sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O preconceituoso, o autoritário e o formalista


 

O preconceito envolve o objeto e o olhar. É sobre o objeto que o olhar repousa. Se o objeto é doente e a leitura revela a doença, não há preconceito, mas relação simétrica da leitura que apenas acompanha, conhece e identifica uma doença existente. Mas se o objeto é são e a leitura continua doente pode ter havido preconceito, como pode ter havido apenas um equívoco. Objetos sãos podem disparar equívocos e preconceitos. Haverá equívocos quando a produção da leitura se dê em deformação, oriunda da 1) falta de conhecimento - a ignorância -; ou 2) truculência na análise - a imbecilidade-. Já o preconceito poderá ser 1) desejado e consciente - quando se nutre e se mantém a leitura preconceituosa sobre um objeto-; bem como 2) imperceptível para o próprio agente - quando a leitura é fruto de uma má formação cultural, educacional, social etc.

Nalguns casos o preconceito chega a consubstanciar uma crença, uma ideologia ou um corpo homogêneo e sistêmico de visão de mundo do agente que comporá feições potencialmente genéricas sobre a própria personalidade como 1) conservador ou retrógrado; 2) machista; 3) radical; 4) autoritário; 5) formalista e outras. É interessante que cada uma dessas visões representam gêneros abertos de traços personalísticos que recepcionam subgêneros, espécies e subespécies de preconceitos. Assim, por exemplo, o gênero conservador deverá primar, na esfera familiar pelo casamento virgem da filha; na política por um modelo autoritário de direita ou contrário a direitos humanos; nas artes, um padrão que coíba o que possa ser classificado por indecente, imoral, mundano, como se a arte fosse contível.

A análise exauriente afasta tanto o radicalismo quanto o preconceito. Ela não se compraz apenas com o pictórico, o superficial ou o aparente. A busca pela ilimitude do aprofundamento na identificação de o que possa ser o objeto é uma garantia metodológica de que o agente não lida nem com o radicalismo - uma forma de parar a análise somente no ponto da leitura doente por agravamento que se quer, mas sem exauriência -, nem com o preconceito - uma forma de não permitir o aprofundamento na leitura, mantendo-a superficial, quando se atinge um atalho cognitivo para se pular a uma ilha conceitual que abrevia o sentido da coisa, exatamente aí o preconceito.

O avesso do preconceito não é a permissividade, a anarquia, a desordem ou a deficiência na análise. Não garante não ser preconceito quem acha que tudo pode e de qualquer jeito; que uma visão anárquica esgarçada da autoridade é a correta; que a ausência de uma ordem sistêmica é a garantidora da liberdade de pensar; e que a análise ametódica é a correta. O não preconceito não tem que ver com insuficiência de forma, de análise, de método e de quantidade de cultura (padrões sociais) que saiba separar o certo do errado, o bom do mau, ainda que isso possa ser bastante relativo. Em condições e padrões sociais considerados normais, ninguém aceitará valores como incesto, pena de morte, pedofilia, abortamento a partir do 3º mês de gravidez e outros núcleos duros aceitos por uma grande maioria lúcida da sociedade ocidental e evoluída. Assim, será totalmente falaciosa, por exemplo, a pecha de preconceituoso a quem defender a proibição da pedofilia ou do incesto. Elas têm que continuar proibidas. Há núcleos certos e errados, e a defesa do certo e condenação do errado não têm nada que ver com preconceito. Anular essas fronteiras nem é liberdade, nem modernidade, nem garantia de não preconceito, apenas afetação a um sistema cultural que se quer não afetável. Como a pecha do preconceito é perigosa e pode gerar um tumor autóctone na personalidade, uma imanência viral que pode acompanhar o agente, será uma baixa esperteza apontar alguém como preconceituoso quando ele efetivamente não seja. Ao mesmo tempo que a falácia desse método será facilmente percebida.

O preconceito é invariavelmente autoritário, além do que um formalista, porquanto não adepto da análise exauriente. Tanto o agente autoritário deverá ser um preconceituoso e formalista; como um preconceituoso deverá ser um autoritário e formalista; quanto um formalista deverá ser um preconceituoso e autoritário. O fluxo de forças nessa tríade - preconceituoso, autoritário e formalista - parece ser bastante nítido e intenso.

O preconceituoso nega a exauriência geradora do deslumbramento. O autoritário constroi sua própria ilha que não o liga ao continente. O formalista nega o método libertador e nitidamente empaca. Nos 3 casos há estanqueização forçada de um melhor tônus cognoscitivo. Se o preconceituoso baba preconceito, o autoritário e o formalista suam, o que dá no mesmo. Os três requerem cuidados especiais no trato social, no manejo diário, na simples convivência. São pessoas perigosas e difíceis. Invariavelmente escondem invejas e mediocridades bastante nítidas. Muitas vezes maquilam suas perversidades e problemas com fundamentalismos religiosos e outros disfarces de invocação com o sobrenatural para invocar uma bondade cristã totalmente mentirosa ao observador atento. O preconceituoso, o autoritário e o formalista só são confiáveis até o ponto em que suas ideias possam não ser confrontadas, discutidas ou afastadas. É por isso que intelectuais, cientistas e pensadores famosos optam por não entrar em embates públicos com essa gente. A honestidade não é a tônica ou o manejo das conversas, mas um ponto escondido preconcebido que será revelado, como um xeque mate, em qualquer esquina do diálogo. Um xeque mate imbecil, sabe-se, mas para o energúmeno inventar uma imbecilidade assim deve ser algo genial. É uma gente a se manter sob vigilância eterna, ou longe. E esse cuidado à saúde mental não tem nada que ver com preconceito. Jean Menezes de Aguiar.

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