segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O “Pensar é negar” em Adorno, e outros cânones.

[Filosofia. Pensamento. Conceito. Infinitude. Continuidade]

A estrutura não neural do pensamento, mas uma estruturalidade conceptiva é altamente incômoda porque sua inapropriabilidade permite um vagar perdido ao qual imaginam-se diversos cais possíveis – eles há! –, cada um com um tipo de atracação e mesmo prestabilidade. Aqui apenas o filosófico interessa, não um fisicalista que pudesse ser explicado ou medido por uma ciência mecanicista. O ato de pensar a partir do momento reflexivo inaugura e inocula, no mínimo, a dúvida, mas essa dúvida não é polarizada (primária), consegue acatar o pretérito, o próprio objeto que então a ele se apõe como duvidoso; o problema não é vencê-lo, nem pela aposição da dúvida nem pela sobrepujança dum novo objeto, mas não viver a ontologia negativa [imposta] dum não pensar. Quando Adorno dispara “Pensar é, já em si, antes de todo e qualquer conteúdo particular, negar, é resistir ao que lhe é imposto; o pensamento herdou esse traço da relação do trabalho com seu material, com seu arquétipo” (Urbild), ele autoriza a suposição que a negação ganhe ou tenha uma comissão, uma verdade concretista contraponível à positividade da concordância, no sentido de que a negação poderá ser uma positivação desviante, no plano da qualidade. E várias categorias se superafetam aí, a dúvida, a negação e a desviância. Na primeira e na terceira categoria está permitido o convívio, o paralelismo com um objeto discutido. Na negação imprestabiliza-se, por substituição, o objeto, sem que se admita o nihilismo da aposição do vazio. Conquanto a vaguidez possa representar um tônus ou de espera ou de uma própria presencialidade mais difícil de ser manejada, ela para a filosofia é de total existência. Mas o fato é que a negação, se for o encaixe epistemológico, ou a escolha [ideológica] buscará a substituição. De toda sorte, pensar que “pensar é negar”, no cânone de Adorno é totalmente esperançoso e viril, no sentido da visibilidade da própria vida.

Esta situação se liga a outra, que busca a identificação do ser filosófico (ser não do agente, mas da própria coisificação filosofal, e não uma reificação, mas o ser-substância originário enquanto filosofia-em-si; não uma viragem). Ensina Adorno que “A regressão da filosofia a uma ciência particular, imposta pelas ciências particulares, é a expressão mais evidente de seu destino histórico.” Certamente não haverá a infinitude na regressão, pelo menos no plano do possível pensado, no quantum de uma regressão que imprestabilizasse a filosofia numa pretensa busca fisicalista de uma também pretensa partícula filosófica. Não operam o reducionismo ou uma nanofilosofia aqui. No plano em que Adorno se refere, há-se-nos um particularismo pensante como se as ciências quisessem empurrar a filosofia para um igual a si, em estanqueidade conceitual e identitária.  Se as ciências se particularizaram ou aceitaram sua classificação em tonéis sem ladrão ou comunicação intervasos, reagiriam contra a generalidade aberta da filosofia, no sentido de buscar uma parametrização, por conceito, por ideologia, por manejo ou pela própria classificação conceptiva do conhecimento humano. Não se trata de um Adorno adivinho, mas sua visão analítica da filosofia enquanto ciência particular despertará incômodos noutros teóricos, ainda que seja de difícil contestação. Talvez a visão teleológica de Nietzsche, da filosofia, fosse muito mais aberta ou generalista que essa “regressional” de Adorno, mas a organização sistêmica escolástica, tão organizatória como foi o século 20 dificilmente deixaria de fora essa estanqueização da filosofia falada na metade dele por Adorno. Talvez a filosofia tenha ficado mais simples, o que se afigura totalmente ofensivo às suas hostes, mas a as ciências parecem ter triunfado em alguma medida.

Aqui se insere outra frase de Adorno “Somente uma filosofia que se liberta de tal ingenuidade merece continuar sendo pensada.” A ingenuidade aí poderia ser a permissão às ciências para aceitar o index científico, ou a ingenuidade teria sido não resistir a ele? Não é isso o proposto por Adorno, mas a inserção não é de toda esdrúxula. A ingenuidade detestável aqui é a conformadora, a conceitual, a que não gere por parto o enviesamento, o desconceito e a própria dúvida. Não se há buscar a facilidade da luz no final do túnel, ela cegará. O túnel se torna o caminho ao qual o próprio norte se perde. E por complexidade, como antitético da ingenuidade, não está a variedade de opções, mas até o parar de pensar ou o pensar noutro algo melhor ou momentamente mais prazeroso. O objeto não se cansa de ser pensado, mas o agente exaure, por momentos, o pensar nele. Não que ele se perca, mas as forças físicas se esvaem. Adorno diz “A aparência da identidade é intrínseca ao próprio pensamento em sua forma pura. Pensar significa identificar.” A partir do momento que tenho o objeto identificado eu penso, mas o processo de identificação se compara ao processo de verdade, não é um “acto”, mas um procedimento, não é um instante, mas um caminho. Com a dificuldade da identidade vem novo disparo de Adorno “A dialética é a consciência consequente da não-identidade.” Só dialeticizo quando suponho poder me serem dois o objeto que pensava ser um, ou pela qualificação em imanência conceptual, ou pela interpretação dual – aí de um mesmo objeto, só que com dupla possibilidade –. Repare-se que pensar tanto é negar como identificar. Quando nego, procedo a uma identificação em estraneidade, à qual não toco, necessariamente, no sentido da apreensibilidade do conceito meu-ao-objeto, mas da retirada de um conceito-não-meu-de-um-objeto. Toda retirada não substitutiva será uma negação, e toda aposição de conceito-meu será uma identificação. Por isso a dialética se “dividiria” em positiva ou negativa, não pela cadência de uma polarização, mas pela escolha de qual conceito apor-se-ia a isso que se rotula irresponsalmente (aqui!) de positividade ou negatividade. Ambas as funções serão prenhes, não produzem elas por si sós, mas recepcionam classes abertas para um manejo, apenas isso.

Tratando do conceito, Adorno ensina “Na lógica dialética, o conceito é um momento como outro qualquer. Nele, sua mediação pelo não conceitual sobrevive graças ao seu significado, que fundamenta, por seu lado, o seu ser-conceito.” Isso faz com que possa ser atribuído um conceito à positividade ou à negatividade porque a rigor estar-se-á atribuindo um momento ao manejo dessas classes. A filosofia não tem a arrogância de produzir uma taxionomia para as classes ou os conceitos, deixando à abertura a possibilidade [in]finita de como se pensará o todo e as partes.

O prazer em se tratar o pensar como negar é esperançoso. As subjacências filosóficas que existam nos diversos pensares são a contextura da vida do agente pensante que jamais se aproxima do abismo. Ele se infinitiza pela própria negação que nega o negar. Se não fosse o pensar alguns seres pensantes não teriam mais existência razoável. A circularidade se sustenta, alimenta e mantém. É ela o prazer de caminho, um nutriente para a continuidade. Jean Menezes de Aguiar.

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