[Direito. Sociedade. Advocacia. Mundo corporativo. Manejo. Crítica. Positivismo. Estado policial]
Com este sugestivo título, Friedrich A. Hayek, prêmio Nobel de economia em 1974 abre o capítulo XVI em seu famoso livro Os fundamentos da liberdade. Fica patente o contraponto entre o título do livro, que numa análise primária ver-se-ia “esperançoso” e o título do capítulo mostrando certa escatologia no plano “jurídico”. Amartya Sen, outro Nobel de economia, em 1998, no seu último livro A ideia da justiça também analisa a liberdade e a mecânica da justiça, além de já tê-la discutido eficientemente em Desigualdade reexaminada.
Um questionamento parece ficar patente aí. Estudantes do direito, não apenas em nível da graduação parecem não estar trabalhando com duas áreas suprajurídicas, mas essencialmente estruturais ao direito: a primeira, a questão formativa da justiça, em sua epistemologia conceptual e intelecção minimalizada para funcionalizar questões e debates fundantes à compreensão de um tecido mental próprio de subtemas como o justo, o ético, o correto e até o legal em si – minimalidades que formariam um arcabouço estrutural formativo e sedimentador de uma evolução conceitual; a segunda, as erosões do direito e da desigualdade num mundo globalizado.
A impressão que fica, pelo menu de interesses revelados por parte de muitos estudantes, é de uma subformação com fito operacional corporativo, nem propriamente mantenedor de um emprego, mas menos, teleologicamente concebido a um ingresso num tal já obsoleto mundo corporativo, filosoficamente primário e subalterno a um alto pensar, como um sugerido por Alain Touraine (Após a crise) – “O mais importante é reconstruir a vida social, dar um basta à dominação econômica sobre a sociedade, o que exige recorrer a um princípio sempre mais geral e universal, que podemos novamente denominar direitos do homem (mais apropriadamente, direitos humanos); direito que seja capaz de engendrar formas novas de organização, de educação, de governança, a fim de propiciar uma redistribuição do produto interno nacional em favor do trabalho, há tanto tempo sacrificado pelo capital”, ou por Joseph E. Stiglitz (Nobel de economia em 2001), na obra O mundo em queda livre, quando teoriza os capítulos “O grande roubo americano” e “A ganância triunfa sobre a prudência”, percebendo-se a prudência não como um “temor” próprio dos primários, mas um sofisticado equilíbrio inclusive de matriz sociológica como exigido por Touraine a compor a nova esfera avaliatória das leituras prestáveis para os tempos atuais. Também, e em segundo lugar, ao lado de um desejo corporativo profissional, boçalmente competidor, totalmente energumizado, está no referido menu de interesses, ainda, um plano mais doméstico e individualístico da formação jurídica que seria a visão de uma advocacia profissional e sobrevivencial que não maneja um arco de opções teóricas e compreensivas tendentes à compreensão do mundo pelas leituras jurídicas e concepções teóricas básicas.
A situação se agudiza, no plano da inteligibilidade, na dispensa de temáticas complexivas formadoras do pensar jurídico pela alegria momentânea e consumista com manejos práticos, oficiosos, burocráticos e de resultado. À frase que era objeto de riso por parte de Anatole France (Le Lys rouge), “majestosa igualdade perante a lei que proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir sob as pontes, esmolar nas ruas e roubar o pão” já foi citada inúmeras vezes na história recente do direito – pós-Guerra – como paradigma de uma justiça imparcial, quando o que está intrínseco é verem-se solapados os fundamentos da justiça imparcial. A proteção do fraco contra o forte com garantia de “uma participação moderada nas coisas desejáveis da vida”, conforme ensina Hayek, é – teria que ser – uma das essências desta nova legislação social e econômica. Mas isso parece não estar compondo a formação mental e de subjacência do novo homem jurídico, este mesmo que prossegue validando aberrações filosóficas como disputas sociais ao modelo de Adam Smith de que a melhor coisa que cada um poderia dar à ordem social seria a contribuição do seu egoísmo pessoal (An inquiry into the nature of causes of the wealth of nations. Chicago: Encyclopaedia Britannica).
A impressão que fica é paradoxal, se por um lado com um retorno roxo às doutrinas do positivismo legal, como o primeiro dos 4 movimentos importantes do direito (positivismo legal, historicismo, escola do direito livre e escola da jurisprudência do interesse) – no caso meramente brasileiro com a hipertrofia do Estado no viés do concurso público, um neo Kulturstaat que beira ao Estado policial quando, por exemplo, sataniza investigações viscerais sobre a corrupção figadal –; por outro lado, com a acientificidade do direito, não uma que solapasse corretamente conceitos cartesianos pelo câmbio de matizes sociológico e antropológico, econômico e outros, mas, por exemplo, com o abandono de métodos jurídicos próprios de uma ciência “atual” no viés da interpretação prevalentemente social, isso, reforce-se, no plano da formação jurídica brasileira, não no da “existência” desses temas no direito, principalmente em literatura estrangeira.
O direito perde a explicabilidade social quando não mais teoriza fenômenos concretos da vida urbana cotidiana e primária. Não produz “resposta” para a violência e para a agressividade (como se fosse seu papel...), sequer tematiza por foco outro que não seja o da repressão, a não ser tímidas discussões pontuais como o “laboratório” de campo que tem sido as UPPs no Rio de Janeiro, questão, repare-se, que não tem sido produzida por entranhas do pensamento jurídico, mas, de novo, por manejos estatais que passam a produzir o conhecimento. Parece um retorno ao kelsianismo em sua concepção básica de que no Estado está a ordem legal, um modelo de Rechtsstaat odioso e velhaco, duro e formal, legitimador inclusive do Estado despótico.
Com a perda da explicabilidade por parte do direito, não se tem “visto” direito, apenas manejos utilitários, primários, simplistas de obtenibilidades. No campo processual, a ode às tutelas de urgência, um viés paupérrimo dum consumismo imitado e teoreticamente desinteressante; no plano das liberdades, pequenas bulas artimanhosas visando a liberdades pontualíssimas, frise-se, de novo meandro processual, no qual o direito material não importa, numa dicotomia frontal ao modelo processual francês, por exemplo; no plano tributário com a excelência tecnológica deste neo-Estado policial, a busca frenética pela guerra que se estabelece em elisão fiscal frente à voracidade estatal hemorrágica em menstruação desregulada e aí imunda com o dinheiro público a prol de quem está no Poder.
Assim há um declínio do direito numa forma nova, modernosa e com “terninhos” justos e pretos para homens-dândis que correm “loucas” aos bandos nos aeroportos imundos deste terceiro mundo brasileiro, um direito também tatibitatizado sem os voos grandiosos das teoria da justiça (Rawls e Sen), da liberdade (Hayek), da desigualdade (Sen), da ética (Morin), da história (Hobsbawm) e do pós-crise (Stiglitz, Touraine, Fareed Zakaria e outros). Essa “sociologia” do direito profissional brasileiro gera saborosos disparadores de risos e orgasmos mentais para rabugentos de uma ciência jurídica traída e largada no meio da estrada, com visões lisérgicas de um LSD achado no fundo da gaveta e requentado num fogão mambembe para a leitura de uma prática jurídica pobre, monotemática e meramente egoísta, sem qualquer inserção social verdadeira. Jean Menezes de Aguiar
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