quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O texto crítico, sua rejeição psicanalítica, seu afeto e os imbecis.


Patas e trombas usadas com força na educação da cria são as mesmas para o afeto

[Filosofia. Crítica. Psicanálise. Objetividade. Imbecis]

          Há quem não goste da crítica, nem um pouco. Mesmo a crítica feita “em tese” e não dirigida a ninguém em especial. Percebe-se no agente que não gosta, inicialmente, um certo medo no sentido de que a crítica estivesse tratando dele próprio, o temeroso ou o que reage. Depois da fase da negação ou do medo do enquadramento, “– eu não sou [não quero ser] isso”, vem um misto de repugnância e ódio pela revelação pública de o que se é ou se percebe que se é, “– eu não gosto que falem de mim publicamente”, como se a crítica, que existe em tese, tivesse falado efetivamente do agente, em concreto.

Há duas explicações no plano subjetivo aí. A primeira é “mais” objetiva, ligada ao agente temeroso. Este veste a carapuça ou acha que a crítica é para ele porque ele se encaixa no objeto criticado, a crítica lhe cabe perfeitamente. Ele percebe que outras pessoas ao lerem a crítica identificarão nele uma pessoa potencialmente criticada por aquele texto crítico. Quando ele veste a carapuça, reconhece, no seu íntimo, que a crítica se lhe encaixa e por isso reage, afinal só quem pode falar mal dele, publicamente é ele próprio. Aqui a reação à crítica é porque o objeto criticado cabe perfeitamente em alguém, ainda que este alguém jamais estivesse citado nem sugerido no texto crítico.

A segunda explicação para se reagir à crítica é subjetiva, não se liga ao objeto da crítica em si, mas a quem a produziu. O sujeito que reage imagina que quem criticou tenha na verdade dirigido a crítica a ele; imagina que o texto crítico seja uma indireta. Novamente, percebe-se que quem reage fá-lo-á porque vê plausibilidade no contexto crítico em relação à sua pessoa, mas a problematização aqui está ligada ao agente que elaborou a crítica, é com o autor que se implica ou se tem problema.

Há uma terceira análise. A crítica pode ser rejeitada no plano objetivo, no sentido de apresentar-se errada, atécnica, desconjuntada ou imperfeita em sua estruturação ou materialidade intrínsecas. Nesse caso não há uma reação subjetiva a ela, mas é perfeitamente possível uma demonstração de sua imperfeição em relação ao objeto criticado. Aí a metodologia científica exigirá um fator técnico conhecido como alheação ou estraneidade para o desmonte da crítica. Não será ela ruim “porque eu acho”; “porque eu quero que seja”; “porque ela cabe em mim”; ou “porque eu acho que você está falando de mim”; mas será ruim por um defeito objetivo e demonstrável que a torna imperfeita.

Nos dois primeiros casos, pertencentes ao plano subjetivo, a situação desafia um tipicamente problema kantiano, já que está em jogo uma crítica da faculdade de julgar (Urteilskraft), ou uma crítica à nossa capacidade de formular juízos, conforme ensina Howard Caygill (Dicionário Kant). O agente reage por meio de um juízo estético rechaçador ou um juízo teórico. Não quer a crítica porque ela lhe desnuda um ser que ele não quer ver público; ou não a quer porque ela não teria nascido como crítica [pura – em tese –] mas como uma indireta ao agente criticado, daí sua afetação no plano conceptivo enquanto crítica.

Como a metodologia científica é uma pauta “difícil”, o ignorante desconhece e por isso tem uma atitude totalmente contaminada, ametódica e parcial em relação ao texto crítico que reage e então detesta; já o filósofo em muitos casos constroi teorias reagentes sólidas, mas esses não frequentam os mesmo restaurantes que os ignorantes, o comum, por parte dos ignorantes, é verem-se rechaços barulhentos, figadais, confusos, emocionais e totalmente ametódicos a textos críticos. O filósofo terá a destreza de manejar a rejeição ao texto crítico com uma teorética sedutora e tranquila, ainda que possa estar episodicamente equivocado.

