[Direito processual. Epistemologia da prática. Modismo. Petição inicial. Preliminares. Juiz. Advogado]
Como o direito, mesmo o processual, é uma ciência com epistemologia de manejo (não de criação) consideravelmente frouxa, a folha de papel para seus utilizadores práticos na advocacia, e não só nesta, admitirá coisas formidáveis, e loucas. Uma delas será o fugaz da moda. Sim, é possível se observar uma sociologia da moda em várias episódios e momentos do processo civil, não só nele e de novo não nele em si, mas em suas hostes práticas de uso forense. Como exemplos entram 1) a exceção de pré-executividade que toda execução “passou” a desafiar; 2) a ação penal popular, o habeas corpus para trancar inquérito policial e ação penal; 3) os embargos de declaração prequestionadores, nalguns casos nitidamente inventados, sem que haja na decisão recorrida nenhum indício da tríade omissão, obscuridade ou contradição; 4) as preliminares em contestação que juram não existir na petição inicial antecedente nenhuma das condições da ação e nenhum dos pressupostos processuais, o que seria “mais” que uma errância, mas uma ocuidade existencial, o não ato. E por aí vai. Detenhamo-nos à ultima espécie “viva”, a das preliminares insanas.
Há uma barreira objetivamente considerada a preliminares estapafúrdias e modais postas em contestação: a que se vê inserta no CPC, art. 285, caput. A natureza jurídica do “estando em termos a inicial” é, para o juiz, nitidamente um juízo de admissibilidade. Se a citação foi decidida houve um juízo de admissibilidade positivo e, a menos que o juiz seja irresponsável em mandar citar gratuitamente ou não conheça o obstáculo admissional para si do art. 285, um que gerará preclusão pro iudicato relativamente à inépcia da inicial, pelo art. 295, restando para o juiz o passo seguinte em indeferimento sem julgamento de mérito via art. 267 (entendimento interessante de alguns autores), haverá “alguma” regularidade processual. É claro que haverá. Nesta situação da admissibilidade prévia já operada pelo juiz, vir o réu em contestação xingando a petição inicial de faltar, como às vezes se vê, inacreditavelmente, as 3 condições da ação e todos os pressupostos processuais, será um primarismo defensivo total. Algo próprio de cabeças mal formadas. Aí, esses perdedores óbvios de preliminares loucas e funcionalmente esdrúxulas lançam mão de uma outra moda, esta filosoficamente medíocre: a de dizer que juiz não sabe nada. A investigação psicoepistemológica dessa mediocridade de quem deita falação sobre quem não está necessariamente abaixo de si, mas qualitativamente pode estar acima, dependendo do caso, revela, nalguns casos, nódoas de uma inveja psicanalítica visível e primária. Isso porque, obviamente, nem todo juiz está acima de todo advogado em conhecimento jurídico, como nem todo juiz que julga improcedente um pedido de tutela jurisdicional passa a ser, automaticamente, um imbecil (esse território é minado, desperta ódios e críticas, mas tento ser razoavelmente imparcial). A sentença costuma atender a uma das partes e a desatender à outra. A parcialidade e falta de isenção de alguns advogados em xingar invariavelmente quando perdem, sem uma reflexão mais acurada, denota um quadro analiticamente baixo em termos processuais. Mas essas relações intersubjetivas merecem um texto próprio, já que comporta muitas perspectivas personalistas, vaidáticas e outras, tanto saídas genericamente do juiz em relação ao advogado, quando também do advogado em relação ao juiz.
Há uma presunção de que as petições iniciais, em geral, são razoáveis e atendem ao “me dá o fato que lhe dou o direito”? Claro que há. Por pior que se possa considerar a formação jurídica atual, como muitos falam, que alcança a todos indistintamente, quem elabora uma inicial costuma ter cuidados, esta é a presunção, ou a esperança. Ainda que atenda a clichês e modismos de elaboração das petições iniciais, em sublivros de prática forense, a literatura “como”, nitidamente de autoajuda – como fazer petições iniciais sem sair de casa, como fazer isso e aquilo – , há um enxame desses clichês e parágrafos inteiros para se “copiar e colar”, o certo é que o cumprimento do art. 282, mais o art. 258, de valor da causa, não se caindo nas valas dos arts. 13, 267, 295 e 301, gerará uma boa petição inicial.
Não há se considerar nem desrespeitosa ou antiética a bobajada de que não se deve fazer isso ou aquilo porque é “feio”. O problema é o erro, é a postulação de o que, processualmente, não cabe, é absurdo. Se o sujeito acha que a violação à condição da ação pedido juridicamente possível é um pedido estranho ou de difícil inteligibilidade, que estude antes. Se acha que fundamento jurídico é a mesma coisa que artigo de lei, não abra uma preliminar de inépcia da inicial acusando inexistir fundamento porque o autor não pôs artigo de lei na inicial. Estudar dá trabalho, mas gera menos problema, principalmente num área cuja dialética é a essência. Jean Menezes de Aguiar.
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