quarta-feira, 13 de junho de 2012

Falar em tese no Facebook é tabu?

Com gente chata faz-se igual à baleia: mergulha gostoso e não se está nem aí...

 Artigo publicado no Jornal O DIA SP em 14 de junho de 2012

                O patrulhamento atual, esse “chatissimamente correto” está um saco. Pessoas vivem vigiando o que as outras falam, escrevem, pensam. Não se pode mais ter opinião. O sujeito cisma de querer ser seu “amigo” (só rindo...) no Facebox, você não pediu nem convidou, apenas “aceitou”, e qualquer coisinha mais estranha que você fale pronto. Vem o mala alegando que o seu discurso é “desrespeitoso” ou ofensivo. Quando se fala em certas áreas, ainda que totalmente em tese, sem indicar ou sugerir ninguém, alguém pula da última fileira e patrulha o texto, alegando mágoa e “ensinando” que não se pode falar o que quer. Será que não se pode, no “seu” espaço? Lidemos com alguns exemplos famosos de liberdade de expressão para tentar melhorar o nível. Há menos de um mês publiquei aqui na coluna algo semelhante sob o título Ofendíveis.

                O grande Gilberto Freyre, Casa grande & senzala, 4ª ed., 1943, 1º v., p. 90, se refere ao então ditado popular da época; “Branca para casar, mulata para f...., negra para trabalhar”. Quem lê a frase solta pode “estranhar”, mas o contexto é bastante sedutor. Uma coisa é o que está dito. Outra é o contexto em que o dito está. Uma pessoa mal intencionada detratará a frase, rápido, fácil. Uma honesta procurará, inteligentemente, o contexto. Estas últimas são, infinitamente, as melhores.

                Isaac Asimov, Antologias, 1, p. 199, sobre a densidade de discurso que só busque agradar dispara: “Qualquer acréscimo de tempero ou substância ofenderá a alguém e ocasionará perdas. Resulta daí uma papa insossa, não porque ela agrade, mas porque não corre o risco de desagradar.” E sobre os intelectuais da publicidade se preocupar com isso “deve lhes provocar gargalhadas de desprezo”. Repare que o “tempero” e a “substância” aparecem como geradores de “ofensa”, ou seja, tudo precisa ser levinho, superficial. Haverá quem opte por um discurso-papa-insossa, o que não será o caso, por exemplo, de um filósofo como Alain Touraine que ensina: "O intelectual não é um legislador, mas um agitador”. Ou de um ácido H. L. Mencken, O livro dos insultos , afirmando que na religião e na poesia tudo está assim “desde que o 1º gorila avançado vestiu cuecas, franziu a testa e saiu por aí dando conferências”.

                Fala-se “em tese” quando não se especifica ninguem, e ninguém deveria “avocar” se sentir ofendido. Não há temas tratados “em tese” proibidos. A menos que em pleno século 21, com liberdade de expressão garantida haja “tabus”. Podem ser incesto, aborto, religião, prostituição, drogas, fé, Deus, crianças, advogados, políticos, qualquer tema é possível de se discutir. Qualquer tema admite crítica, opinião, discordâncias. O defeito será o patrulhamento, sempre farisaico.  

                O espetacular livro de Rui Castro, O melhor do mau humor, é um repositório de frases as mais cínicas e impiedosas sobre todo e qualquer tema. Garante ótimas gargalhadas, não para os chatos que patrulham. Não pode, por um exemplo absurdo, a OAB querer se insurgir contra o que figuras mundialmente conhecidas falam em frases do advogado, num livro como o do Rui Castro. Nem a balela primária e politicamente correta de que “não se pode generalizar”. Telenovelas, por exemplo, têm enfrentado corporações ciumentas, e com surtos de imbecilidade, quando criticam um personagem. A associação nacional de não sei quem se insurge se um “personagem” é retratado negativamente. É patético isso. Por esssa “lógica” obscurantista não poderia mais haver filmes porque qualquer um, policial, advogado, juiz, político, médico, padre, ligado a uma associação poderá se sentir “ofendido” com a história inventada no enredo de arte.

                Seria o fim das liberdades artísticas e de expressão. Alexandre Pires e Neymar tomaram umas e se fantasiaram de chimpanzé; pronto. Foram ordeiramente enquadrados por um chato de plantão. Quanto autoritarismo e falta de genialidade nessas “autoridades” cheias de moral e civismo, querendo “investigar” racismos.

                De novo, cito o filósofo Lou Marinoff, Mais Platão, menos prozac, pág. 70: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso; consequentemente, são elas que têm um problema.” Em épocas assim, rolando solto o preconceito, o ato de pensar - não sendo a “papa insossa” de Asimov -, como um agitador de Touraine está ficando ridiculamente perigoso. Voltaire já ensinava: “o segredo de aborrecer é dizer tudo.” Mas será que da época de Voltaire, que precisou fugir duas vezes da França por perseguições à sua intelectualidade deliciosamente debochada, nada mudou? Pois é, a goma do formalismo está escondendo navalhas para serem usadas como vinganças, mesmo entre “amigos”.

                “Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”, já disparava o agora eleito cientista do século Albert Einstein, cansado de tanta interpretação maldosa e errada a seu respeito. A minha bonita Roberta outro dia copiou de algum lugar e postou no Facebox dela uma brincadeira sobre religião. Bastou isso para uma amiga de infância pular e acusar a bobajada do “desrespeito”. O entrevero durou 3 minutos e a “amiga” encerrou a amizade. De amizade isso tem “pouco”. O mesmo consumismo boçal que está fazendo filhos matarem pais, e esposas esquartejarem maridos, está causando esses faniquitos e pitis.

                Falar em tese não é nem juridicamente ilícito, nem moralmente reprovável nem inteligentemente feio. Agora, para pessoas “burrinhas” (sei que não posso falar essa palavra sem ser no diminutivo, os chatos pulam) qualquer coisa será um pé para considerarem um “desrespeito”. A sorte é que há pessoas muito mais inteligentes e geniais que nós para nos dar colo. E um colo é uma delícia. Mesmo um colo devasso de um intelectual que nos xingue à vontade, mas honestamente, e não nos patrulhe de uma forma safada. É por isso que Michael Ghiselin dispara: “Arranhe um altruísta e verá um hipócrita sangrar”.

                O patrulhamento, o cerceamento, a vigilância temática são formas hipócritas de se tentar calar o discurso “em tese” sobre um assunto. São, essas mazelas, atreladas a alguma moral de plantão e à suposição de que se pode fiscalizar a opinião do outro. Essa grosseria ou autoritarismo filosóficos não deveriam ter mais vida em pleno século 21. Quem “se sentir” difamado por qualquer coisa que contrate um advogado. Se for um problema de “mágoa”, pode cancelar a amizade. Se for um contorno psicanalítico, como referido por Marinoff, que procure um divã. David Levy e Helena Masseo de Castro são grandes profissionais de divã. Está feita a recomendação e assunto encerrado. Jean Menezes de Aguiar.

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