo. Num país deles, merece um Nobel. Com a onda da transparência vazou a informação de salários de “autoridades”, muitas ultrapassando a obscena cifra dos 50 mil reais. Mas nada foi feito e nada será. Só marola mesmo.

                As Cpis continuam como sempre foram, meras futricas das oposições, raramente dando em alguma coisa. Ricardo “Cbf” Teixeira, com medo de prisão, largou o osso. Assumiu o que foi flagrado “guardando” uma medalhinha alheia no bolso. Mas ele jurou que não é ladrão. É o que basta. Tiririca continua sendo um bom deputado, para desespero dos conservadores que acham um absurdo alguém humilde e trabalhador representar o povo. Ser trabalhador no ambiente de “autoridades” já é o mérito. As obras da Copa conseguiram o agora enxuto Ronaldo-garoto-propaganda prometendo até disco voador. Tudo é possível.

                O setor aéreo demitiu 3 mil, num sucateamento ao qual a Anac não está nem aí. Aeroportos continuam “brasileiros”. O Santos Dumont, por exemplo, na capital turística mais importante do continente, o Rio, não tem ar-condicionado e a Infraero nem aí. Mas as “autoridades” juram que vão apurar rigorosamente. É o que basta.

                Motoboys continuam violando todas as normas de trânsito em São Paulo, mas o prefeito só quer saber do seu partido. Diz que não é de direita, nem de centro, nem de esquerda. Deve ser “acaju”, um tema que ele conhece bem. Fluminense e Corinthians “arrebentaram”. Bem, corintianos só conseguiram arrebentar o aeroporto. Em Tóquio a polícia os conteve. Mas as vitórias foram ótimas. Já o Palmeiras de hoje parece ser o Flamengo de amanhã.

                Stevie “Deus” Wonder veio ao Brasil. Cantou no Rio. Fui lá. Um show inacreditavelmente morno. Essa mania consumista de querer que a plateia cante junto – “interativa” – num país como o Brasil é uma tragédia. Só cantam junto com Ivete “Coxas” Sangalo e similares, que fazem uma massa biologicamente orgânica pular e não pensar. É isso que gostam e fim. Qualidade wonderista saiu de moda no Brasil. É o que basta.

                Além disso tudo, sobra o amor. Ele merece tanto mais atenção quanto pior estiverem as coisas. Sim, o amor ao outro, aos amigos, aos filhos, mesmo aqueles que não se dão conosco, aos primos, tios, vizinhos, clientes, estranhos e antipáticos. Mas amor principalmente aos inimigos. Quando cultivamos amor e gentileza antes de o outro se beneficiar por receber, nós é que melhoramos, por dar.

                Como todo final de ano, registro aqui carinho por pessoas importantes, mas a relação é apenas exemplificativa. Roberta, Laerte & Célia, Fabs & João, as bichinhas & o bruto; a centenária Abet; Paulo Cruz & Luciana; Helena, Jandira e David; VicGeoBar, Leo, Celeste & Claudia; Claudinho, Marcelo & Lígia; Rita, minha portuguesa; Alice (AlArMor) & Marcia; Alinne minha antropóloga; Márlia; Roberto & Renata; Érica & Mônica; Ivanê, Fernanda & Ian Ni; Georgina Simões; Viviane & João; James & Jorge; Jassa,  Ivanaldo & Nina; Lyse Lobato; a bela Karen & o poderoso O DIA SP; Dilmar & o valente O ANÁPOLIS; Pri Pigosso; Cris & Belas; Othon e Rocha, guitarra; Fernando, baixo; Dayse e Gema cantoras; Claiton, piano; Sergio Manoel; SBPC, ABNT, OMB, OAB, Rotary Pinheiros; Rita & João; os amigos inseparáveis do Facebox & leitores do Blog; Cinthia Roldi, Monica Cristina, Lu Jayme, Diana Nacur, Ana Amélia Silva, Angela Santana, Rosana Miranda, Ernerto F. Silva, Maria das Dores Alexandre, Rodrigo Tardin, Paulo M.A. Reis, Ávila Póvoa, Henrique Braga Jr., Claus Glassenap; Kátia Haddad; José Eduardo Côgo; Otto Loth, Eliete Ceron, rapaziada da Castelo Branco, Colatina e da Fades, Dianópolis, além da nossa FGV. Ótimo 2013! Jean Menezes de Aguiar

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012


MENSAGEM DE NATAL
 
Desejo um Lindo Natal a todos.
 
Jean Menezes de Aguiar.

A vida e sua lógica

Neste episódio, a leoa conseguiu salvar o filhote porque o macho era o pai,
se fosse o novo líder, o filhote seria morto.
Parque Nacional de Serengueti, na Tanzânia. Fotógrafo Elliott Neep.

 
Aceite a vida como ela é, sem disfarces ou explicações irreais. A natureza não é perfeita sob os nossos valores, ainda que tenha uma lógica funcional própria.

No mundo animal, por exemplo, quando um leão (Panthera leo) líder do grupo envelhece é desafiado e vencido por um leão mais jovem. Ele é expulso do grupo, ferido, para morrer em algum lugar. Morrerá abandonado por todas as fêmeas, que agora têm um novo líder. Aí uma primeira lógica estranha a nós: o antigo líder não poderia ficar no grupo para morrer “em paz”, diríamos nós, humanos? Não há essa opção a ele. O novo líder não o permite mais ali.

Por outro lado, as fêmeas com cria, às vezes filhotes de dias, entram em desespero, sabem que seus filhotes serão mortos pelo novo líder se deixar a cria ali. Algumas fogem com os filhotes e os esconde. Mas elas pertencem àquele grupo de leões, precisam viver ali. O novo macho descobre os bebês, às vezes no alto de um morro, e, um a um, os mata, para que no próximo cio da fêmea, copule as 3 mil vezes que copula em 3 ou 4 dias e conceba sua própria linhagem. Se deixar aqueles filhotes viverem, será desafiado por eles no futuro, afinal, não é o pai deles.

Há uma lógica própria nisso, mas à luz da Evolução. É-se-nos inimaginável pensar humanamente assim; sob nossos valores, ou nossa racionalidade, ainda que também sejamos mamíferos.

Ver a matança do novo leão aos filhotes é um horror, traumatizante sob nossos valores, todavia, a natureza é assim e a Ciência (Zoologia) identificou o comportamento.

Precisamos olhar para a vida como ela é. A velhice, a doença, a morte. Qual é o ser humano que gosta de envelhecer ou ver um ente querido envelhecer e ir embora? Podemos construir mentiras carinhosas que nos afaguem “o coração”, como a de que alguém que morre vai para um lugar “melhor”. Essa mentira pode ter um valor humano imensamente difundido entre nossa espécie, desesperada em apego à vida, para nos “proteger” de dores e sofrimentos. Mas infelizmente não tivemos, racionalmente, uma comprovação dessa continuação da vida. Leia com serenidade: "objetivamente" nunca tivemos. 

Se quisermos um conhecimento objetivo e racional da vida, temos que vê-la como ela é. A “saída” para esses "erros" da natureza, sob nossos valores humanos, pode ser o amor, a gentileza, o carinho, a consciência familiar que nos une, o cuidado que os jovens devem ter para com os velhos e a força para enfrentarmos com resignação que nossos velhos irão antes, assim é a lógica não nossa, mas da natureza.

