Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS sem. 20.12.12
Não está fácil falar de amor com
a moda do amor piegas. O sujeito “piegas” é visto na filosofia como uma pessoa
primária. Mas, sobretudo, é um chato. O piegas é pegajoso. Obriga-se a sentir
pena das pessoas e vive mostrando isso em público. Uma superioridade farisaica.
Crê que essa publicidade do “bem” o torne melhor. A pieguice costuma desandar
em preconceito e discriminação. Só o piegas e outros iguais acreditam que esse
sujeito tem “bom coração”. O piegas é uma pessoa razoavelmente perigosa. Seu
correspondente no mundo corporativo é o “politicamente correto”.
O amor acabou sendo vitimado. Em muitos casos passou a
atrair uma pieguice hard, panfletária; pouco sincera e apenas manejada
como um escudo para a pessoa se anunciar como boa. Será, por exemplo, que todas
as pessoas que vivem com Deus na boca querem mesmo bem, de verdade, a qualquer
um? Será que aceitam a quem “antipatizaram” ou “não foram com a cara”? Essas
rejeições iniciais são sabidamente preconceituosas, isso sim.
Será que o mundo
corporativo com seus slogans ultra-dolosos em efeitos-lucro é verdadeiro?
Frases publicitárias como “vontade de servir”, “você merece ser feliz”, “você é
especial para nós” soam totalmente mentirosas. Pense, por exemplo, nas empresas
de telefonia. Parece não existir no Brasil uma única pessoa satisfeita. Some-se a isso uma regulação
estatal cínica.
Hospedei-me por 18 meses, toda semana, no hotel Ibis,
na Serra, junto a Vitória, ES. Era tratado pelo nome. Certo dia precisei de 10
reais de troco no cartão para pagar o táxi até o aeroporto. Imediatamente
deixei de ser o “seu Jean”. Com um sorriso adestrado a mocinha me informou: -
“infelizmente senhor, não podemos lhe atender”. Será que isso é “vontade de servir”?
Tudo bem que “treinamentos” empresariais apenas condicionam, não se pode exigir
grandes atividades pensantes. Mas a
coisa descarou.
O filósofo Alain Touraine (Após a crise, 2011)
ensina que há que se “reconstruir a vida social”; “dar um basta à dominação
econômica” e ao “lucro desassociado”. O Brasil passou a vender virgindade na
internet. Criativo, reconheça-se. Bater recorde em “exportação” de mulheres – Goiânia
–, e outras esdruxularias. Talvez “faltem” estudantes matando 20 pessoas em
escolas, todo mês como nos Estados Unidos, o “paraíso mítico da simulação”,
segundo o filósofo Jean Baudrillard.
Obama sinalizou no episódio da matança última, que se
precisa “fazer alguma coisa”. Certamente quis dizer repensar modelos
educacionais. Obama é do bem e, sobretudo, tem essa sensibilidade. Mas sua própria
sociedade parece não ter. O frenético ritmo das sucessivas bolhas e modismos
não permite reflexões, que requerem tempo, maturação e calma.
Por que falta amor? Bem, em
primeiro lugar amor é querer bem ao outro como o outro é. Sem querer mudá-lo ou
corrigi-lo. Sem joguetes, convencimentos, promessas e clichês de efeito. Sem dinheiros
e recompensas. Sem um ideólogo vendendo condutas moralistas, sabidamente
falsas. Mas em quais relações há esse amor gratuito e original? Parece que
somente nas grandes amizades, amorosas ou não, e nas relações de pais e filhos.
Desconfia-se que até em relações de tios e primos esse amor não exista mais.
Outro dia perguntei no Facebook
quando foi a última vez que um tio ou um primo seu “invadiu” sua casa, com
carinho, pedindo para almoçar com você e sua família. A repercussão foi
visível. As famílias conjuntas se esfacelaram. Ficou a tragédia nazista das
“células”. Mais, alguns desses grupetes familiares puseram um biombo de inveja
ou disputa na qual os sobrinhos e primos se dão muito menos do que
“antigamente”. Para não se dizer que pararam de se dar verdadeiramente.
É claro que se vive a geração
egoísta, à qual o casal no restaurante não desgruda, cada um, de seus
celulares, em vez de conversar repletos de carinho, amizade e amor. Amor não é
cama, sexo, é toda uma relação de querer estar com o outro. Amor é muito e é
tudo. É querer bem ao outro, sem obtenções, sem interfaces.
Este amor está escasso. Certa
vez uma querida aluna de graduação me chamou atenção. Disse: - professor, os alunos não querem o seu amor,
pare de dar amor para eles. Aí está a tragédia maior. Como se recusa amor? Na
sociedade do consumo em que até a fé precisa de corretores, o amor gratuito
gera estranheza.
Há rótulos pós-modernos para
tudo atualmente. Se um professor adverte que a prova em branco receberá um
óbvio zero como nota, o aluno responde que isso é “assédio moral”. É patético.
Se a tia repreende um sobrinho, a mãe do mimado declara guerra na família
dizendo que isso é inadmissível. Com uma sociedade assim, em que o ódio se
travestiu para atender a enrustidos do convívio familiar, da educação infantil,
das relações de trabalho e mesmo das relações amorosas em que não se tem mais
ciúme, se assassina, sobrevive?
Dizer que “está tudo errado” não
adianta. Que “antigamente” era melhor, é saudosismo bobo. O desafio está em se
consertar as relações com pessoas que não querem mais ser educadas pelos pais,
mas também só admitem o professor como um reles empregado e sob o preconceito
baixo do “eu estou pagando”. Falar de amor com bestas é pior do que conversar
com uma porta. Pelo menos a porta não responde. Já falar de amor com quem se
sensibiliza e os olhos revelam por suas águas instantâneas a emoção de um
carinho, a doçura de lhe ver bem é o que de melhor há. O segredo é se aprender
a separar o joio do tribo, ainda que o joio esteja vencendo a guerra. Jean Menezes de
Aguiar
Nenhum comentário:
Postar um comentário