quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Jornalismo - a guerra do diploma

O consumismo brasileiro exigiu e foi atendido: qualquer analfabeto funcional “passa” no vestibular de muitas faculdades privadas, muitas, ok? Já soube de alunos no Rio, minha cidade, “capital cultural do país”, que disseram ter feito o vestibular em certas faculdades em 10 minutos, não leram as questões e marcaram todas na letra C. Passaram, é óbvio. A faculdade botava outdoor na Bahia mostrando as belezas do Rio e convidando para quem quisesse, viver 5 anos na beleza carioca, praia, mulher pelada etc. Quando era feriado na Bahia, as turmas baianas faziam feriado no Rio. Há quem tenha “dificuldades” em acreditar que a coisa esteja assim, mas essas dificuldades são tratáveis.

Leonardo Greco, professor titular de direito da UFRJ publicou, já há 20 anos, que o aluno sai da faculdade sabendo somente 5% de o que deveria saber. Principiologicamente, foi preciso e exato. Peneiras não tapam sóis. Se houve mudança no quadro universitário brasileiro, só piorou com o “cada bairro uma faculdade”, e viva o Bndes.

O aluno que viveu a “cola” como fator institucionalmente ordinário por 5 anos; que tem sérias dificuldades para compreender um texto em seu idioma; que não enfrentou qualquer dificuldade para passar no vestibular dessas tais faculdades particulares (pode ter sofrido, “achando” que precisava estudar, mas esse é um problema interno dele); que foi um mero “administrador” de notas de provas durante todo o período escolar, no sentido de que tinha que correr atrás de 2 ou 3 pontos para “passar”; que ajudou a inventar ou difundir o “trabalho para ajudar” pedido ao professor quando percebe que “não vai dar para passar”; este que acha o conhecimento científico insuportável, detesta metodologia, acha que as disciplinas do básico não servem para nada, afinal ele é um aluno “avançado” e os idealizadores do currículo acadêmico são imbecis por querer ter um (um!) semestre de filosofia no início; acha que “a teoria não importa o que importa é a prática” (a frase preferida do casal imbecis & energúmenas); este que no seu íntimo sabe que “conseguiu” se formar (nossa, que esforço!) porque foi pontual (pagou em dia) e foi cuidadoso (não relaxou com a administração das notas); este que sabe que a sua faculdade é daquelas que alguém liga e pergunta: - é da farmácia? E o tele-marketing-atendimento-digital responde:  - não, é da faculdade, você está matriculado e pode passar para pegar o carnê; este aí, e se sabe que não são poucos, sabe, num confessionário secreto a um padre de total confiança, que não “sofreu” tanto assim para “chegar lá”. 


Também, esse mesmo aí sabe que não sabe nada (eles mesmos vivem dizendo isso!). Por isso os cursos superiores que têm “exames” reprovam 80, 90 por cento e os diplomados ficam repetindo 5 ou 6 exames até passar, ou 13, 14 exames, como é o caso de outros tantos, esperando que o exame “mude” e dê uma facilitada.

Esta visão toda aí é um meio "segredo" e só pode ser contada pela metade. Voltaire já ensinava que o segredo de aborrecer é dizer tudo. Certa vez um reitor de uma faculdade privada, numa reunião com professores, iniciou seu discurso austero e formalíssimo dizendo que era “missão” (que modismo babáquico esse do mundo corporativo yuppie) dos professores “apertar” nas provas e nas notas. Aí um grande professor, baixinho e deliciosamente desaforado, ainda que totalmente lúcido, se levantou e perguntou ao reitor: - mas por que não é apertado o ingresso do vestibular? Continuou ele - Eu tenho alunos analfabetos funcionais, reitor! Xeque mate. É claro que ele foi demitido algum tempo depois, o “código” não pode ser violado publicamente assim.

No jornalismo, atualmente, há uma guerra não totalmente surda sobre a necessidade ou não do diploma universitário. Milhares de diplomados foram pegados – um lóbi popular forte – com as calças na mão pela decisão do Supremo em acabar com a exigência do diploma. Também centenas de faculdades – um lóbi empresarial muito mais forte – se viram desnecessitadas em termos de cursos de graduação de jornalismo, uma perda de clientes, ops, alunos (não se pode chamar aluno de cliente, parece que magoa). Os negadores da necessidade do diploma dizem que “fazer jornalismo” independe de faculdade, dizem que em todo o primeiro mundo é assim e que isso tem que ver com a liberdade de pensamento e de imprensa. Por todos, o excelente artigo de Gianni Carta, na Carta Capital, Diploma de jornalismo é idiotice (http://www.cartacapital.com.br/politica/diploma-de-jornalista-e-idiotice/). Os que veem a necessidade do diploma invocam “qualidade”. Dizem que somente a faculdade dá a qualidade necessária para a “formação” do jornalista. Muito fraco este argumento. Será que com o baixo clero universitário brasileiro (claro que não são todas as faculdades, óbvio) é o “curso” de graduação em jornalismo que dará a tal da “boa formação”?  

Será que Sírio Possenti, Professor-titular do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de livros sobre gramática e Língua Portuguesa, e também sobre humor e análise do discurso, articulista [jornalista!...] da Carta Capital “não sabe” escrever um texto ... jornalístico? Só saberia se fizesse uma ... “graduação”? Pois é, essa reserva de mercado [pseudo] qualitativa da Fenaj e dos Sindicatos que se compuseram – ou se mancomunaram? – para só aceitar jornalistas com diploma é pífia. Totalmente pobre o argumento da qualidade.