Para sermos doces, amigos, e gentis não precisamos de explicações inventadas ou sobrenaturais, apenas de um pouco de conhecimento racional da vida, e, alguma resignação oriunda da maturidade. A vida tem erros e querermos enxergar “perfeição” em tudo e em todos os atos da vida beira à infâmia. A perda de um filho inocente, a perda de uma mãe jovem são rápidos exemplos de erros da vida. Saber que a vida “erra”, aos nossos olhos e valores humanos, como se dá com os leões, e não só com eles, é aceitá-la como ela é. Talvez aí se sofra menos, pela não criação, totalmente artificial, de expectativas sobre-humanas de uma imortalidade que não existe. Infelizmente não existe. Jean Menezes de Aguiar.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Rapidinhas, quase sem gozo


13 Pensão a filha "solteira" de juiz de 43 mil reais
IG. "Desembargador devolve pensões de R$ 43 mil a filha “solteira” de magistrado.
Pedro Saraiva, da 10ª Câmara Cível, reforma decisão de juíza que cortara o benefício após matérias do IG. Márcia Couto se casou no religioso e teve dois filhos, mas nega matrimônio." Tem foto da moça de véu e grinalda em festa de "casamento". Mas aí ela se casa somente no "religioso", faz tudo que pode fazer no casamento, tem filhos, mas legalmente não é casada para não perder a pensão imoral. E o Judiciário "aceita" o legalismo malandro do não casamento. Antigamente as filhas de militares eram xingadas porque viviam este expediente "safado". "Agora" parece que outras entidades e "autoridades" aprenderam e copiaram. Mas também, são só 43 mil de pensão por mês, inclusive quando o teto constitucional é de 28. Isso retrata a passividade totalmente inculta e débil da sociedade brasileira gado manso que não reage. Só não queira ser "respeitada".


12 Pec 37 - delegados x promotes
Quando se veem 2 lógicas confrontantes, como no caso da discussão da Pec37 – delegados de polícia x promotores, ambas com suas “razões”, uma saída dada pela Metodologia é se buscar qual das lógicas contém mais “absurdos” ou mais visíveis negatividades ou suspeitas. Fica-se com a outra que contiver menos. Outro manejo metodológico é se investigar qual das lógicas está “mais” atrelada à Constituição de forma imediata, não de forma mediata ou “apenas” principiológica. MP tem a seu favor atual ter “conseguido” (conseguido!) condenar no Mensalão. Mostrou ao país que efetivamente pode enfrentar poderosos que nunca foram “nem” condenados. Ok. Mas o MP (o “m”não é de maçonaria, mas parece) além de ser sedento por poder (mas quem não é?) tem a seu “desfavor” no cotejo das lógicas sua própria missão central no processo penal que é acusatória. Sim. Com uma Constituição “Cidadã”, não é a acusatoriedade ou a investigatoriedade que “devem” ser "impulsionadas", mas os Direitos Humanos e aí está o fator 3 do tripé da “justiça”: a Defesa, Advocacia (essa mesma que a imprensa, nos casos de júri, por exemplo, detesta). Reforçar o MP é reforçar a acusação processual, ainda que ela possa prestar imensos serviços ao país, reconheça-se. Mas não é este o tônus maior da Constituição (dela não é!). Contrapor que se pode ligar as 5 naturezas jurídicas do MP (Guilherme Estelita) aos Direitos Humanos é válido e natural, mas persecução penal e acusação como “centralidades” de uma “reforma” são a contramão do espírito constitucional comprometido não com persecutoriedades, mas com Direitos Humanos.

11 Depardieu partiu
Gérard Depardieu para fugir de pagar 75% de impostos à sua própria França pediu cidadania russa, visando a pagar 13 e o Kremlin concedeu. A Rússia entra numa grana preta, já que o artista é milionário e, de quebra, ganha um astro mundial. A França sai “lesada” por uma jogada bem pouco ética do ator. Dinheiro x cidadania. Capitalismo x nacionalidade. Enquanto o “lucro dissociado”, na expressão de Alain Touraine comandar as cabeças teremos empresas apátridas e pessoas voando para paraísos fiscais ou Rússias. Depardieu pode ter sido “esperto”, mas o preço a pagar numa França rica e indefesa que não tem a agilidade de fazer o mesmo em razão da fama do ator, pode ser alto. E se a “lógica” dele estiver certa, a França se resumiria a quê? Pobres? Essas artimanhas históricas das classes dominantes inatacáveis são conhecidas. Enquanto isso Xerém, RJ, derrete e o imposto sobre grandes fortunas no Brasil, nada.


10 MP federal é "monstro" é?
Os procuradores paulistas do MP fizeram um abaixo-assinado contra a Proposta de Emenda Constitucional que rechaça o poder de investigação do Ministério Público. O debate vem de longe e é guiado por uma frase lançada pelo advogado Sepúlveda Pertence, quando deixou a função de procurador-geral da República (governo Sarney): “Eu não sou o Golbery, mas também criei um monstro, referindo-se ao MP federal". Carta Capital. Toda crítica cabal parida de dentro a uma instituição é saudável, renova os olhares, as análises e o próprio espírito da entidade. Parabéns a Sepúlveda. Representantes do MP poderiam "abrir" o debate. Mas estimamos que tenham medo. O esquecimento se lhes pode ser mais interessante.



9 Natal
Poderíamos aproveitar o Natal para efetivamente refletir, pensar e repensar coisas. Já que há essa "onda" de que é a época da reflexão, então que fosse mesmo assim. Não deveríamos apenas "repetir" frases feitas, mas tentar melhorar o discurso, refazer caminhos mentais e buscar melhoras, aperfeiçoamentos. Reduzir o nosso nível de preconceito é sempre um caminho interessante, ou seríamos soberbos a achar que não temos isso? Pretender dizer coisas valiosas para o outro seria outro caminho, coisas que podem até ser ditas "usando-se" o momento de Natal, pouco importa. Penso que devemos dizer coisas que talvez não disséssemos ou teríamos vergonha de dizer ou publicar. A coisa do "é Natal", de alguma forma, nos "protege", sem alegações ou riscos de pieguice. E se alguém disser piegas, foda-se, rs. Pode dizer. Quando melhoramos o discurso, o primeiro que ganha somos nós mesmos. Temos mais uma semana acobertados por essa época, com os desejos de "feliz 2013". Mãos à obra, galera. Rasgando a fantasia.

8 Rede Globo
A Rede Globo é muito "safada" mesmo, como todas claro. Em sua cruzada contra os evangélicos donos da TV rival, ela percebeu que falar em religião dá audiên$ia. Aí ela manda um jornalista para Jerusalém no Globo repórter. Ok. Só que seu enfoque é totalmente outro, pertence ào cristianismo católigo. Por isso, por exemplo, sua ainda primeira dama, Xuxa, vive de tititi com os Padres, esses que passaram a imitar pastores cantantes e sendo "alegres". O mesmo diga-se da novela São Jorge, mais facciosismo que aquilo não existe, ainda que tenha Flavia gostosona Alessandra. Tudo bem que a plástica, a estética ou qualquer coisa parecida da Globo continua sendo infinitamente melhor que essas outras aí, as TVs cruz-credo, com suas deprimências tomando dinheiro do povo em carnês religiosos (já reparou que todo mundo jura que "na minha igreja não tem isso de dinheiro"? só rindo...). Mas ver a safadeza fina da Globo, maquiavélica, é uma aula de como se disfarçar coisas.

