quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Falta amor


 
 
Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS sem. 20.12.12

                Não está fácil falar de amor com a moda do amor piegas. O sujeito “piegas” é visto na filosofia como uma pessoa primária. Mas, sobretudo, é um chato. O piegas é pegajoso. Obriga-se a sentir pena das pessoas e vive mostrando isso em público. Uma superioridade farisaica. Crê que essa publicidade do “bem” o torne melhor. A pieguice costuma desandar em preconceito e discriminação. Só o piegas e outros iguais acreditam que esse sujeito tem “bom coração”. O piegas é uma pessoa razoavelmente perigosa. Seu correspondente no mundo corporativo é o “politicamente correto”.

O amor acabou sendo vitimado. Em muitos casos passou a atrair uma pieguice hard, panfletária; pouco sincera e apenas manejada como um escudo para a pessoa se anunciar como boa. Será, por exemplo, que todas as pessoas que vivem com Deus na boca querem mesmo bem, de verdade, a qualquer um? Será que aceitam a quem “antipatizaram” ou “não foram com a cara”? Essas rejeições iniciais são sabidamente preconceituosas, isso sim.

 Será que o mundo corporativo com seus slogans ultra-dolosos em efeitos-lucro é verdadeiro? Frases publicitárias como “vontade de servir”, “você merece ser feliz”, “você é especial para nós” soam totalmente mentirosas. Pense, por exemplo, nas empresas de telefonia. Parece não existir no Brasil uma única pessoa  satisfeita. Some-se a isso uma regulação estatal cínica.

Hospedei-me por 18 meses, toda semana, no hotel Ibis, na Serra, junto a Vitória, ES. Era tratado pelo nome. Certo dia precisei de 10 reais de troco no cartão para pagar o táxi até o aeroporto. Imediatamente deixei de ser o “seu Jean”. Com um sorriso adestrado a mocinha me informou: - “infelizmente senhor, não podemos lhe atender”. Será que isso é “vontade de servir”? Tudo bem que “treinamentos” empresariais apenas condicionam, não se pode exigir grandes atividades pensantes.  Mas a coisa descarou.

O filósofo Alain Touraine (Após a crise, 2011) ensina que há que se “reconstruir a vida social”; “dar um basta à dominação econômica” e ao “lucro desassociado”. O Brasil passou a vender virgindade na internet. Criativo, reconheça-se. Bater recorde em “exportação” de mulheres – Goiânia –, e outras esdruxularias. Talvez “faltem” estudantes matando 20 pessoas em escolas, todo mês como nos Estados Unidos, o “paraíso mítico da simulação”, segundo o filósofo Jean Baudrillard.

Obama sinalizou no episódio da matança última, que se precisa “fazer alguma coisa”. Certamente quis dizer repensar modelos educacionais. Obama é do bem e, sobretudo, tem essa sensibilidade. Mas sua própria sociedade parece não ter. O frenético ritmo das sucessivas bolhas e modismos não permite reflexões, que requerem tempo, maturação e calma.

                Por que falta amor? Bem, em primeiro lugar amor é querer bem ao outro como o outro é. Sem querer mudá-lo ou corrigi-lo. Sem joguetes, convencimentos, promessas e clichês de efeito. Sem dinheiros e recompensas. Sem um ideólogo vendendo condutas moralistas, sabidamente falsas. Mas em quais relações há esse amor gratuito e original? Parece que somente nas grandes amizades, amorosas ou não, e nas relações de pais e filhos. Desconfia-se que até em relações de tios e primos esse amor não exista mais.

                Outro dia perguntei no Facebook quando foi a última vez que um tio ou um primo seu “invadiu” sua casa, com carinho, pedindo para almoçar com você e sua família. A repercussão foi visível. As famílias conjuntas se esfacelaram. Ficou a tragédia nazista das “células”. Mais, alguns desses grupetes familiares puseram um biombo de inveja ou disputa na qual os sobrinhos e primos se dão muito menos do que “antigamente”. Para não se dizer que pararam de se dar verdadeiramente.

                É claro que se vive a geração egoísta, à qual o casal no restaurante não desgruda, cada um, de seus celulares, em vez de conversar repletos de carinho, amizade e amor. Amor não é cama, sexo, é toda uma relação de querer estar com o outro. Amor é muito e é tudo. É querer bem ao outro, sem obtenções, sem interfaces.

                Este amor está escasso. Certa vez uma querida aluna de graduação me chamou atenção. Disse:  - professor, os alunos não querem o seu amor, pare de dar amor para eles. Aí está a tragédia maior. Como se recusa amor? Na sociedade do consumo em que até a fé precisa de corretores, o amor gratuito gera estranheza.

                Há rótulos pós-modernos para tudo atualmente. Se um professor adverte que a prova em branco receberá um óbvio zero como nota, o aluno responde que isso é “assédio moral”. É patético. Se a tia repreende um sobrinho, a mãe do mimado declara guerra na família dizendo que isso é inadmissível. Com uma sociedade assim, em que o ódio se travestiu para atender a enrustidos do convívio familiar, da educação infantil, das relações de trabalho e mesmo das relações amorosas em que não se tem mais ciúme, se assassina, sobrevive?

                Dizer que “está tudo errado” não adianta. Que “antigamente” era melhor, é saudosismo bobo. O desafio está em se consertar as relações com pessoas que não querem mais ser educadas pelos pais, mas também só admitem o professor como um reles empregado e sob o preconceito baixo do “eu estou pagando”. Falar de amor com bestas é pior do que conversar com uma porta. Pelo menos a porta não responde. Já falar de amor com quem se sensibiliza e os olhos revelam por suas águas instantâneas a emoção de um carinho, a doçura de lhe ver bem é o que de melhor há. O segredo é se aprender a separar o joio do tribo, ainda que o joio esteja vencendo a guerra. Jean Menezes de Aguiar

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