[Crítica. Preconceito. Crítica terrorista. Comportamento crítico.]
Se a crítica por pior que possa "parecer" a alguém, possuir alguma estrutura lógica de verdade histórica ou factual, deve ser exercida, há ganho, não há perda. O ser apolítico (e imbecil) tão bem teorizado pelo poeta e dramaturgo Bertold Brecht equivale ao idiota que tenta, preconceituosamente, difundir a ideia de que não trabalha com crítica, não critica ninguém e nenhuma estrutura. Há variâncias aí, porque a crítica será palatável para uns desde que coincida com seus valores. Uma vez não ratificável com seu menu de valores virá a metacrítica, uma que visará a desconstruir a crítica originária impondo-se-lhe algo de desestruturada, ilógica, incabível ou incorreta. O problema é que a disjunção no valor não retira da crítica o seu substrato de validade, se ela se vir bem estruturada. Assim, uma primeira ordem de análise a se fazer sobre a crítica é saber se ela é está de acordo ou não com a própria pauta de valores de cada um. Se estiver conteste, coincide com o que se acha, pensa e se quer. Se for contrária ao que se pensa, há que se analisar se a produção (fabricação) dela é estrutural ou metodologicamente prestável. Se o for, pode-se discordar dela perfeitamente em termos de conteúdo, objeto e finalidade, mas parafraseando o título da obra do sociólogo Niklas Luhman, Legitimation durch Verfahren (legitimação pelo procedimento) o procedimento por si só poderá ser um primeiro indício de que a crítica não é desprezável.
Um segundo fator importante na crítica é o tônus ou a tipologia léxica utilizada. Palavras que também não “pertençam” ordinariamente ao vocabulário do leitor, como o palavrão, por exemplo, não devem servir como uma rolha para vedar a crítica, transformando-a em tabu e fazendo com que não se queira mais conhecer a inteireza do texto crítico. Se o palavrão, apenas um exemplo, assusta aos assustáveis a ponto de disparar o preconceito, é este agente assustável que precisa amadurecer e trabalhar isso em sua cabeça para ouvir ou ler o palavrão sem se envergonhar, esse sentimento tão bonitinho e mais comum nos adolescentes. Isso não quer dizer que ele vá se “contaminar” e sair falando palavrão por aí (ele pode se "controlar" e viver "boa" vida sem um palavrãozinho sequer). Não achar graça no uso do palavrão é um direito, mas viver um bloqueio ou uma trava mental preconceituosa a um texto crítico que utiliza o palavrão como ligação de ideias ou panfletarização de um objeto (este uso é muito interessante) já será quase que uma patologia mental.
Uma das formas de terrorismo sem bomba é a crítica dolosamente aguçada, em tom acima da realidade, em que estruturas são utilizadas de forma a piorar intencionalmente a visão do objeto, em autêntica deformidade ou busca dela. Aí abre-se duas possibilidades. A primeira é a de que há mentira e a finalidade é um convencimento defeituoso mesmo, o típico terrorismo pelo conhecimento ou informação errados. A segunda é o recurso da crítica pelo exagero, este poderá ser um terrorismo bom, se utilizada a crítica sobre um princípio, e não sobre o objeto em si. Assim, se um determinado Estado é useiro e vezeiro em ter gestores públicos semanalmente envolvidos com corrupção, não seria de toda despicienda uma crítica genérica contra todos os gestores do Estado, ainda que não se operando a reserva da exceção metodológica de que “deve” haver alguém de bem ali. Neste exemplo, se se concluir que a estrutura estatal é feita para propiciar a delinquência de seus gestores, ainda que com aparatos meramente formais de polícia, corregedoria, justiça etc., não será de toda errada a crítica generalizada, sabendo-se que o agente elaborador da crítica quer, precisamente, este exagero e essa dimensão generalista sobre toda a estrutura de modo uniforme, no sentido de que não deve haver ninguém honesto ali. Nesta crítica assim os tais bonzinhos pagarão, sim, efetivamente, pelos pecadores, até porque, no caso, podem estar fazendo vista grossa.
O comportamento crítico é uma volição psicológica, um traço de personalidade. Há quem tema a crítica, há quem gargalhe dela. Há quem a ache destrutiva em todos os sentidos - o chamado mundo corporativo proativo, propositivo e invariavelmente estimulante ou domesticadamente eficaz, este mesmo que só lê livros de autoajuda financeira e historinhas de “gestão”, costuma receber pessimamente a crítica-. Já a filosofia, aquela que H. L. Mencken afirma ser a responsável por filósofos tristes – diz o autor que todo filósofo é assim -, bebe e se rejuvenesce da crítica, a mais visceral e profunda possível.
Respeita-se quem não gosta da crítica. Pelo lado pessoal de cada um, basta que quem não aprecie os textos críticos carimbe prontamente, ou preconcebidamente, o autor como maldito, perverso, inapropriado, demoníaco ou filho da puta mesmo (olha o palavrão aí) e, naturalmente, não leia os textos. O livro dos insultos, de Mencken, citado, deve ser um horror para seres obedientes, domesticados, proativos, engajados, modais, propositivos, esperançosos, sonhadores primários e outros por aí. Já para intelectuais, cientistas, pensadores, críticos, sonhadores secundários, apaixonantes, gargalhativos e faladores de palavrão, será uma delícia. É claro que nas comparações aí há juízos de valor, mas o contexto geral da amálgama une traços de um lado e une, no seu contrário, do outro.
Assim é a crítica e assim são algumas pessoas. De minha parte prefiro os malditos aos obedientes. Será frutífero saber o que a filosofia acha dos "obedientes". Mas isso aí é gosto e gosto não se discute, lamenta-se. Sinta-se livre para lamentar completamente o meu. Jean Menezes de Aguiar
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