7 PUC SP

Golpe na PUCSP? A PUC tem ordinariamente o sistema de “escolha” do reitor que passa por duas fases. Primeiro, é eleita uma lista tríplice, depois é submetida ao grão-chanceler que efetivamente “escolhe” um destes. A professora Anna Maria Marques Cintra foi a terceira da lista em votação regular, sem vício. Só que no calor dos debates prévios com o eleitorado foi instada a assumir que só assumiria o cargo se fosse a mais votada. Aí está o golpe popular. O regime eleitoral não prevê esta democracia exclusiva do primeiro colocado, nem prevê a anulação da escolha pelo grão-chanceler. Poder escolher é poder indicar o primeiro, o segundo ou o terceiro. Há parcela política, de conveniência e lógicas do grão-chanceler que alunos não sabem e não têm que se meter. Anna foi escolhida sem vício. Alunos entraram com um “recurso” que é típico porre democrático, “querem” que só o primeiro seja o escolhido. Vão mudar o critério de escolha de reitor da PUC agora? Ou seja, querem tornar a escolha, uma eleição. A tirania de uma democracia numérica que não existe. É o mesmo sistema que há com a eleição do Quinto Constitucional, no judiciário, em que o governador escolhe um dos três indicados. Aí, levam a questão ao judiciário, como se houvesse um “conflito de interesses”, e tudo é paralisado.
6 Supremo x Câmara
Joaquim Barbosa (STF) dá paciente aula de direito a Marco Maia (pres. da Câmara). Se tem faltado habilidade política e negocial a JB em situações de enfrentamento que podem, sim, acabar mal, não faltou conhecimento jurídico para pôr coisas em seus lugares. O posto de Marco Maia, torneiro mecânico e metalúrgico, é essencialmente legítimo, enquanto representante do povo e seu poder é imenso, inclusive como catalisador do Legislativo, mas sugerir que a Câmara possa dar "asilo" aos seus membros condenados penalmente pelo Judiciário é uma manifestação “jurídica” (se é que Marco Maia “pode” se manifestar assim) das mais desastrosas que há. Legislativo julga de forma política e é assim. Judiciário exerce jurisdição (conhece, chama, coage, julga e EXECUTA). Este quinto elemento, "execução", após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não é “transferível” ao Legislativo. É ato soberano de força do Judiciário. A Câmara tem, sim, sua “polícia”, mas esta não tem natureza jurídica de polícia judiciária. De novo, o Legislativo (Câmara e Senado) precisa melhorar o nível de sua assessoria jurídica interna, paga absurdamente a peso de ouro, inclusive porque vem permitindo que seus presidentes e representantes, alguns totalmente analfabetos em assuntos jurídicos, falem bobagens inomináveis e se exponham a mais esses ridículos.


5 "Autoridades"
Novos vereadores paulistanos terão aumento de 63%. Para quê?  Quem tem no país aumento de 63%? Nos finais de ano é sempre a mesma imundície oficial com um povo domesticado à não reação. Há 2 anos foram os deputados federais que se deram 67%. Pense isso na Espanha ou na Argentina, por exemplo, e veja o que acontece com o país. Há um pós-modernismo "totalitariamente relativizante" no sentido de que não se pode mais criticar ou rejeitar nada porque "tudo" pode ser como é e, por consequência, tudo tem que ser "aceito", sob pena de "discriminação", o modismo-biombo dos imbecis de plantão contra uma análise mais profunda. Este povo brasileiro é uma merda no item de fiscalização com a promiscuidade pública que campeia em TODOS os lugares onde está o Estado brasileiro, antropológica e essencialmente desonesto. JMA.

4 Programa de Fátima Bernardes
Programa de Fátima Bernardes (aquela senhora da Rede Globo). Afinal, o que é? Não tem mulher pelada. Não tem jornalismo. Não tem humor. Não tem sacanagem. Não tem intelectualidade. Não tem informação. Não tem atração infantil. Não tem revelação. Não tem futebol. Não tem fofoca. Aí, quando bate o recorde de baixa audiência em todo o país, como bateu, a poderosa Globo não sabe o que fazer. Isso que dá demitir Daniel Filho, o gênio comedor de todas, absolutamente todas, as atrizes globais de sua era.

3 Marcos Valério
Marcos Valério vai soltar o que sabe a conta gotas, está bem assessorado. Agora é Zezé de Camargo & Luciano que entraram no Mensalão. Ou assassinam Valério ou vai sair coisa a cada 15 dias. A "estratégia" dos acusados de dizer que o ex-número 1 das contas, Valério, agora "não sabe de nada" é bem ruinzinha. Lula está quase dizendo que não conhece Valério, grande Lula. Dizerem que "somente" porque o sujeitinho pegou 40 anos está "inventando" tudo também não é bem assim. Tem mais, se ele já está com 40 anos de pena nas costas, não terá medo de crimes idiotas como injúria e difamação. Tem muito neguinho na República sem dormir. A sociedade podia proteger Valério. Vai Valério, abre a boca mesmo.

2 Gurgel, bom malandro?
Falta ética? Gurgel, do MP, ter "esperado" o recesso de todos os juízes do Supremo para pedir a prisão, quando somente Joaquim Barbosa estaria ativo para "decidir" é algum tipo de "malandragem" ou  defalta ética? Será que os dois, Gurgel e Barbosa "combinaram" isso? Às vezes uma vitória de determinada tática pode expor um problema muito maior, ético. Por que o "medo" de a questão da prisão ser submetida ao plenário da corte? Muito feia a possível manobra. Aí a imprensa cai matando e eles ficam magoados. Tive um professor de filosofia, o grande Roland Corbisier que ensinava que "não se deve esperar ou imputar o absurdo ao Estado". Absurdo aí como antiético, ou situação que permita a leitura. Feia essa atitude do Estado neste apagar das luzes natalino de 2012, que não deve se comportar como um malandro, um que dá voltas.

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A figura mais importante para jornalistas atualmente se chama Marcos Valério.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Falta amor


 
 
Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS sem. 20.12.12

                Não está fácil falar de amor com a moda do amor piegas. O sujeito “piegas” é visto na filosofia como uma pessoa primária. Mas, sobretudo, é um chato. O piegas é pegajoso. Obriga-se a sentir pena das pessoas e vive mostrando isso em público. Uma superioridade farisaica. Crê que essa publicidade do “bem” o torne melhor. A pieguice costuma desandar em preconceito e discriminação. Só o piegas e outros iguais acreditam que esse sujeito tem “bom coração”. O piegas é uma pessoa razoavelmente perigosa. Seu correspondente no mundo corporativo é o “politicamente correto”.

O amor acabou sendo vitimado. Em muitos casos passou a atrair uma pieguice hard, panfletária; pouco sincera e apenas manejada como um escudo para a pessoa se anunciar como boa. Será, por exemplo, que todas as pessoas que vivem com Deus na boca querem mesmo bem, de verdade, a qualquer um? Será que aceitam a quem “antipatizaram” ou “não foram com a cara”? Essas rejeições iniciais são sabidamente preconceituosas, isso sim.

 Será que o mundo corporativo com seus slogans ultra-dolosos em efeitos-lucro é verdadeiro? Frases publicitárias como “vontade de servir”, “você merece ser feliz”, “você é especial para nós” soam totalmente mentirosas. Pense, por exemplo, nas empresas de telefonia. Parece não existir no Brasil uma única pessoa  satisfeita. Some-se a isso uma regulação estatal cínica.

Hospedei-me por 18 meses, toda semana, no hotel Ibis, na Serra, junto a Vitória, ES. Era tratado pelo nome. Certo dia precisei de 10 reais de troco no cartão para pagar o táxi até o aeroporto. Imediatamente deixei de ser o “seu Jean”. Com um sorriso adestrado a mocinha me informou: - “infelizmente senhor, não podemos lhe atender”. Será que isso é “vontade de servir”? Tudo bem que “treinamentos” empresariais apenas condicionam, não se pode exigir grandes atividades pensantes.  Mas a coisa descarou.

