sábado, 21 de janeiro de 2012

O improviso musical no jazz


Chick Corea, Deus.

O improviso no jazz é algo muitas vezes ininteligível para quem não conheça um mínimo de estrutura musical. Já tentei explicar o improviso para algumas pessoas e não foi fácil. Também, já tentei discutir métodos de improviso com alguns músicos que têm dificuldade com improviso e o tema continua desafiante.

A música pode ser composta por 4 elementos, melodia, harmonia, ritmo e letra. Deixemos a letra de fora e vamos só rapidamente ao ritmo. Pelo que se chama de ritmo pode-se entender duas coisas. O primeiro é o tempo da música como um todo, pense no metrônomo, um instrumento que repete ritmadamente um toque audível e equivale ao que “marcamos” com o pé a música quando a ouvimos, o andamento, se rápido ou lento. Há também a grade rítmica das notas que compõem a melodia. Cada música tem uma grade rítmica diferente da outra, ainda que possa ter o mesmo tempo da música (andamento, marcação). Cai cai balão como qualquer música é composta por notas musicais, cada uma [nota!] com um “tempo de duração”, essas são as figuras musicais deixando-se de fora as pausas, tempos ritmos não tocados. Alguns exemplos de valores rítmicos no compasso 4/4, aplicável a qualquer música.

Semibreve (4 tempos)
Mínima (2 tempos)
Semínima (1 tempo)
Colcheia (1/2 tempo)
Semicolcheias (1/4 de tempo)
Fusa (1/8 de tempo)
Semifusa (1/16 avos de tempo)
Etc.

Se for uma valsa, o tempo (a métrica) será de 3/4, o samba é marcado em 2/4, o jazz em 4/4, 6/4 chegando a haver temas sofisticados como o popular Take Five, composto por Paul Desmond na década de 1950, marcado em 5/4 e outros.

Aí chegamos à melodia, aquilo que o cantor ou o solista executam da música, pense no Cai cai balão, quando se canta é a melodia. Há também a harmonia, a sequência de acordes (cada acorde é uma conjugação de notas tocadas juntas, no piano com a mão esquerda, em regra, a direita fica para o solo e improviso) empreendidos para fazer a base de apoio para a melodia. No jazz chamamos isso de background, e num trabalho informal usamos gírias como fazer a cama para o improviso ou fazer a base para improvisar, expressões que traduzem o que os músicos fazem pra quem vai improvisar ouvir, um pano de fundo, a base harmônica, o próprio background.

Num trio, piano, baixo e bateria, o pianista faz a harmonia com a mão esquerda e sola com a direita, vindo depois a manter a mesma sequência harmônica com a esquerda e a improvisar com a direita, já que não tem outro instrumento para fazer os acordes para ele. O baixo aí faz variações entorno da tônica de cada acorde no momento certo. Há uma diferença interessante no jazz entre o trio e o quarteto, entrando aí a guitarra. No trio a responsabilidade da harmonia fica muito mais com o próprio pianista que poderá pegar um caminho harmônico diferente do baixista e haver um "choque", mas se houver, costuma ser suave. No quarteto precisa haver mais combinação prévia de qual harmonia se utilizará, para que piano e guitarra não colidam. Tocar com guitarra pode ser, para uns, mais confortável na hora do improviso, porque só precisam pensar no improviso. Muitos pianistas simplesmente tiram a mão esquerda do piano e fraseiam apenas o improviso, outros mantêm as duas. Mas também há os que preferem o trio, porque assumem caminhos mais livres, harmônicos, não precisando estar ensaiado ou combinado com a guitarra, apenas com o baixo. Mas aí é estilo de trabalho.

O jazz se desenrola (tempo), classicamente "em 4" (sua métrica), ainda que em muitas músicas quando o solista está apresentando a música – o tema – o baixista "toque em 2" e depois, quando chega a hora do improviso,  passe para o 4. Isso não altera o tempo (marcação com o pé ou metrônomo) da música, apenas em cada compasso o baixista pode marcar com notas duplas o 2, ou notas simples e diretas o 4. Dando 4 será uma dinâmica mais própria para o improviso. Qualquer tema em qualquer ritmo pode ser “jazzificável”, depende do gosto e habilidade do músico. O inocente Cai cai balão ou o sofisticado samba Garota de Ipanema podem ser tocados perfeitamente em jazz, com o baixo marcando em 2 ou em 4, sem problema. Mais incomum é pegar uma valsa, em 3, e transformar em jazz (em 4), mas totalmente possível. A bossa nova e o jazz têm raízes ou sentidos musicais bastante comuns e muitos músicos tocam jazz em bossa ou bossa em jazz. Eliane Elias, pianista radicada nos EUA, usa muito o recurso.

