quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Relação duradoura - é possível

Bauman e Janina, lindos.

 Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS em 13.9.12

                Por que casais se aturam? Por que não se separam? O que leva duas pessoas a viverem juntas mesmo sem condições “ideais”? As implicações são de ordem vária. Advogados que trabalham com família, dando consultoria técnica e profissional a casais conhecem idas e vindas de uma vida a dois. Tanto conselhos prévios valem e evitam confrontos sérios, como bons remendos e curativos na relação podem ter um efeito maravilhoso. A consultoria familiar deve contar com experiência de vida; observação; sensibilidade, inteligência e bom lastro em Negociação, cuja literatura especializada é vasta. Negociar visa, por um lado, a evitar conflitos, e por outro, a obter soluções para situações difíceis, ou mesmo conflitos já estabelecidos.

                Duas situações são importantes, aceitando até elaboração de gráficos. Uma, a que estuda como se dá a saturação da relação a dois, como a relação se satura, adoece e pode até morrer. A outra é como e quando o casal entra no tempo de se aturar; como se dá a aturação mútua do casal.

                Primeiramente, tanto é certo que relações saturam, considerada a ultrapassagem de uma fase “inicial” de novidade, paixão, amor, encanto ou que nome se dê; como é certo que casais, a partir de um determinado momento, também passam a se aturar. Não se deve ver aí apenas um juízo de valor negativo. Como se quer aqui, a saturação e a aturação podem ser vistas como uma acomodação boa, razoavelmente natural da vida a dois, que a maturidade saberá aconchegar.

                Depois, o momento ao qual uma relação satura e o momento ao qual o casal passa a se aturar, podem ser totalmente distintos. Momentos são termos temporais, inícios de fases. Em Direito processual, por exemplo, chamar-se-á momento de “termo inicial”, o relativo ao início de um prazo. Está-se falando aí, indubitavelmente, do fator tempo. A literatura especializada em Negociação ensina que três são os seus fatores básicos: informação, poder e tempo. Na investigação de saturação de uma relação e aturação das partes envolvidas, parece não haver dúvida que o tempo é o grande fator. O responsável por corrosões, cansaços, mudanças de atitude e novas visões. Mas também é o tempo o responsável pela aquisição da maturidade, um recheio que altera a visão de mundo de cada agente envolvido.

                Entretanto, ainda que se tenha certeza que o tempo age, em todas as relações, não se pode criar uma ideia precisa de quanto tempo é necessário para que os fenômenos da saturação e da aturação comecem a se fazer presente. Tipos de educação, cultura, hábitos, sociedade, problemas enfrentados no passado, conflitos resolvidos ou abafados, histórico da relação, são, todos eles, elementos essencialmente abertos e difíceis de quantificar, precisar. Terão que ser analisados com responsabilidade e destreza pelo consultor para compor com segurança um retrato da situação.

                Muitas vezes é simplesmente inacessível aos próprios envolvidos chegarem a um retrato correto da situação. As emoções, as reações, os desejos, as ideias de conserto, os manejos e tratamento dos problemas, tudo está envolvido em sua análise que, então, se verá bastante parcial e comprometida. Há quem, mesmo vivendo a crise, consegue mapear a situação com isenção e equilíbrio, mas não é a regra. Pessoas que têm orgulho de se dizer emocionais, passionais, densas e intensas mesmo na resolução de um problema devem concluir que jamais são as indicadas para compreender com equilíbrio, um conflito.

                Há quem diga que a relação a dois passa por um “teste” que seria a “crise dos 7 anos”. Nos Estados Unidos há até uma expressão para essa “coceirinha” dos 7 anos: seven year itch. Estudos americanos tentaram mapear quanto dura o amor ou o que se possa conceber que ele seja.  A Universidade de Wisconsin após ouvir mais de 10 mil famílias bateu o martelo em 3 anos. Mas há que se levar em conta o imenso e desesperado consumismo americano, este que muitos brasileiros tentam imitar a todo custo em algumas cidades grandes.

                Aceitar que a saturação de uma relação se dê em 3 ou 7 anos é negar a possibilidade do amor em todo seu poder de sonhar. Mesmo considerando-se conservadora a ideia da relação “eterna”, este sonho é real e possível. A jornalista jovenzinha perguntou ao doce sociólogo polonês Zygmunt Bauman “como” ele estava casado há quase 70 anos com a mesma mulher. Ele sorriu pacientemente e disse que a geração dela não deveria saber a beleza que é isso. A mocinha podia dormir sem essa resposta. É claro que Bauman e sua mulher constroem essa convivência apoiados na sabedoria, um fator raro.

                A sabedoria, quando cultivada a dois, talvez faça a aturação entre um casal ficar mais doce, menos danosa e tornar a vida muito mais bela. Não se trata apenas de dizer que na velhice “não se separa mais”. Essa seria uma aturação mais ou menos normal. Mas há a aturação ainda jovem, dos planos e sonhos, passeios e companhia ativa e, claro, momentos sexuais poderosos. A sabedoria pode estar em se viver plenamente, sem clichês, sem modismos, mas com amizade intensa e lúcida, cumplicidade e vontade de viver um amor. Talvez a mágica da vontade de viver um amor, mesmo que sem o romantismo do cinema de olhar o luar, mas amor em seu conceito mais aberto e grandioso, seja o grande óleo essencial para uma relação a dois.

                Casais inteligentes criarão em cumplicidade essa vontade mágica. Pegarão a saturação e a aturação e as reinventarão. Discutirão lucidamente como podem ser amigos amorosos por toda a vida, hora com mais amor, hora com mais amizade. Verão que não podem jogar tudo fora, seria burrice, e a partir exatamente dessa visão, construirão uma nova relação saudável, ou seja: inteligente. Esta é a palavra. É claro que aí se imagina uma relação onde não haja ódio, e um mínimo de inteligência consiga “organizar” os problemas. Os fenômenos saturação e aturação podem não ser o fim de tudo. De novo, casais inteligentes terão esses fenômenos conscientes e a beleza da relação poderá estar nessa consciência e em como eles lidarão com as dificuldades. A inteligência salva.

                Não há aqui uma ode boba à relação eterna, de forma ditatorial e burra, no sentido que se tenha que “aguentar tudo”. Mas veem-se relações serem destruídas por questões pequenas, menores e por falta de um canal de inteligência e lógica; lucidez e destreza. Mas sobretudo a rainha de tudo: a teimosia.

                O consumismo nas relações; o “ficar”; a utopia da perfeição; a busca do prazer autoritariamente constante e outras mazelas urbanoides têm feito pessoas menos humildes, menos observadoras, menos cuidadosas, menos amigas, menos éticas e, óbvio, menos inteligentes. Experimente, de vez em quando, viver a emoção, solitária que seja, em algum momento só seu, de querer sentir alegria por ter o seu companheiro com você. Aí pode estar o remédio para que desgastes naturais da relação se tornem muito mais fáceis. Baumam, o grande professor, deve fazer isso há décadas. Jean Menezes de Aguiar  


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