O filósofo Alain Touraine (Após a crise, 2011) ensina que há que se “reconstruir a vida social”; “dar um basta à dominação econômica” e ao “lucro desassociado”. O Brasil passou a vender virgindade na internet. Criativo, reconheça-se. Bater recorde em “exportação” de mulheres – Goiânia –, e outras esdruxularias. Talvez “faltem” estudantes matando 20 pessoas em escolas, todo mês como nos Estados Unidos, o “paraíso mítico da simulação”, segundo o filósofo Jean Baudrillard.

Obama sinalizou no episódio da matança última, que se precisa “fazer alguma coisa”. Certamente quis dizer repensar modelos educacionais. Obama é do bem e, sobretudo, tem essa sensibilidade. Mas sua própria sociedade parece não ter. O frenético ritmo das sucessivas bolhas e modismos não permite reflexões, que requerem tempo, maturação e calma.

                Por que falta amor? Bem, em primeiro lugar amor é querer bem ao outro como o outro é. Sem querer mudá-lo ou corrigi-lo. Sem joguetes, convencimentos, promessas e clichês de efeito. Sem dinheiros e recompensas. Sem um ideólogo vendendo condutas moralistas, sabidamente falsas. Mas em quais relações há esse amor gratuito e original? Parece que somente nas grandes amizades, amorosas ou não, e nas relações de pais e filhos. Desconfia-se que até em relações de tios e primos esse amor não exista mais.

                Outro dia perguntei no Facebook quando foi a última vez que um tio ou um primo seu “invadiu” sua casa, com carinho, pedindo para almoçar com você e sua família. A repercussão foi visível. As famílias conjuntas se esfacelaram. Ficou a tragédia nazista das “células”. Mais, alguns desses grupetes familiares puseram um biombo de inveja ou disputa na qual os sobrinhos e primos se dão muito menos do que “antigamente”. Para não se dizer que pararam de se dar verdadeiramente.

                É claro que se vive a geração egoísta, à qual o casal no restaurante não desgruda, cada um, de seus celulares, em vez de conversar repletos de carinho, amizade e amor. Amor não é cama, sexo, é toda uma relação de querer estar com o outro. Amor é muito e é tudo. É querer bem ao outro, sem obtenções, sem interfaces.

                Este amor está escasso. Certa vez uma querida aluna de graduação me chamou atenção. Disse:  - professor, os alunos não querem o seu amor, pare de dar amor para eles. Aí está a tragédia maior. Como se recusa amor? Na sociedade do consumo em que até a fé precisa de corretores, o amor gratuito gera estranheza.

                Há rótulos pós-modernos para tudo atualmente. Se um professor adverte que a prova em branco receberá um óbvio zero como nota, o aluno responde que isso é “assédio moral”. É patético. Se a tia repreende um sobrinho, a mãe do mimado declara guerra na família dizendo que isso é inadmissível. Com uma sociedade assim, em que o ódio se travestiu para atender a enrustidos do convívio familiar, da educação infantil, das relações de trabalho e mesmo das relações amorosas em que não se tem mais ciúme, se assassina, sobrevive?

                Dizer que “está tudo errado” não adianta. Que “antigamente” era melhor, é saudosismo bobo. O desafio está em se consertar as relações com pessoas que não querem mais ser educadas pelos pais, mas também só admitem o professor como um reles empregado e sob o preconceito baixo do “eu estou pagando”. Falar de amor com bestas é pior do que conversar com uma porta. Pelo menos a porta não responde. Já falar de amor com quem se sensibiliza e os olhos revelam por suas águas instantâneas a emoção de um carinho, a doçura de lhe ver bem é o que de melhor há. O segredo é se aprender a separar o joio do tribo, ainda que o joio esteja vencendo a guerra. Jean Menezes de Aguiar

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Direita e esquerda possíveis


O grande filósofo político Norberto Bobbio


Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS - semana de 12.12.12
               
“Sou da esquerda e acho que ela é a salvação do mundo”, Darcy Ribeiro (Confissões). Pois é, Darcy era personalista, denso, odiado, amado. Mas inequívoco. Afora militares, parece que somente as pessoas da esquerda declaram explicitamente sua posição. No Brasil, o resto é “centro”. Na recente obra do filósofo Alain Touraine (Após a crise, 2011, p. 13) vê-se que a situação chegou "ao ponto dos eleitores não saberem mais diferenciar a esquerda da direita." A que ignorância se chegou. Uma política global cínica e nunca verdadeira, em tempos de consumo e publicidade, contribuiu para esta vesguice social. Como se não bastasse, alguns assumem um ar blasé para negar a díade direita-esquerda. Virou moda negá-la. Precisamos de mais figuras como Noam Chomsky:  “A esquerda está do lado dos pobres e a direita do lado dos ricos” (Il club dei ricchi). Ou será que Chomsky é “louco”?

Se para os que negam, a diferença é tão “risível”, por que tantos sábios continuam a usá-la? Obras atuais como as de Habermas (O discurso filosófico da modernidade); Hobsbawm (A era dos extremos); Michael Denning (A cultura na era dos três mundos); Elio Gaspari (A ditadura envergonhada) usam-na. Com maestria, claro. Mas a obra máxima no tema é a de Norberto Bobbio (Direita e esquerda). Este autor, na 2ª edição, respondeu a todas as críticas, de outros geniais com absoluta eficiência e gentileza. O resultado é que a distinção se sustenta e é natural.

Quem faz cara de fastio para a diferença pode demonstrar ignorância ou cinismo. Estudar a sério sempre deu trabalho e demandou anos, além do que saiu da moda na sociedade do Google. Já o cinismo, na questão, tenta abafar ou misturar conceitos inconfundíveis. Alexandre Dumas em frase histórica dizia preferir “os canalhas aos imbecis, pelo menos os canalhas dormem”. No caso aí, o cínico será um parceiro para o debate bem melhor do que o tonto, que apenas crê. 
              
O problema entre direita-esquerda não é de rótulo, mas de valores subjacentes. Em épocas dum comunismo explícito, real ou teórico, como em outras épocas de ditaduras militares, todas conservadoras e reacionárias, os conceitos direita-esquerda eram fáceis. Qualquer um do povo conseguia entender rapidamente a distinção. Não se precisava de maturidade política ou de conhecimento aprofundado para se perceber os lados. As extremidades eram discutidas, ou brigadas, no almoço de domingo. Os marcos viam-se distantes uns dos outros.
               
Nas ditaduras, de esquerda ou de direita, a sobrevivência diz respeito à própria vida física em si. É o manter-se vivo ou morrer. Já na sociedade lânguida do consumo, a sobrevivência se desloca para a obtenção de bens, usualmente conseguidos pelo trabalho. Ou melhor, capital, coisa totalmente diferente. György Lukács (Prolegômenos para um ontologia do ser social), um mestre, ensina que o “fato ontológico fundante do ser social” é o trabalho. Tanto a falta do trabalho vitima o agente como, nesta sociedade atual e louca, impossibilitará a felicidade do consumo. Este “viva ao consumo” é apontado por Zygmunt Bauman (Vida líquida): o governo pode até declarar guerra, “desde que os consumidores estejam felizes”.

Ora, se com o consumo, a sociedade ficou mais simplista – tudo se resume a ele –, por outro lado os marcos e valores que subjazem à direita-esquerda ficaram mais próximos, mais tênues, e, mais difíceis. Mas jamais isso quis dizer que os marcos tenham desaparecido. Ao contrário. Passaram a exigir uma leitura como a de Edgar Morin na obra Introdução ao pensamento complexo, em que fenômenos díspares se entrelaçam e se explicam. Aí, os interesseiros em que a díade acabe, para dizer que todos estão no mesmo saco, inoculam o cinismo de negá-la. FHC, sabiamente, no exterior, acusou que no Brasil todo mundo era de centro. Falou como crítica, revelando uma hipocrisia que tenta omitir marcos e pautas.
                
Uma qualificadora ligada aos conceitos direita-esquerda passou a ser necessária para se compreendê-los: esquerda ou direita “possíveis”. Já um fator de manejo cognitivo também: “maturidade”. Há que se ter maturidade para se aceitar que atualmente, direita e esquerda continuam a existir, mas em balizas do “possível”, seja uma quanto outra. Como maturidade política, conhecimento metódico e complexo pode não ser algo que se encontre no varejo, o entendimento dos conceitos com essas necessidades fica muito mais difícil.

                Mas exemplos fáceis há. Quando se fala que FHC [sempre] foi da esquerda, muitos passaram a duvidar. Basta ver quem foi seu vice, para contraponto. Depois Lula e muitos passaram a dizer, bobamente, que tinha se “tornado” da direita. De novo, veja o vice e olhar do povo para ele. “Ser” da direita ou da esquerda não quer dizer ter que se pensar como Nini (general Nilton Cruz) ou como Leon Trotsky. Isso não existe mais e querer balizar direita-esquerda por esses moldes extremistas ou é ignorância ou cinismo. Exatamente aí entram os conceitos de direita e esquerda possíveis.
No Direito há movimentos saídos da esquerda, fáceis de serem vistos. Bobbio anota que os direitos fundamentais foram uma pauta da esquerda (op. cit). Também, Constituição “cidadã”; inversão do ônus da prova; responsabilidade objetiva; desconsideração da personalidade jurídica; direito do consumidor; jornada de trabalho reduzida; modelos compensatórios. Tudo isso foram pautas da esquerda, que, depois, pouco importam, foram incorporadas e fim. O importante é terem sido incorporadas. Só não se pode dizer que “é tudo a mesma coisa”.
Millôr Fernandes deixou a reclamação: “não gosto da direita porque ela é da direita e não gosto da esquerda porque ela é da direita.” Existem os lados, as pautas e as ideologias, em suas origens, visíveis e estudáveis. Como direitistas, conservadores, ortodoxos e reacionários não têm muito orgulho de gritar que são da direita, quando tentam dizer que a díade não existe mais, soa, é claro, como puro cinismo. É de desconfiar completamente. Isso não quer dizer que a esquerda tenha se mantido com aquele purismo poético de outrora e não pratique suas infinitas mazelas, desastres e assaltos aos cofres públicos, além de demonstração de incompetência. Nada como os últimos 10 anos no Brasil para prová-lo. Mesmo assim, continuam sendo coisas totalmente diferentes. Jean Menezes de Aguiar

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A impaciência

Tem coisa melhor que uma introspecção? Fala sério!

Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, semana de 6.12.12

                Uma das formas de autoritarismo é a impaciência. O impaciente é, por essência, um pequeno ditador. Esta forma de egocentrismo deita raízes em uma desastrada educação infantil. Criado de forma mimada, o impaciente foi acostumado a ser atendido em tudo e na hora de sua manha. A obter o quanto berrasse, e incomodasse o mundo. O impaciente não sabe dividir, compartilhar. Dividir o tempo, o espaço, as expectativas, as oportunidades. Ele acha que a sociedade lhe deve dar a vez para que tudo ande no seu ritmo. Não no ritmo natural das coisas. Mesmo que ele, da vida, só tenha dinheiro e não saiba analisar ritmos e coisas.

                É previsível que nenhum impaciente reconhece seu defeito. Esta criatura parece ter um baixo nível de reflexão. Um filosofar mais acurado ser-lhe-ia um parto. Ou uma intangibilidade. Ele sempre tem uma desculpa de plantão, culpando, por transferência, seu semelhante. Talvez, uma das melhores maneiras de se identificar a impaciência seja no trânsito. A profissão me impôs, há décadas, viajar constantemente a todos os estados do país, sem parar. Numa observação assistemática, dá para se dizer que a classe média paulistana é uma das mais impacientes em trânsito urbano. Já o goiano na estrada parece bater todos os recordes de desespero automobilístico.

                Publiquei aqui, há anos sobre a buzina de 3 segundos, como uma forma impaciente de se buzinar. Tento mapear há muito tempo quem mais utiliza essa buzina nervosa, às vezes histérica: se homens ou mulheres. Omiti naquele artigo quem seria. É o mesmo gênero de motoristas que jamais dá a vez para alguém passar a sua frente. Homens ou mulheres? Observe e conclua. Esta impaciência, pela buzina, parece ser bastante urbana de São Paulo. Com um trânsito ao qual os sucessivos governos insistem em deixar caótico e uma sociedade bastante incapaz de gentilezas, se você reduzir a velocidade para tossir, por exemplo, o motorista que de trás buzina impiedosamente.

                Outra forma de impaciência é na estrada. Morei 10 anos em Petrópolis e trabalhava no Rio. Percorria diariamente os 60 quilômetros de estrada. Aprendi coisas. Uma delas é que quando a estrada está cheia, há um ritmo próprio, que até pode ser “dividido” entre as pistas da direita, mais lento, e da esquerda. Nesta situação de estrada cheia, a sanha da ultrapassagem, com a tal setinha da esquerda piscando – que modismo! –, simplesmente não funciona. A menos que alguém suponha que tem direito de pegar a pista da esquerda e centenas de carros à frente terem que sair para a “princesa” passar.

                Marilena Chaui arrola 3 situações em que a falta de educação urbana do paulistano de classe média transborda, ela fala em “selvageria”: a fila; o automóvel; e o espaço público em geral. A professora é lapidar. E a gradação pode ir de uma simples buzina nervosa à energúmena ultrapassagem pela direita no acostamento, em alta velocidade, expondo vidas em risco. Educação não é sinônimo de automóvel caro e sorrir bem arrumado na foto de Natal.

                Outra forma de impaciência é a aérea, ou de aviação. Parece que as alturas mexem com as bichas das pessoas. Quem viaja sempre de avião já reparou. Após taxiar e o avião chegar ao finger, a passarela telescópica de saída, parece que todo mundo é assolado por um desespero aeronáutico. Se você estiver na poltrona do corredor e se levantar para pegar a mala no teto é bom deixar um livro ou celular na poltrona, guardando lugar. Se não, o aflito da poltrona do meio corre para sentar no seu lugar. Certamente ele imagina que passou a ter direito porque, afinal de contas, você se levantou. Há mais.

                Se você estiver, por exemplo, na poltrona 20 e for educado, suporá que quem está nas 19 fileiras à sua frente tem o direito óbvio de sair de sua poltrona para pegar o corredor visando a sair da aeronave. Ledo engano. O ser aflito que vem imediatamente atrás de você, já lhe cutucando porque não sabe manter espaço em fila, tentará lhe empurrar ou lhe cutucar de novo para que não permita que outros passageiros entrem no corredor, afinal, a fila dele tem que obedecer ao ritmo dele, não ao da gentileza ou da educação.

                Isso sem se falar nos celulares que não são desligados sob as desculpas mais patifes do mundo. No desespero de precisar se falar com o mundo pelo celular até o último segundo possível, na decolagem; e já desde o primeiro segundo possível na aterrissagem. A impaciência se revela em todos os níveis de descontrole e falta de educação humana.

