[Petição inicial. Conhecimento. Artigo de lei. Praga. Teimosia. Taras. Merdosialidades.]
Ensina-se no direito que a petição inicial é o ato processual mais importante do autor, a contestação o mais importante do réu e a sentença o mais importante do juiz. Costumo dizer que esses atos são “subjetivamente” considerados e há o ato processual “objetivamente” considerado como o mais importante que seria a citação, exatamente o que angulariza e estabiliza a relação processual (isso é Pontes de Miranda). Se a petição inicial é o ato mais importante do autor, deveria ser objeto de mais estudo. Tudo bem que com a onda do não conhecimento e a valorização dos subprodutos “fáceis”, a informação e notícia, usando-se o Gúgle (aprendi esse sotaque no Maranhão, adorei) para resolver tudo, a impressão é que todo mundo parou de estudar e manejar conhecimento de verdade. Para concurso, é direito objetivo; pra passar de ano na faculdade de direito basta conhecer administração (sim, como administrar as notas, a importância máxima de muitos alunos em muitas faculdades) e por aí vai. O festival de errância em petições iniciais é um espetáculo.
Como se não bastasse a falta de conhecimento, há o modismo. Estruturas léxicas e mesmo semânticas entram na moda no direito processual. Uma delas é a praga de “todo” réu dizer que a ação é uma “aventura jurídica”. Claro que quando se fala em réu, fala-se no seu advogado. Ao réu cabe rezar diariamente para não perder a causa. Outra moda merdosial em termos de contestação é abri-se preliminares invocativas de ausência de pressupostos processuais e condições da ação. Há sujeitos que vêm em barbarismo dizendo que a inicial é oca, falta tudo, todos os pressupostos processuais e todas as condições da ação. Ora, se o advogado do autor é tão imbecil a este ponto, tê-lo-á que ser também o juiz, pelo que está no CPC, art. 285, típico gatilho com natureza de juízo de admissibilidade, o “Estando em termos a petição inicial, o juiz a despachará, ordenando a citação do réu”. O réu na ânsia, ou faniquito de imprestabilizar a inicial, manda essa esdruxularia defensiva. Patético. É claro que se a inicial não contiver nada, por ser um tonto o advogado, e o juiz outro tonto mandar citar, valerá a observação, mas essa obviamente não é a regra. Veja-se que não se fala aqui de faltar “uma” condição da ação, mas como o alegado acima, todas e todos os pressupostos processuais.
Outra desgraça modal é a coisa cansativa da não compreensão acerca da desnecessidade de artigo de lei em petição inicial, em erro de cruzamento com fundamento jurídico, este sim, uma exigência do CPC, art. 282. Esta ininteligibilidade está pandêmica. Tão aguda que até professores (não poucos!) por aí “ensinam” ser necessária a presença da praga do artigo de lei. Tão aguda que a formação do alunato insere isso na mente feito tártaro mental e simplesmente não consegue desfazer. Aí, quando se diz que a inicial não precisa de artigo de lei (iura novit curia), o cara “pede” uma petição sem artigo de lei para “ver” como é. É, porque imaginar está legalmente proibido. O mundo corporativo coarctou a inteligência, a criatividade, a inventiva e a viagem na maionese. Aí, não adianta “explicar”, o cara precisa “ver”, é a vitória patética do concretismo estético sobre a abstração epistêmica. Há anos, publiquei na minha coluna semanal de jornal em São Paulo, o artigo intitulado Artigo de lei não é fundamento jurídico. Ali eu abria o texto exatamente assim: “Continua o lenga-lenga ou o nhem-nhem-nhem mental em vários sítios arqueológicos do país, com antropóides e pré-hominídeos ambulantes, vagando em suas roupas engomadas e falas endurecidas por laquê verbal achando que “fundamento jurídico”, exigido corretamente no Código de Processo Civil, art. 282, é a porcaria de “artigo de lei”. Cruz credo. E o pior é que esses seres e criaturas, alguns em postos chaves, conseguem convencer uma massa de gente tolinha, incauta e desavisada.” Onde está a "porcaria de artigo de lei" é claro que eu queria dizer com letras garrafais a merda do artigo de lei. Talvez somente com uma psicologia do desastre ou da confrontação terrorista o cara consiga “acreditar” que petição inicial não precisa de artigo de lei, fora aquela bobajada óbvia de direito municipal etc., prevista. Ainda aqui, o empecilho não está nem na crença mais, mas na impossibilidade de elaborar a tal da inicial sem o artigo de lei, porque passou-se a acreditar que fundamento jurídico é fundamento legal, um erro oriundo da falta de estudo basilar.
Há outras coisas terríveis e fantasmáticas na petição inicial, como essa ode em se classificar ação. Aí o cara está na sala de aula com o livro TGP dos 3 lindões da USP, Grinover, Dinamarco e Cintra, e insta o professor: - mas aqui há um capítulo intitulado “Da classificação das ações”. E aí o professor manda ele ler apenas e tão-somente a primeira frase do capítulo. Pronto, se ele entender, verá que não é a ação que está sendo classificada, mas o provimento jurisdicional invocado e, como empréstimo, ponto de apoio, “pode-se” utilizar a mesma criteriologia para a ação. É errado, que fique bem claro. Esse pós-modernismo lascivo e lânguido que vem tentando desmontar e desqualificar a ciência onde ela não é dúctil, não tem poder para desqualificar a epistemologia da ação. Ela continua sendo mero direito subjetivo de pedir, e direito não é ordinário nem condenatório (mas que saco isso), direito aí é direito "subjetivo" e fim (basta estudar o que é direito subjetivo, aquela onda da facultas agendi etc.). Aí o outro berra do fundo, mas na vara tal tem plaquinha na porta: ações ordinárias. Ué, a falta de estudo pega qualquer um, em qualquer lugar. Que "ação ordinária" é erro é, mas se acham lindo usar essa tralha baixa do espírito humano das trevas, que se danem. E assumam o erro, claro. O inferno é que o sujeito sem noção de nada olha isso e crê, como se crê em assombração, quem crê. O cara fica tomado e detonado. Só falta liberar o dízimo processual.
E assim o mundo vai. Com essas delícias oriundas do desconhecimento. Para fazer uma inicial sempre disse que o cara precisa olhar o 13, o 258, o 267, cumprir o 282, olhar o 295 e o 301, no mínimo. Fazendo o papel de advogado do Diabo nesses artigos do CPC ele evitará, surpresas. Claro que tem juiz implicante que manda emendar se não gostar do estilo conciso, por exemplo, mas também tem muito advogado importante com carrão bonitão que não sabe manejar corretamente a inicial e derrapa. Se passasse no teste do bafômetro cognitivo seria proibido de dirigir uma inicial.
O tema da petição inicial é bobinho, mas gera muita audiência. Tem professores que passam todo o semestre “trabalhando” com a turma a tal da inicial. Pai do céu e do mar. São adorados. Ensinam que a inicial é um mistério, uma dificuldade seríssima e que todo cuidado é pouco. Pode ter um fundo de verdade, mas só um fundinho. Cumpriu o que exige a lei, havendo direito material a garantir, a vitória “deverá” vir. Bem, esse negócio de vitória é uma esquizofrenia porque a maldita da lógica admite tergiversação. Mas vitória em ação judicial é onda pra outra praia, podendo envolver conhecimento técnico, direito positivo, traumas e psicanálises as mais profundas e tarádicas. Volto a isso ainda. Beijos gerais. Jean Menezes de Aguiar.
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