Por quarta análise, há o agente criticador. Há algumas divisões classificatórias aí. Uma é que haverá nítida diferença entre o teórico e o medíocre. O teórico elabora seu texto crítico com algum sentido altruístico (perdoe-se o palavrão), totalmente preocupado com a construção e a sustentabilidade dos argumentos, a montagem e busca de perfeição dos conceitos e a todo instante um método objetivo de demonstração dos contornos críticos. Já o medíocre se aproveitará de algum lampejo critical para, sim, produzir indiretas e carapuças comissivas a seus inimigos de laia, numa atitude primária e facilmente perceptível. Essa primeira divisão é bastante vulgarizada, mas talvez algo dela se aproveite, como um mero espírito mediato de identificação de quem trabalha com textos críticos. Uma outra divisão é a de quem trabalha com crítica profissionalmente e quem lida com ela por prazer, e isto não pode sugerir, obviamente, qualquer reserva de mercado. O professor, o filósofo ou o escritor, por exemplo, com seus deveres de ofício de serem, no plano teórico, bem intencionados (fora do Inferno), deverão manejar quaisquer críticas por piores que sejam com a objetividade do agente teórico, visando à aplicação por afeto ao alunato ou a seu público. Já quem não tem a “responsabilidade” profissional destes ou do teórico lato sensu e não trabalha com a crítica por ofício, “poderá” manejar a crítica de “peito aberto”, mas sem esse dever de ofício. Isto quer dizer que em outras situações, de implicância cotidiana, por exemplo, esta crítica poderá não estar isenta de comprometimentos e acusações subjetivistas.

É claro que tudo que se chama de “objetivo” contém relativizações para o plano subjetivo. Todo ato humano é político e cultural, há subjetividade em tudo. Jairo José da Silva ensina que até “a matemática é um produto da cultura humana” e “muda com o tempo” (Filosofia da matemática) e Gaston Bachelard em sua tese de doutorado, Ensaio sobre o conhecimento aproximado, ensina que “nada pode adulterar o número”. Fica patente aí que “objetividade” é algo bastante relativo e a inadulterabilidade se vê num campo muito restrito, próprio do simbolismo aritmético. A crítica tida por “objetiva” sempre, invariavelmente, terá uma carga subjetiva.

Por fim, é sempre possível se identificar uma relação de afeto que pode existir na crítica, mesmo a crítica pesada e considerada vulgarmente “debochada” por problemáticos de plantão que veem [e temem] o deboche em muitas situações. O fator “afeto” existirá quando se buscar o viés pedagógico verdadeiro por meio até da ridicularização de um objeto criticado. Ainda que este objeto seja considerado, no texto crítico, próprio de imbecis, o afeto pode existir. Este afeto pode ser dado, por exemplo, a um filho no processo de sua educação, para que do filho seja afugentada toda e qualquer imbecilidade, fator que nenhum pai desejaria próximo ao filho. Também o professor com autoridade poderá [deverá] manejar o afeto com este viés. Quando se critica vorazmente um objeto quer-se ridicularizá-lo  e este pode ser um modo educativo.

Os imbecis existem e nunca deixarão de existir e não será a ausência, a suavização ou o paternalismo piegas e idiotamente meloso de um texto crítico então primarizado que os fará menos imbecis, ou desaparecerem da Terra. Assim, mãos à obra e crítica a tudo. E que se fodam solenemente os que se incomodarem, se doerem e se sentirem atingidos. O filósofo Lou Marinoff (Mais Platão, menos prozac) dispara: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso; consequentemente, são elas que têm um problema.” É sempre mais seguro manter esses ofendíveis, imbecis e problemáticos – os merdas em geral – longe, muito longe. A crítica salva e viva o seu afeto carinhoso. Jean Menezes de Aguiar.

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