                Época de Natal; época de 25 de Março ou shopping; época de mais impaciência. As pessoas deveriam se programar para passear felizes em compras para o Natal, para seus entes queridos e amigos. Querer fazer surpresas, agrados e mimos. Mas não é isso que ocorre com uma maioria imensa. A impaciência baba pelo canto da boca. A mãe vai à loja com uma filha, isso eu vi, e na hora de pagar, põe a filha para “reservar” um lugar em outra fila. A fila que andar mais rápido recebe a que está na fila mais lenta. O nome disso é desonestidade (ética) com o mundo. Se essa mãe tivesse 5 filhos, poria um em cada fila. Essa mamífera ambulante não percebe que está violentando a educação do próprio filho, com um desastre ético.

                O antagonismo da impaciência é a gentileza, o carinho, o querer bem ao outro. Mas isso cada vez é mais raro numa sociedade consumista. Qual a saída? O pensar, a reflexão. Saber e perceber que uma vida impaciente é pior (muito pior!). Gera doenças, estresses, é um nítido sintoma de falta de inteligência. Mudar, a partir daí, será um sintoma de sabedoria. Tudo pode começar pela mera observação. Um exercício interessante é reparar as feições de quem é impaciente, pode ser no trânsito, nas filas etc. O impaciente invariavelmente tem uma feição contrita, fechada, reclamona e vive resmungando de muita coisa, o tempo todo. De novo, todo impaciente nega isso e consegue um milhão de desculpas, mas este ser é um transtorno vivo e ambulante.

                Se a inteligência vale para alguma coisa, deveria ser utilizada, com força, para se observar, concluir e tentar francamente mudar hábitos que são ruins ao próprio agente. Costumo dizer que adoro trânsito engarrafado, filas e ter que esperar pessoas. É verdade. Com essas situações, estudo, meu grande prazer. Outro dia escolhi ficar no aeroporto de Vitória de meio dia às 19 horas, sem qualquer problema, fazendo o que mais gosto de fazer: esperar. Quando se tem o que “produzir”, esperar é um prazer. Coisas são feitas, pensadas, escritas e adiantadas. Mas atenção: precisa ter prazer. Já com os impacientes, tudo é um problema. Uma vida assim deve ser bem ruim. Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ex-amor

Eles voltam depois.

 Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO) - 29.nov.2012

                Há um chavão por aí, bem comum, no sentido de que ex-amor é carta fora do baralho. Alguns, mais “violentos” chegam a assassiná-lo: chamam-no de “falecido”. Será? Como clichê, pode até impressionar. Mas a vida mostra situações bem diversas. Ulysses Guimarães que o diga. Após anos separado de sua Mora, acabou literalmente seus dias com ela, no trágico acidente. Inclusive certa vez respondeu a uma indagação da companheira dizendo que o amor máximo de um homem por uma mulher é morrer junto, quando ela se vai. O fatídico acidente se incumbiu da triste poesia.

                O que nos faz ser “humanos”? Aperfeiçoar instrumentos; identificar a tragédia; enterrar nossos mortos. Há diversas teorias. Mas a forma do amor que “inventamos” ao curso da evolução pode ser uma delas.  Aí entra o reapaixonar-se. Muitos o inadmitem, outros vivem a ideia.

Se a volta parece impossível para uns, não se pode achar que o seja para o resto da humanidade. Quando se fala em ex-amor, não se fala em ex-peguete, ex-ficante. Ex-amor é aquela pessoa que deu sonhos, planos e olhares de entrega. É claro que ex-ficantes podem voltar e até produzir amor, em outra época. Tudo é possível. Querer que “tudo” não seja possível é um defeito da maturidade.

                Também, a volta é legítima. Não se pode “julgar” alguém porque voltou com um ex-amor. Com a maioridade, que presume “juízo” nas pessoas, a própria vida é decidida por cada um. Sempre haverá bobalhões de 20 ou 30 anos obedecendo papai & mamãe. Mas isso não conta. Também haverá culturas atrasadas e religiões fundamentalistas que tentam domesticar o amor e adestrar o interesse do jovem. Quanta violência.

Com o espetacular livre arbítrio, esse traço maravilhoso da humanidade, relações amorosas podem ser retomadas desde que se decida assim, e ponto final. Há pesquisas mostrando que quando um casal volta, de verdade, o grau de separação posterior é ínfimo. Parece que voltar pode não ser o bicho papão ou uma burrice que muitos dizem ser.

                É claro que poderá haver voltas burras e trôpegas; sem o sonho do amor. Poderá haver também voltas arranjadas e convenientes. As voltas trôpegas, envolvendo o emocional, têm tudo para não dar certo. Já as voltas arranjadas, entre pessoas inteligentes que negociam com carinho e amizade uma situação de conforto mútuo podem dar certo, ainda que sem, aí, a tirania do amor. Exigir a “pureza” do amor como legitimador da relação pode ser um conservadorismo. Não poucos casamentos “de véu e grinalda” em altares elegantes mostram-se, visivelmente sem o grande amor. Uns andam, outros desandam.

                Às vezes um grande rompimento, por meses ou anos, serve como cura. Entram novas pessoas por direito e isto sereniza ciúmes e inseguranças. É como se ambos fossem equiparados a novos parceiros. Esta visão requer pessoas lúcidas e inteligentes, com boa-fé e amizade. Mas em muitos casos funciona.

                O fato é que certos desenhos da vida não são feitos pela mão do homem, mas exclusivamente pelo destino. Doenças, acidentes, perdas, mudanças etc. A vida dá voltas, algumas desconcertantes e não se estar preparado para elas, aí sim é alguma falta de maturidade. Ex-amores também se apaixonam por outrem e se vão de vez. O destino prega peças.

Numa relação de volta, a boa-fé, a amizade e a franqueza amorosas parecem ser, no mínimo, o grande dínamo de força e energia para o sucesso. Sucesso aí será uma relação na qual uma mínima harmonia gostosa de se viver impere e gere alguma felicidade.

Filósofos da atualidade como Roland Jaccard (Entrevistas do Le Monde – O indivíduo, p. 7),  mostram que “O homem da época moderna, quando não é esquizofrênico, é basicamente esquizoide.” Utiliza palavras-chaves como “solidão, tédio, melancolia e desgosto”. Também, paradoxalmente, paramos de nos comunicar “verdadeiramente” com o próximo-aqui. Pessoas no bar, por exemplo, não conversam entre si, mantêm relações secretíssimas no celular. Impera esta modalidade gritante de falta de educação. É como se o amigo “aqui” já estivesse “faturado”; vou tentar faturar o que está distante. Essa gula consumista criou novas formas de “ficar”, namorar, viver e sentir. Criou também novas formas de voltar. Descarta-se o amor com muito mais facilidade em troca de um projeto até híbrido, para esta noite, este final de semana, ou até o Carnaval. É a sociedade do desespero.

Com a invenção da solidão em massa, disfarçada em bares de pegação instantânea, talvez o ex-amor possa ser uma “garantia” de bom convívio. O defeito já conhecido do outro pode passar a ser “bonito” se cuidado de uma forma mais afetuosa ou diferente. A intimidade gera beleza. Mas só o tempo pode mostra que cara terá essa volta; se é de verdade ou não. O cinema já cansou de mostrar voltas, de todos os jeitos. A volta é uma realidade, pode ser algo muito inteligente, se manejada com sinceridade e carinho.

