Artigo publicado no jornal O DIA SP, semana de 14.3.2013
Pode-se sustentar que há
diferenças entre negociação e venda. A venda seria um momento; a negociação um
processo. A venda seria uma obtenção; a negociação uma relação. Em termos de
“tamanho do processo”, a venda seria mais rápida e menos elaborada do que a
negociação que exige, em praticamente todos os casos, elaborações,
planejamentos e análises.
É
claro que houve influxos aí. Os conceitos acabaram se interpenetrando bastante.
Há quem considere venda e negociação partes de um mesmo processo relacional. Toda
venda envolve alguma negociação, mas nem toda negociação envolve uma venda.
Pelo menos a venda de um objeto material, como um sapato, o que quero tratar
aqui. Pode haver, claro, um “produto” envolvido na negociação, inclusive imaterial,
como uma ideia, ou um serviço. Assim, negociação poderia ser considerada gênero
de que venda seria uma espécie.
A literatura especializada é
extensa, apenas alguns: Eugenio Carvalhal e outros: Negociação e administração de conflitos; e Negociação - fortalecendo o processo. Carlos
Alberto Carvalho Filho: A azeitona da
empada - negociação em vendas. Brian Clegg: Negociação - como conseguir acordos com as pessoas já. Herb Cohen: Você pode negociar qualquer coisa - dicas
do melhor negociador do mundo. Henrique Sérgio Gutierrez da Costa: Negociando para o sucesso. Barry Farber:
Negócio fechado! 12 clichês de vendas
que sempre funcionam. Roger Fisher, Willian Ury e Bruce Patton: A negociação de acordos sem concessões. G.
Richard Shell: Negociar é preciso. Linda
Kaplan Thaler e Robin Koval: O poder da gentileza.
Em cursos de pós-graduação, como os que temos na FGV, nas disciplinas Negociação e Administração de Conflitos e Negociação Comercial, o assunto da “venda” no varejo, em loja, sempre aparece. Nossos alunos, diplomados em economia, administração, contabilidade, direito, engenharia etc., ocupam cargos de gerência e direção em todo tipo de empresa pelo país. Algumas princípios oriundos da observação rotineira parecem ser aceitos de uma forma bastante generalizada.
Na venda de loja, uma situação
valiosa é se tentar “conhecer” minimamente o cliente. Se ele, por exemplo, tem
50 anos de idade, vai a uma loja de ternos e diz ser um alfaiate, precisando de
uma roupa pronta, qual deve ser a postura do vendedor? Será que o “treinamento”
de “convencimento” para clientes “comuns” sobre pano, acabamento, costura,
corte, maciez e qualidade terão, neste caso muita “importância”? Fica claro que
o vendedor terá que relativizar o atendimento, afinal, este cliente parece
saber bastante (ou muito mais do que o vendedor) daquele produto que está
procurando.
Nestas situações, se o vendedor
tiver a humildade, ou será inteligência, de até pedir dicas sobre, por exemplo,
porque o tecido de lã fria super 80 “espeta” na pele de alguns clientes e o
super 200 não, poderá ganhar a simpatia
do cliente. E num mundo de loja em que não poucos vendedores são chatos,
insistentes e minimamente especializados, a simpatia e a verdadeira gentileza podem
somar muito.
Outra situação é o cliente que
mostra, inequivocamente, logo no início, que não gostaria de ser incomodado. O
vendedor deveria “acreditar” nisso. Há um traço de personalidade do cliente aí.
Ele não quer andar na loja com um vendedor-sombra em suas costas, tentando empurrar
cada peça que ele olhe ou examine. Não quer ficar ouvindo que as peças que olha
são “lindas” e ficam muito bem nele. Este cliente pode sair da loja falando mal
da empresa. Este pode ser um passivo de imagem péssimo para um negócio. Não
saber analisar rapidamente que tipo de cliente está na loja pode criar
desastres assim.
Se a máxima “o cliente tem
sempre razão” vale alguma coisa, há que se respeitar (mesmo) a vontade do
cliente. Ainda que o vendedor estranhe e não entenda alguma coisa. Há uma equação:
quanto a habilidade do vendedor consegue convencer um cliente a comprar. Mas
pode haver um efeito colateral: conseguir empurrar um produto que o cliente não
queria gerará satisfação ou arrependimento posterior? A “criação de valor”, que
tanto se discute não se resume a “inventar” um valor falso e momentâneo para
gerar a compra e danem-se as consequências. Um analista de pós-venda pode
identificar nessa estratégia uma vitória de pirro.
Outra situação é a do vendedor
que mente. Na loja da Rolex, na 5ª Avenida, em Nova Iorque, uma vendedora para
lá de veterana em termos etários e completamente vaidosa por ser vendedora da
Rolex praticou este pecado mortal. Um cliente conhecedor de relógios entrou na
loja e gentilmente perguntou onde era a loja da Tudor, um relógio fabricado
pela Rolex que tem a marca Rolex na pulseira. A vendedora informou que o Tudor
nada tem que ver com a Rolex, é um relógio sensivelmente inferior e que
praticamente estava descontinuado pela fábrica. Em tempos de internet, uma consulta
ali mesmo, no smartfone do cliente, ao site da Tudor, já desmentiria a senhora
nitidamente de má-fé.
Em tempos de Google é
perfeitamente possível imaginar que haja clientes que saibam o que está pedindo,
querendo comprar. Mesmo que sua roupa ou aparência possam não condizer, nos
padrões preconceituosos de muita gente com o que se quer vender. Isso já é um
outro caso.
O preconceito visual e de
percepção em alguns casos beira ao patético. Sabe-se de uma milionária que
entrou numa grande loja de grife em São Paulo e perguntou o preço de um
vestido. A vendedora olhou-a de cima abaixo e disparou: esse vestido é muito
caro para a senhora. A cliente respondeu: “embrulhe dois”. Não se sabe qual foi
o destino da vendedora depois disso.
Tanto a venda como a negociação
requerem inteligência e rapidez de raciocínio, se é que não são o mesmo. Há um
famoso tripé a ser estudado nos livros indicados: tempo, informação e poder. O
livro “O poder da gentileza” também é uma excepcional ferramenta para a
negociação e a venda. O caso é que existe a gentileza falsa e a gentileza verdadeira.
Clientes inteligentes percebem a diferença sem dificuldade. Uma gentileza
apenas “treinada” e pronta para se transformar em implicância ou desprezo,
raiva ou antipatia quando o cliente apenas não compra, pode ser uma marca
negativa indelével para uma loja.
Compradores em potencial podem
dar “sinais de compra”. Vendedores dão “sinais de venda”, assim está nos livros
e vale conhecer todos. Mas uma empresa mal concebida pode ter sinais difundidos
negativos de atendimento. Isso é o pior que há. Há cursos até de curta duração
para gestores empresariais. Sempre valem à pena. Na dúvida, ser extremamente
simpático e gentil é o melhor. Aí não há erro. Jean Menezes de Aguiar.
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