Artigo publicado no jornal O DIA, semana de 7.3.2013
O tema não é
novo, mas continua a comportar questionamentos interessantes. Há,
continuadamente, uma carga bastante forte de preconceito social com questões
que envolvem relacionamento de duas pessoas que se gostam e resolvem ficar
juntas. O preconceito é velho de guerra, mas parece se renovar,
inacreditavelmente, em sua trincheira de luta.
Antigamente
havia um “normal”, pelo menos nos países conservadores, em termos de um roteiro
evolutivo da relação. Namoro, noivado e casamento. Repare-se que, até
paradoxalmente, a língua inglesa não conhece muito bem a terminologia
“noivado”. Utilizam-se, por lá, diversas formas gramaticais “querendo dizer”
noivado. A palavra “fiancé”, por exemplo, tem origem francesa.
Considere-se um
conceito: união séria entre duas pessoas pelo vínculo do amor ou atração
pessoal, com a finalidade de constituição de família, no mínimo ambos que ali
já se encontram, sob parâmetros jurídicos e certos valores sociais. De o que se
trata esta união? Analisado este conteúdo aí, sem nominá-lo, fica honestamente impossível
dizer, com “perfeição”, que se trata de um casamento; uma união estável; ou “mesmo”
uma relação de duas pessoas homossexuais.
Fatores como
duas pessoas, vínculo de amor, finalidade familiar, parâmetros jurídicos e
comprometimento de valores são comuns ou que podem ser perfeitamente comuns a
qualquer relação entre duas pessoas. A lei variará em relação a conceitos de
família, parâmetros jurídicos e valores sociais. Mas ela, no tema e em todo
mundo, vive atualmente sua maior crise e revisão. Estima-se, por exemplo, que a
própria Igreja Católica acabe com o celibato. Parecem não caber mais, no mundo,
ou verem-se efetivamente atrofiados, interferências e comandos externos, legais
ou heterônomos à vida dos casais.
Essa nítida
evolução não quer dizer que a sociedade e a lei não imponham marcos divisórios
conceituais nítidos. Mas uma grande questão, socialmente evolutiva se nos impõe:
o mundo caminha para a redução desses marcos “organizatórios”, em relação à convivência
de duas pessoas, ou para o agravamento deles? Responder com honestidade
histórica a esse questionamento bastante metodológico é de total importância. Parece
não haver dúvida que o mundo discute atualmente como reduzir marcos, barreiras
e proibições. Não ampliá-los.
Se um imaginário
“vetor metodologico do progresso” puder ser traçado obedecendo à simples
evolução histórica do mundo, o seu caminhar, ver-se-á que a sociedade progride
para a redução dos marcos divisórios, classificatórios e separatistas. Foi
assim, por exemplo, com filhos adotivos, espúrios, naturais, ilegítimos,
biológicos etc. Essas classificações tendem a cair.
As relações
amorosas, sexuais, íntimas, de convívio de duas pessoas cada vez mais passam a
dizer respeito a elas e somente a elas. Em direito chamar-se-á isso de
ampliação da autonomia da vontade. Tem-se uma retração do Estado na vida
privada das pessoas e uma ampliação de o que cada um que sabe de si, quer para
si.
Ou será que o
mundo caminha para criminalização das relações que muitos ainda consideram
espúrias, proibidas, indecentes, imorais ou ilegais? O correto enquadramento
histórico dessa principiologia é muito revelador. Alguém verdadeiramente
honesto e não preconceituoso que seja contrário a uma dessas formas “novas” de
relação, ao perceber que toda a evolução social do mundo há em sentido
contrário ao seu modo de ver, deveria apenas “se” repensar. Nada mais que isso.
Talvez essa
visão macro da evolução histórica e social seja o ponto metodológico mais grave
para que posições sejam, sim, mudadas. Vulgarmente seria: sou eu e meu umbigo
mental que estamos certo e todos os países estes errados; ou todos os países
que caminham juntos nessa evolução representam uma modernidade saudável? A
humildade em se ver possivelmente errado em relação a uma grande onda mundial,
não tem que ver com qualquer padrão de imitação, macaqueamento, importação de
valores do chamado primeiro mundo.
Entre casamento
e união estável sempre houve valas profundas. Expressas e assumidas, ou hipócritas
e disfarçadas. Mas entre homem e mulher também. Somente em 1988, por exemplo, o
machismo legal no Brasil acabou. O homem era o “chefe da sociedade conjugal”, o
“cabeça do casal”, designava por vontade sua onde seria o “lar conjugal” etc.
Certas igualdades são muito recentes. A igualdade que se percebe em xeque agora
é a das relações. Liberdade para os casais. Mesmo que contrários ao que
queiramos ou entendamos por “correto”.
Quando a
Argentina sai à frente e aceita o casamento de homossexuais ela apenas encampa
uma evolução que há no mundo ou caminha na contramão da história? O recurso às
questões metodológicas é um poderoso auxiliar na percepção de como uma grande
parte da sociedade mundial, por exemplo, o Ocidente, “pensa”.
Talvez o grande
ponto de toda questão ligada às relações entre pessoas que se amam esteja
centrado na discussão da autonomia de vontade. Porque eu acho, com minha
arrogância portátil, que uma dada relação é promíscua, quero que haja uma lei
proibindo-a. Esse pensamento é velhaco e já foi desmontado ao longo da
história, inclusive com pessoas conservadoras sendo flagradas com suas “taras”
e “defeitos” a esses próprios modos de pensar.
Jamais se tratará de um vale tudo, de uma Sodoma
e Gomorra, de uma promiscuidade social em que possa existir uma família com 3
maridos e 2 mulheres. O problema poderá ser se uma célula assim se vir feliz e
se aceitar. E aí sociedade? Quanto é correto “se intrometer” na vida relacional
de um casal? Quanto a pessoa, a sociedade e o Estado podem fazê-lo? É
exatamente esse quanto que vem sendo reduzido seguidamente. Conservadores
querem requentar essa intromissão. Mas a sociedade com sua sabedoria que
ninguém rouba parece já ter dado um basta a isso. O resto é só assistir de
camarote. Felicidade a todos os casaizinhos e casaizões. E que o amor vença.
Jean Menezes de Aguiar.
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