Isto não quer dizer que a vida não deva “andar”; a expressão popular de a “fila anda”. Separações, como tudo, devem ser vividas naturalmente, sem artificialismos. Dores também são para serem sentidas e racionalizadas de frente. Uma coisa que não adianta aí são fingimentos, escapismos ou disfarces. Se houver um novo amor ou novo interesse que se viva intensamente. Se não houver, que se viva o hiato com amigos queridos e agarrados. O colo é poderoso. Mas se houver a cogitação da volta, se for razoável, verdadeira e o coração quiser, não há o menor problema e os mesmos amigos devem ter a sensibilidade de orientar com harmonia.

                Como já diziam Aldacir Louro, Aloísio Marins e José Macedo, autores da marchinha de carnaval de 1957, “Recordar é viver, eu ontem sonhei com você”. Na teoria da volta, se a pessoa sonhar, pode estar diante de um “novo” amor, e a volta pode ser um grande e belo presente do destino. Jean Menezes de Aguiar

sábado, 24 de novembro de 2012

CBF autoritária

O presidente da CBF "guardando" uma medalhinha pra ele. Que tragédia...


A CBF não se pertence totalmente, no sentido de que teria direito a decisões imbecis ou patéticas de forma impune. Pode tomar as tais decisões, mas sofrerá no mínimo a consequência de ser vista como uma entidade não inteligente e, no caso da demissão de Mano Menezes, autoritária e ditatorial. Essa visão acusativa pertence legitimamente ao povo brasileiro como torcedor primeiro dos destinos, tinos e desatinos dessa entidade. Mano Menezes era odiado por parte significativa da imprensa, tudo bem. A imprensa fez de tudo para ridicularizá-lo e expô-lo covardemente à execração pública. Mas paralelamente todos opinaram que a seleção estava muito melhor. O último jogo justamente com a Argentina deu alegrias a todos os brasileiros. Curioso é que os mesmos Galvões Buenos e outros que tanto elogiaram Mano, agora se calam. Rei morto rei posto. Uma ova. “Exigimos” (que infantilidade a minha, exigimos, como se a minha sociedade fosse politizada e exigisse alguma porra) uma explicação da CBF. Romário tá feliz. Mas que se dane Romário. Essa decisão da CBF foi uma lástima. A menos que alguém apresente uma explicação objetiva e concreta, tenho o direito de xingar à vontade essa CBF.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Direito pela TV

Jurista alemão prof. Claus Roxin

Artigo Publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS - 22.nov.12


                O Supremo Tribunal Federal é, salvo engano, a única corte judicial do planeta a se mostrar, ou se expor, pela TV em julgamento ao vivo. Chamam isso de “transparência”. Pois é, modismos são assim. A sociedade cobra, exige e quer usar até o osso. Pode ser. Mas essas demonstrações descaradamente midiáticas têm efeitos. Talvez hoje haja juízes do Supremo com um gosto ruim na boca do tipo o tiro saiu pela culatra. Ou, que monstro criamos?

O STF não se tornou sociologicamente pop, como talvez supusessem. Foi “apropriado” de forma mundana e legítima por uma sociedade sedenta, dessas que se deixar, lincha o suspeito. Que somos bestiais assim já sabemos. Esse STF também precisa se preparar para, então e quando esta mesma sociedade quiser, ser linchado. Chamar isso de transparência talvez seja um preço alto, não por uma suposta intocabilidade da corte, mas pela ameaça ao Direito que pode representar. Aí o problema.

Imagine-se, em nome da mesma “transparência”, transmitirem-se, de hospitais públicos, cirurgias ao vivo para a população. Será que a Medicina também “pública” o admitiria? Publicidade jurídica, processual, prevista na Constituição e Códigos de Processo é uma coisa, TV é outra.

            Dois efeitos dessa tal transparência se mostraram venenosos. Efeitos ao mesmo tempo sociologicamente interessantes e juridicamente nevrálgicos.

O primeiro é a possibilidade de os julgamentos televisionados representarem uma floresta de árvores para a fogueira faminta da imprensa. Com a habilidade, técnica e uma pitada óbvia de sensacionalismo, a grande imprensa & jornalões facilmente transformam simples debates em crises institucionais; burocráticas recusas de depoimento de um réu em desrespeito à Justiça; presunção constitucional de inocência em afronta ao Judiciário, e vendem isso.

                É claro que o viés midiático dos julgamentos televisionados fornece uma lenha não apenas ao povo em geral que “lerá” de forma simples o fato social transmitido. Quem receberá esse mesmo fato será o jornalista, profissional que buscará em entrelinhas, coisas que não foram ditas, ou, pior, que ele imagina que não o foram. Nesta receita, entretanto, entra um ingrediente dos mais complexos que é o próprio Direito. Muitos sem um “mínimo” de estudo no Direito (para não falar “formação”) não conseguem distinguir denúncia ou recebimento, substantivos, com denúncia e recebimento da denúncia, atos processuais. Como outros também “querem” se horrorizar com o direito do réu de permanecer calado.

                Haverá daí informações imprecisas no campo do Direito, equívocos sendo difundidos. Ou por ignorância jurídica ou, o que é pior, por descarada ideologia. Não são poucos os intelectuais e pensadores seniores que vêm trabalhando com a hipótese de a mídia ter conseguido forçar o STF a condenar no Mensalão.

O segundo nefasto efeito se dá por uma apreensão do Direito de forma popular e atécnica. Não há aqui qualquer bobajada de “reserva de mercado”. A febre das faculdades de Direito no país chegou a mais de 1000; só em SP são inacreditáveis 200. Ou seja, qualquer um pode fazer um cursinho ou um cursão. Ou estudar a sério e não difundir bobagens. Mas parece que a difusão não se dá pelo tônus da pura ignorância. O Direito complexo, epistemológico, científico, interpretado, zetético, principiologizado é sobremaneira difícil mesmo a profissionais com pouco estudo. As salas de aula de pós-graduação o comprovam. Que se dirá de pessoas alheias a essas técnicas com detalhes tão profundos?

                O triste episódio recente Folha de São Paulo x Professor Claus Roxin bem o demonstra. O famoso mestre alemão veio ao Rio para receber o título de doutor honoris causa da Universidade Gama Filho, quando foi entrevistado. Suas palavras foram tão deturpadas na imprensa, em falsos e proveitosos contextos sobre o Mensalão, que ele precisou mandar da Alemanha uma nota de esclarecimento, em 18/11/2012. Ou seja, uma vergonha brasileira com um velho professor ilustre que jamais quis se intrometer em assuntos do STF, Mensalão e Zé Dirceu e turma.

                Parece ter se tornado hábito essa “apreensão” do Direito pela imprensa, sendo o saldo lastimável. O pior é que do jeito que é apreendido, é difundido. O repórter Marcelo Rezende, por exemplo, pugna todo dia em seu programa pela pena de morte e prisão perpétua. Só cabe isso por meio de uma nova Constituição, hipótese tão absurda que parece golpe, uma palavra odiosa.

                Sempre comparei Direito à Medicina. São as duas maiores bibliotecas existentes no mundo. O Brasil chegou a ter um jurista como Pontes de Miranda que escreveu uma coleção com 61 volumes e outras várias com 15, chegando a ser considerado equivocadamente por argentinos como pessoa jurídica, de tanto que produzia. Aí qualquer um por aí pega isso tudo e “opina”, leve e solto.

                Uma coisa precisa ser repetida, nessa onda de sociedade pós-moderna à qual parece se poder tudo. Não se labora aqui com qualquer ideia de reserva de mercado. Qualquer um pode legítima e democraticamente se “apropriar” do conhecimento jurídico. Basta estudar. Não há necessidade de cursos ou formação. Galileu fugiu da faculdade e era um gênio. Mas há que se ser um gênio ou, pelo menos, não dizer bobagens de uma área específica, como se tem lido e ouvido todo dia no caso do Mensalão.

