Eles voltam depois.
Há um
chavão por aí, bem comum, no sentido de que ex-amor é carta fora do baralho.
Alguns, mais “violentos” chegam a assassiná-lo: chamam-no de “falecido”. Será?
Como clichê, pode até impressionar. Mas a vida mostra situações bem diversas.
Ulysses Guimarães que o diga. Após anos separado de sua Mora, acabou
literalmente seus dias com ela, no trágico acidente. Inclusive certa vez
respondeu a uma indagação da companheira dizendo que o amor máximo de um homem
por uma mulher é morrer junto, quando ela se vai. O fatídico acidente se
incumbiu da triste poesia.
O que
nos faz ser “humanos”? Aperfeiçoar instrumentos; identificar a tragédia;
enterrar nossos mortos. Há diversas teorias. Mas a forma do amor que
“inventamos” ao curso da evolução pode ser uma delas. Aí entra o reapaixonar-se. Muitos o inadmitem,
outros vivem a ideia.
Se a volta parece impossível para
uns, não se pode achar que o seja para o resto da humanidade. Quando se fala em
ex-amor, não se fala em ex-peguete, ex-ficante. Ex-amor é aquela pessoa que deu
sonhos, planos e olhares de entrega. É claro que ex-ficantes podem voltar e até
produzir amor, em outra época. Tudo é possível. Querer que “tudo” não seja
possível é um defeito da maturidade.
Também,
a volta é legítima. Não se pode “julgar” alguém porque voltou com um ex-amor.
Com a maioridade, que presume “juízo” nas pessoas, a própria vida é decidida
por cada um. Sempre haverá bobalhões de 20 ou 30 anos obedecendo papai &
mamãe. Mas isso não conta. Também haverá culturas atrasadas e religiões fundamentalistas
que tentam domesticar o amor e adestrar o interesse do jovem. Quanta violência.
Com o espetacular livre arbítrio,
esse traço maravilhoso da humanidade, relações amorosas podem ser retomadas
desde que se decida assim, e ponto final. Há pesquisas mostrando que quando um
casal volta, de verdade, o grau de separação posterior é ínfimo. Parece que
voltar pode não ser o bicho papão ou uma burrice que muitos dizem ser.
É claro
que poderá haver voltas burras e trôpegas; sem o sonho do amor. Poderá haver
também voltas arranjadas e convenientes. As voltas trôpegas, envolvendo o
emocional, têm tudo para não dar certo. Já as voltas arranjadas, entre pessoas
inteligentes que negociam com carinho e amizade uma situação de conforto mútuo
podem dar certo, ainda que sem, aí, a tirania do amor. Exigir a “pureza” do
amor como legitimador da relação pode ser um conservadorismo. Não poucos
casamentos “de véu e grinalda” em altares elegantes mostram-se, visivelmente
sem o grande amor. Uns andam, outros desandam.
Às
vezes um grande rompimento, por meses ou anos, serve como cura. Entram novas
pessoas por direito e isto sereniza ciúmes e inseguranças. É como se ambos
fossem equiparados a novos parceiros. Esta visão requer pessoas lúcidas e
inteligentes, com boa-fé e amizade. Mas em muitos casos funciona.
O fato
é que certos desenhos da vida não são feitos pela mão do homem, mas
exclusivamente pelo destino. Doenças, acidentes, perdas, mudanças etc. A vida
dá voltas, algumas desconcertantes e não se estar preparado para elas, aí sim é
alguma falta de maturidade. Ex-amores também se apaixonam por outrem e se vão
de vez. O destino prega peças.
Numa relação de volta, a boa-fé,
a amizade e a franqueza amorosas parecem ser, no mínimo, o grande dínamo de
força e energia para o sucesso. Sucesso aí será uma relação na qual uma mínima
harmonia gostosa de se viver impere e gere alguma felicidade.
Filósofos da atualidade como
Roland Jaccard (Entrevistas do Le Monde – O indivíduo, p. 7), mostram que “O homem da época moderna, quando
não é esquizofrênico, é basicamente esquizoide.” Utiliza palavras-chaves como
“solidão, tédio, melancolia e desgosto”. Também, paradoxalmente, paramos de nos
comunicar “verdadeiramente” com o próximo-aqui. Pessoas no bar, por exemplo,
não conversam entre si, mantêm relações secretíssimas no celular. Impera esta
modalidade gritante de falta de educação. É como se o amigo “aqui” já estivesse
“faturado”; vou tentar faturar o que está distante. Essa gula consumista criou
novas formas de “ficar”, namorar, viver e sentir. Criou também novas formas de
voltar. Descarta-se o amor com muito mais facilidade em troca de um projeto até
híbrido, para esta noite, este final de semana, ou até o Carnaval. É a
sociedade do desespero.
Com a invenção da solidão em massa,
disfarçada em bares de pegação instantânea, talvez o ex-amor possa ser uma
“garantia” de bom convívio. O defeito já conhecido do outro pode passar a ser
“bonito” se cuidado de uma forma mais afetuosa ou diferente. A intimidade gera
beleza. Mas só o tempo pode mostra que cara terá essa volta; se é de verdade ou
não. O cinema já cansou de mostrar voltas, de todos os jeitos. A volta é uma
realidade, pode ser algo muito inteligente, se manejada com sinceridade e
carinho.
Isto não quer dizer que a vida não
deva “andar”; a expressão popular de a “fila anda”. Separações, como tudo,
devem ser vividas naturalmente, sem artificialismos. Dores também são para
serem sentidas e racionalizadas de frente. Uma coisa que não adianta aí são
fingimentos, escapismos ou disfarces. Se houver um novo amor ou novo interesse
que se viva intensamente. Se não houver, que se viva o hiato com amigos
queridos e agarrados. O colo é poderoso. Mas se houver a cogitação da volta, se
for razoável, verdadeira e o coração quiser, não há o menor problema e os
mesmos amigos devem ter a sensibilidade de orientar com harmonia.
Como
já diziam Aldacir Louro, Aloísio Marins e José Macedo, autores da marchinha de
carnaval de 1957, “Recordar é viver, eu ontem sonhei com você”. Na teoria da
volta, se a pessoa sonhar, pode estar diante de um “novo” amor, e a volta pode
ser um grande e belo presente do destino. Jean Menezes de Aguiar
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