Tudo bem que os necessitadores do diploma têm que invocar alguma coisa. Ficam, assim, garimpando erros de português nos textos dos jornalistas que não têm o diploma “de jornalista”, como se somente o jornalista diplomado soubesse escrever. Será que o cientista político, o diplomado em letras, em direito, em economia, em história, em sociologia não “sabem” ou não aprenderiam fazer um texto “jornalístico”? Há tantos “segredos” assim que somente a faculdade de jornalismo consegue ensinar? Se é para falar em erros, o jornal O Globo, por exemplo, insiste em abrir manchetes utilizando a palavra “premier” (expressão francesa, que deveria estar, então, em itálico), no lugar de “premiê”. A impressão que há é que primeiro o jornal errou e aí, depois, como num improviso de jazz, optou por repetir o erro insistentemente, todas as vezes. Será que se “patrulhar” o Globo por isso é uma forma “razoável”? Será que “este” erro diz respeito a um jornalista sem diploma, já que os com diploma são "perfeitos"? Será que um doutor em sociologia ou história, com livros e artigos publicados, que se enverede por escrever matérias jornalísticas cometerá tantos erros de português assim “apenas” porque não cursou 4 anos de uma graduação em jornalismo? Ou porque o português tem, sim, situações difíceis e cavernosas, dúbias e dúcteis e todos, indistintamente, têm chance de errar, ainda que apenas nas mãos correicionais de um gramático ortodoxo ensandecido?

Esta desculpa do “erro de português” no jornalismo “porque” o jornalista não fez o curso “de jornalismo”, com o nível de muitas faculdades do país, é totalmente despicienda, voluptuária e famélica. Seria o caso de pegar as últimas 3 palavras da frase anterior e perguntar o significado a um jornalista jovem. Se ele conhecesse seria “porque” fez faculdade de jornalismo? Por essa lógica que estão usando, estão tirando do jornalista diplomado o direito de se equivocar no português, inescusavelmente, isso é um patrulhamento antropofágico, um argumento contra eles próprios.


E há mais, jornalismo não se resume somente a esse "maniqueísmo" de erro e acerto em português. Que primarismo é esse patrulhado como se a atividade pudesse ser subsumida a isso? 

A lógica que os necessitadores de diploma estão a ostentar, com o sabido e desavergonhado baixo nível de muitos cursos universitários, é totalmente boba e só expõe a fraqueza dos argumentos. Solidarizo-me aos milhares de jovens que fizeram graduação de jornalismo, muitos influenciados por lindas publicidades de faculdades e agora veem seu diploma com valor bastante reduzido, ou se sentem sacaneados sim. Deve ser um gosto horrível na boca. Mas essas lideranças do jornalismo pró-diploma estão com "teses" totalmente bobinhas. Se querem lutar pelo diploma, precisam achar o mote certo para criar a luta, e não isso de erro de português. Se fosse assim, em todos os outros países o diploma seria necessário, e não é!


Sergio Buarque de Holanda, na obra de antropologia Raízes, já aponta a “república dos bacharéis”. Essas reservas de mercado foram, historicamente, apenas reservas de mercado. Ainda que os defensores invoquem razões fulgurantes e enfeitadas. Jean Menezes de Aguiar (Jornalista, com MTB, filiado à Associação Brasileira dos Jornalistas). 

PS. [Que Deus e Alá me protejam pelos idolatrados neologismos, os parágrafos e frases imensos tirados do pensar filosófico, o juridiquês ditatorial, vetusto e vaidoso, mas sobretudo os “erros” de português tão infamantes e vis que possam ser descobertos no texto e apontados autoritariamente por uma linda ninfeta recém-formada. Não tem jeito: o inferno me espera mesmo]. Beijo geral e paz nos corações.



ANEXO. Entrevista IG - Marcelo Rezende, 4.fev.2013

O jornalista Marcelo Rezende, que afirma não ter concluído o 2o grau e bate a Globo em audiência.
http://gente.ig.com.br/2012-12-04/marcelo-rezende-tem-fila-de-feinhos-pra-me-dar-tiro-botei-muitos-na-cadeia.html

"...
iG Gente: Você tem um estilo bravo no ar, dá bronca ao vivo, como mostra um vídeo que está na internet, em que você se irrita com um repórter em seu programa. Mas fora do ar você tem fama de brincalhão e engraçado. Como é isso?               
Marcelo Rezende: Eu fico muito nervoso quando estou ao vivo, são muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo e não gosto que nada dê errado. Fora do ar sou uma pessoa tranquila, calma. Esse vídeo que você citou é o que ficou mais popular, mas teve outro pior. Era o primeiro dia do repórter. Me disseram que o cara era muito bom, formado na USP e etc. Estávamos mostrando o enterro de um menino assassinado, quando ele entra ao vivo, com o pai do garoto. Pergunta: “O senhor está aqui por um motivo triste, não?” Nesse momento, no ar, pedi para falar com o repórter. Disse, ironicamente, que ele estava enganado: o senhor estava ali porque estava passando, viu umas pessoas fantasiadas de preto e resolveu entrar para se divertir. Ele foi mandado embora no primeiro dia
..."







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