                 A responsabilidade de quem possui “palavra pública”, quem produz para a massa, passa por duas vertentes: ou ignorância ou ideologia. As grandes bobagens, estultices ou obscenidades ideológicas são até aceitas, afinal quis-se assim, e o agente assume. Mas isso não pode estar camuflado de conhecimento técnico, objetivo e imparcial. O filósofo Paul Feyerabend dizia que a razão é apenas uma das agências e há outras, como a bruxaria e a crendice. Mas foi voz isolada. Será que no Brasil queremos uma sociedade enganada por difusões malandras, ideológicas e safadas, e ainda mais travestidas de “jurídicas”? Este não é o Direito que ensinamos, nem no básico nem em cursos avançados.  Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Negociação extrema


Como se bandidos brasileiros tivessem uma Glock
 
 
Artigo publicado na semana de 15 nov, nos jornais O Dia SP e O Anápolis

Há alguma negociação possível com bandidos, dentro do instante criminoso, seja um assalto, seja sequestro. Parece surreal, mas há. Em cursos de pós-graduação da FGV temos a disciplina Negociação e Administração de Conflitos que, naturalmente, não se dedica a esse tema. Mas negociadores profissionais tiramos lições da literatura especializada e da vida. O assalto é um conflito extremo. Quem não conhece nada do crime e não lida com negociação resiste à ideia; cria um bloqueio simplista, diz que nada adianta. Entretanto a primeira forma de negociação é não reagir. Isso não quer dizer um comportamento congelado de pânico, mas um comportamento calculado. Diferentes pessoas, diferentes reações, algumas criativas e geniais.

O ato criminoso tem que ser totalmente evitado para não existir nunca. Um único ato criminoso pode ser fatal. Ou deixar uma sequela eterna: um estupro. Só a prevenção inteligente reduz o risco. Três coisas ornam a cabeça do idiota: ele acha que sabe tudo; tem resposta para tudo; e zomba das técnicas. Deixe esse infeliz de lado. Analistas seniores mostram que não há limite de cuidado e investimento com segurança, trata-se da vida. Isso não quer dizer se tornar um neurótico ou um recluso. Há o equilíbrio inteligente.

Uma negociação, dificílima, é algum diálogo ao nível do bandido. Primeiro há que se observar quem ele é. Malandros de rua e boêmios inveterados, por exemplo, que não são bandidos, costumam usar boas malandragens para escapar bem de assaltos. As histórias são inúmeras. Alguns bandidos gostam de ser “respeitados”, ou como se diz, um “papo responsa”. A atitude “cínica” de não reagir, querendo “comprar” o bandido com os bens às vezes não dá certo. Há registros de assaltantes se irritarem com o que acham “superioridade” da vítima.

Roberto Ohana, advogado carioca, conta que há muitos anos estava num ônibus quando entrou um grupo de bandidos em assalto. Foram nos passageiros pegando tudo. Quando um chegou nele, ele estava olhando para fora do veículo. Chamado pelo bandido virou-se e disse firme: pô cara, sou advogado da rapaziada! O sujeito então virou-se para o comparsa adiante e avisou alto: olha aí, o cara aqui tá limpo. Assaltaram todos, menos ele. Isto foi uma “negociação” de sucesso.

Com advogados que militam no crime há inúmeros casos assim. Diálogos inteligentes com alguma “aderência” estabelecem certa “consideração” ou “respeito”. Em muitos casos funcionam. Antigamente havia profissões “protegidas”. Padres, médicos e professores, sem falar no próprio advogado, apelidado de Alívio, nas prisões. Muito mudou e as “éticas” envolvidas também. Há quem não goste dessa realidade, mas ela existe.

Em livros de negociação e administração de conflitos, há 5 atitude estudadas a se tomar diante de um conflito: fuga ou indiferença; amaciamento ou acomodação; uso do poder ou dominação; barganha ou compromisso; cooperação ou integração. É claro esses livros não tratam do crime. Mas lições podem ser tiradas daí. Como a boa e velha sabedoria popular. Qualquer morador de favela dominada pelo tráfico, por exemplo, precisou aprender a transitar no meio de forma impune. Ouvir um desses moradores, em alguns casos, é uma aula de vida, afinal eles sobrevivem.

No evento criminoso, observar e não perder a lucidez são coisas necessárias para a vítima. Isso pode permitir algum diálogo inteligente. A palavra de ordem é só uma: frieza. Ainda que seja difícil. Viver assim é “neurótico”, diriam alguns, mas em cidades doentes como São Paulo, por exemplo, é o preço. E o pior, as tais cidades pacatas começam a desaparecer.

Algumas personalidades ou caricaturas podem ser lembradas para se imaginar reações. De um lado o malandro, o enturmado, o acostumado a rodas de rua e botequim, o boêmio, o artista de rua, o camelô, o usuário de gírias e palavrões e os profissionais que lidam com esses, sejam professores, advogados etc. De outro lado, o engomadinho, o formalista, o assustado, o autoritário, o conservador, o preconceituoso, o reacionário. Se o primeiro grupo se “assusta” menos, o segundo destila ódio reativo, com olhares visíveis de reprovação, o que pode ser perigoso. Por fim, não se quer dizer que uns aceitem bandidos e outros não. Levar para esse lado seria mais um simplismo.

Muita gente não admite a ideia de que alguns bandidos aceitam alguma conversa. É lógico que é o bandido que dá as cartas no assalto, mas em certos casos há chances de conversa. Há uma cartilha nos Estados Unidos para a mulher tentar evitar o estupro, usando um grande alfinete que leva preso à roupa. Há quem “zombe” disso, ou, de novo, diga que não adianta nada. Mas as pessoas que pensam em soluções são mais inteligentes que as que desacreditam tudo. Medidas preventivas sempre auxiliaram e geraram resultados ótimos. Além de a pessoa se sentir vitoriosa quando dá certo.

Uma síntese. Pontos negativos em residências: 1. situadas à beira de avenidas com fáceis rotas de fuga; 2. com mulheres no interior o que pode gerar estupros; 3. sem um alarme mudo e secreto que acione um vizinho; 4. sem vizinhança perto; 5. sem um “quarto de pânico”, para abrigar a família em caso de invasão. Os mitos pensados pelo idiota: 1. todo sistema de segurança é burro, nada adianta; 2. todo sistema de segurança atrai bandidos; 3. quando o bandido quer entrar, não tem jeito; 4. Um simples revólver ou espingarda transforma um bom pai de família num arguto e treinado caçador de bandidos. Há uma certa ode popular em pintar o bandido como alguém invencível e inteligente, o que não é verdade. Bandido brasileiro, esses de assaltos e sequestros, continua sendo uma anta falante, mal alimentado, mal criado, pobre e burro, vive sendo preso nas condições mais primárias e patéticas além de cometer crimes idiotas.
 
Por fim, quando se fala em segurança e negociação aqui, não se fala, obviamente, nos extermínios que têm havido em São Paulo. Esses eventos têm outras características, como rapidez e morte premeditada. Nem policiais treinados e armados têm conseguido escapar disso. Comparar situações incomparáveis é próprio do sujeito simplista. A pessoa inteligente busca se informar, aprender, mudar e agir. Basta um único evento ruim para se deparar com a tragédia. As palavras são prevenção, frieza e negociação, e evitar a todo custo o “fator surpresa”, esse o erro maior de quem acha que “tudo é bobagem”. Jean Menezes de Aguiar.