Chegamos na hora de falar do improviso. Uma estrutura comum de quem toca jazz é “solar” a melodia uma vez, inteira, o tema, dar a vez para quantos músicos haja que possam ou queiram improvisar, e depois voltar ao “tema”, que é de novo o solo com a melodia da música. Assim "toda" a estrutura para se fazer jazz é: tema, improviso(s), tema. Essa é a base. Quando se liga o rádio e a música está no meio, no improviso, mesmo músicos experientes podem ter dificuldade em saber que música é. O improviso sobre a harmonia que está rolando, nalguns casos, não dá muitas dicas para se saber qual é o "tema", qual é a música. Há que se esperar chegar ao 3º momento, o tema, para se identificar a música. 

O improviso é o músico tocar um encadeamento melódico que ele cria na hora sobre a harmonia existente e própria da música, durante todo o tempo da música - a música inteira -, que então se chama chorus (basicamente 32 compassos no jazz, ainda que possa ser improvisado meio chorus e dividido com outro instrumento; improviso da bateria no jazz costuma se dar em fours, o piano improvisa 4 compassos e a batera 4, alternadamente até completar todo o chorus da música).

Improvisar por 1, 2 ou 3 chorus é improvisar 1, 2 ou 3 vezes toda a música, sempre de forma diferente, já que o improviso é uma criação naquele momento de um “tema” sobre a harmonia da música. Assim, todos os músicos, a banda ou orquestra continuam tocando a harmonia tradicional da música e o solista cria, inventa, durante o chorus, o seu “tema” ou variação.Improvisar requer inteligência, rapidez e arte.

O improviso é o solista se desligar apenas do tema original e criar um outro tema na hora. Há músicos que têm dificuldade com essa abstração. E há quem se desligue totalmente, criando caminhos melódicos e até rítmicos quebrados, inusitados e se os harmonizadores não estiverem atentos podem se perder. No jazz, quanto mais se desloca do tema mais sofisticado será o improviso, claro mantendo-se um padrão de beleza que será subjetivo de quem ouve e gosta de jazz. Há improvisos atonais, estranhos para os padrões da harmonia, mas se no final todos os músicos “voltarem a se encontrar” no preciso tempo do fechamento, está tudo certo.

Numa Blowing session, o mesmo que jam session, um encontro descontraído de jazz, os músicos podem perfeitamente não se conhecer, nunca terem tocado juntos que tudo sai perfeitamente bem. Também os músicos podem tocar com quem seja de nacionalidade diferente e nem se entender no léxico, mas executarem perfeitamente todo um tema com improvisos etc. A linguagem da música é universal. Já estive por diversas vezes trabalhando na música fora do Brasil, tocando com músicos que sequer a banda conhecia. Uma vez fiz uma grande temporada no Cassino de Monte Carlo com um baixista francês, Philippe, que trabalhava com Paul Mauriat. Fomos apresentados, nós do Brasil, na véspera da importante estreia no Cassino, afinal lá, um show internacional. Philippe era bom demais, lia até cocô de mosca, como se fala entre músicos de quem lê partitura de primeira. Abrimos a partitura do difícil show (que nós não precisávamos mais porque éramos acostumados a ele) e o baixista leu de primeira, sem se comunicar direito com os músicos brasileiros, saiu-se perfeitamente bem. A cantora era Eliana Pittman, com um show para lá de difícil. 

Há improvisos memoráveis no jazz. Músicos podem ser mais velocistas (Oscar Peterson, Chick Corea, Paco de Lucía,) ou mais melodiosos (Tom Jobim, Ivan Lins, Bill Evans), ainda que os velocistas sejam melodiosos, é claro; já os melodiosos apenas podem não querer desenvolver técnicas de velocidade de improviso. Ainda que eu prefira velocistas, o melhor improviso que já ouvi e me lembro, no jazz, é melodioso e foi feito pelo gaitista Toots Thielemans, sobre a música Começar de novo, do Ivan Lins, no CD Brasil Project foi feito por mutos brasileiros em homenagem ao músico belga. Os caminhos tortuosos de Toots e as notas escolhidas no improviso são simplesmente inacreditáveis, um gozo. Uma dúvida à qual não tenho a resposta, se Toots quando improvisou tinha à sua frente a grade harmônica escrita, as cifras, para seguir como guia. Se tinha fica "mais fácil", principalmente nesta difícil música de Ivan. Se não tinha, deveria ter na cabeça todo o encadeamento harmônico para viajar no improviso sem precisar de guia.

Mais ou menos assim é o jazz. Pena que no Brasil não haja mais casas noturnas para que músicos profissionais possam tocar. As raríssimas que existem, 1 ou 2, parecem ser “ciumentas” e não admitem canjas; um padrão fechado, “empresarial”, que em nada se coaduna com a arte. Algo totalmente diferente das casas noturnas existentes na Europa e Estados Unidos. Mas também o padrão musical do Brasil passou a ser, desavergonhadamente, o da não qualidade, o da não competência instrumental e musical e o da falência em quase todos os sentidos, salvo raras exceções, muito raras que vagam perdidas por aí. Jean Menezes de Aguiar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário