quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Negociação extrema


Como se bandidos brasileiros tivessem uma Glock
 
 
Artigo publicado na semana de 15 nov, nos jornais O Dia SP e O Anápolis

Há alguma negociação possível com bandidos, dentro do instante criminoso, seja um assalto, seja sequestro. Parece surreal, mas há. Em cursos de pós-graduação da FGV temos a disciplina Negociação e Administração de Conflitos que, naturalmente, não se dedica a esse tema. Mas negociadores profissionais tiramos lições da literatura especializada e da vida. O assalto é um conflito extremo. Quem não conhece nada do crime e não lida com negociação resiste à ideia; cria um bloqueio simplista, diz que nada adianta. Entretanto a primeira forma de negociação é não reagir. Isso não quer dizer um comportamento congelado de pânico, mas um comportamento calculado. Diferentes pessoas, diferentes reações, algumas criativas e geniais.

O ato criminoso tem que ser totalmente evitado para não existir nunca. Um único ato criminoso pode ser fatal. Ou deixar uma sequela eterna: um estupro. Só a prevenção inteligente reduz o risco. Três coisas ornam a cabeça do idiota: ele acha que sabe tudo; tem resposta para tudo; e zomba das técnicas. Deixe esse infeliz de lado. Analistas seniores mostram que não há limite de cuidado e investimento com segurança, trata-se da vida. Isso não quer dizer se tornar um neurótico ou um recluso. Há o equilíbrio inteligente.

Uma negociação, dificílima, é algum diálogo ao nível do bandido. Primeiro há que se observar quem ele é. Malandros de rua e boêmios inveterados, por exemplo, que não são bandidos, costumam usar boas malandragens para escapar bem de assaltos. As histórias são inúmeras. Alguns bandidos gostam de ser “respeitados”, ou como se diz, um “papo responsa”. A atitude “cínica” de não reagir, querendo “comprar” o bandido com os bens às vezes não dá certo. Há registros de assaltantes se irritarem com o que acham “superioridade” da vítima.

Roberto Ohana, advogado carioca, conta que há muitos anos estava num ônibus quando entrou um grupo de bandidos em assalto. Foram nos passageiros pegando tudo. Quando um chegou nele, ele estava olhando para fora do veículo. Chamado pelo bandido virou-se e disse firme: pô cara, sou advogado da rapaziada! O sujeito então virou-se para o comparsa adiante e avisou alto: olha aí, o cara aqui tá limpo. Assaltaram todos, menos ele. Isto foi uma “negociação” de sucesso.

Com advogados que militam no crime há inúmeros casos assim. Diálogos inteligentes com alguma “aderência” estabelecem certa “consideração” ou “respeito”. Em muitos casos funcionam. Antigamente havia profissões “protegidas”. Padres, médicos e professores, sem falar no próprio advogado, apelidado de Alívio, nas prisões. Muito mudou e as “éticas” envolvidas também. Há quem não goste dessa realidade, mas ela existe.

Em livros de negociação e administração de conflitos, há 5 atitude estudadas a se tomar diante de um conflito: fuga ou indiferença; amaciamento ou acomodação; uso do poder ou dominação; barganha ou compromisso; cooperação ou integração. É claro esses livros não tratam do crime. Mas lições podem ser tiradas daí. Como a boa e velha sabedoria popular. Qualquer morador de favela dominada pelo tráfico, por exemplo, precisou aprender a transitar no meio de forma impune. Ouvir um desses moradores, em alguns casos, é uma aula de vida, afinal eles sobrevivem.

No evento criminoso, observar e não perder a lucidez são coisas necessárias para a vítima. Isso pode permitir algum diálogo inteligente. A palavra de ordem é só uma: frieza. Ainda que seja difícil. Viver assim é “neurótico”, diriam alguns, mas em cidades doentes como São Paulo, por exemplo, é o preço. E o pior, as tais cidades pacatas começam a desaparecer.

Algumas personalidades ou caricaturas podem ser lembradas para se imaginar reações. De um lado o malandro, o enturmado, o acostumado a rodas de rua e botequim, o boêmio, o artista de rua, o camelô, o usuário de gírias e palavrões e os profissionais que lidam com esses, sejam professores, advogados etc. De outro lado, o engomadinho, o formalista, o assustado, o autoritário, o conservador, o preconceituoso, o reacionário. Se o primeiro grupo se “assusta” menos, o segundo destila ódio reativo, com olhares visíveis de reprovação, o que pode ser perigoso. Por fim, não se quer dizer que uns aceitem bandidos e outros não. Levar para esse lado seria mais um simplismo.

Muita gente não admite a ideia de que alguns bandidos aceitam alguma conversa. É lógico que é o bandido que dá as cartas no assalto, mas em certos casos há chances de conversa. Há uma cartilha nos Estados Unidos para a mulher tentar evitar o estupro, usando um grande alfinete que leva preso à roupa. Há quem “zombe” disso, ou, de novo, diga que não adianta nada. Mas as pessoas que pensam em soluções são mais inteligentes que as que desacreditam tudo. Medidas preventivas sempre auxiliaram e geraram resultados ótimos. Além de a pessoa se sentir vitoriosa quando dá certo.

Uma síntese. Pontos negativos em residências: 1. situadas à beira de avenidas com fáceis rotas de fuga; 2. com mulheres no interior o que pode gerar estupros; 3. sem um alarme mudo e secreto que acione um vizinho; 4. sem vizinhança perto; 5. sem um “quarto de pânico”, para abrigar a família em caso de invasão. Os mitos pensados pelo idiota: 1. todo sistema de segurança é burro, nada adianta; 2. todo sistema de segurança atrai bandidos; 3. quando o bandido quer entrar, não tem jeito; 4. Um simples revólver ou espingarda transforma um bom pai de família num arguto e treinado caçador de bandidos. Há uma certa ode popular em pintar o bandido como alguém invencível e inteligente, o que não é verdade. Bandido brasileiro, esses de assaltos e sequestros, continua sendo uma anta falante, mal alimentado, mal criado, pobre e burro, vive sendo preso nas condições mais primárias e patéticas além de cometer crimes idiotas.
 
Por fim, quando se fala em segurança e negociação aqui, não se fala, obviamente, nos extermínios que têm havido em São Paulo. Esses eventos têm outras características, como rapidez e morte premeditada. Nem policiais treinados e armados têm conseguido escapar disso. Comparar situações incomparáveis é próprio do sujeito simplista. A pessoa inteligente busca se informar, aprender, mudar e agir. Basta um único evento ruim para se deparar com a tragédia. As palavras são prevenção, frieza e negociação, e evitar a todo custo o “fator surpresa”, esse o erro maior de quem acha que “tudo é bobagem”. Jean Menezes de Aguiar.
 

 

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