quarta-feira, 6 de junho de 2012

Os honorários


[Inveja. Honorários. Marcio Thomaz Bastos. Advocacia criminal]

                A inveja é dos temas mais interessantes numa filosofia primária. Um conceito barato seria que a inveja representa a pedestalização do outro, no sentido de se ver o outro num pedestal, num plano incomodamente acima. Quem inveja alguém, em muitos casos, gostaria de ser esse alguém, claro que matando-o seria melhor, assim pensará o invejoso. A pedestalização é tão primária e filosoficamente perceptível que qualquer um compreende rápido. A inveja é uma projeção de incômodo com o outro. O outro cresce e isso incomoda a quem é assim.

                Talvez tenha que ver com “complexo de inferioridade”, na psicanálise. Mas Freud (Dicionário, verbete inferioridade) ensina que o conceito é escassamente usado na área psi, ao mesmo tempo que adverte que esse fato não é algo que se deva considerar “como simples, quanto mais, elementar”. Inferioridades são famintas, figadais, calculistas e, por isso tudo, operosas. Desprezá-las às vezes é um erro que a história mostrou.

                No mundo jurídico percebem-se deliciosas hierarquias pseudo-secretas, às vezes suaves e sutis como a “ordem decrescente” que se vê em cartazes de cínicos e só lucrativos “simpósios” de direito: juiz, promotor e advogado. Às vezes, a grosseria espuma e despudora: desembargadores, juízes, promotores, defensores, delegados, serventuários, auxiliares, oficiais de justiça, advogados e estudantes. A taxonomia para esses bichos, nós - a biologia é tão democrática-, usada de forma farisaica não consegue abrir as portas à “dignidade do escândalo”, expressão de Emil Cioran. Ela não consegue pôr o advogado por último (mas que vontade!). Precisa mostrar que ainda há alguém abaixo dele. Mesmo que seja um estudante. No último há uma degradação, mas no penúltimo, há outra, talvez melhor. De toda sorte, esse filosofar já transcendeu os autores de cartazes de “simpósios”.

                As hierarquias geram expectativas. Como um mero advogado pode ganhar milhão? Soltem os cães! Aticem os procuradores! Para explicar essa funcionalidade, ninguém menos que Joaquim Falcão, o intelectual que dirige a FGV. Na obra Poder econômico, p. 57, num colóquio cheio de “autoridades”, comentando que todo mundo baixa música pirata, diz Joaquim: “Não vou perguntar para os senhores, porque aqui há pessoas ilustres que talvez não queiram se denunciar, mas todos os senhores são também, provavelmente ilegais. Quer dizer, ninguém resiste a um procurador ensandecido.” Poético.

                Certas verdades são assim, há que serem pegadas por empréstimo. Aí têm mais efeito. “Quanto” seria de honorários que o grande Marcio Thomaz Bastos não teria “chateação”, ou será publicidade gratuita?  100 mil? 500 mil? 1 milhão? Quanto seria que os incomodados não se incomodariam? O problema não é a existência de honorários, mas o quantum. Talvez hoje, no país, a grife advocatícia mais “cara” seja, efetivamente a de MTB. Primeiro porque um dos insuperáveis em experiência advocatícia de mais de meio século; MTB não é um qualquer que se aposentou e “virou” advogado, com cabeça retrógrada de autoridade. A velha advocacia é outra pipa. Segundo, por ter tido uma passagenzinha como ministro da Justiça que lhe pôs na crista da onda.

                Mas do mesmo jeito que há os “ofendíveis” (veja o texto "Ofendíveis"), há os “incomodáveis”. E é claro que o casal lascivo de plantão “ética & moral” será erguido, como o efeito de um Viagra da honestidade mental para justificar tudo. Na época da ditadura os cínicos diziam que “as instituições estão sendo ameaçadas”. Agora na época do formalismo-corporativo invoca-se a balela da ética e da moral. A espuma do conservadorismo é conhecida. Milhares de advogados no país defendem bandidos, mas MTB cobrar 15 milhões, só aí é que há problema.

                Nunca se perguntou a advogados criminais a fonte material, a origem do dinheiro de seus clientes. Se os clientes de advogados criminais não têm carteira assinada, uma presunção natural, pode-se presumir que a fonte não seja lícita. Se isso é imoral, a Receita Federal do Brasil e todas as Receitas estaduais e municipais também o são. Para o “fato gerador” do imposto e taxa, por exemplo, nunca se quis e continua não se querendo saber de onde saiu o dinheiro. O bandido que compra um imóvel paga imposto e, numa hipótese absurda, se declarar renda, o fisco aceitará a sua beirada de muito bom grado.

                O problema agora foi terem “anunciado” a quantia de honorários. Imagine-se que o tal cliente aí tivesse juntado, por exemplo, 1 bilhão de reais durante a vida. Aí, nos últimos 3 anos inventa essa “parceria” com políticos contrários aos interesses da polícia que se zanga e grava tudo. Imagine-se também que a dívida de desonestidade do tal cliente fosse de “apenas” 50 milhões. É claro que estamos diante de dois “imagine-se”. O que os “incomodados” estão fazendo? Partindo duma “premissa” (!) que honorários advocatícios constituem objeto de crime, mesmo que tivessem saído da parte lícita, imagine-se 3, do dinheiro do cliente.

                A lei 9613, art. 1º, par. 1º, inciso II, utilizada na suposição contra MTB diz que incorre na mesma pena quem, “para ocultar ou dissimular a utilização de bens...” Repare: “para”. Há uma finalidade aí que precisa estar configurada. Honorários profissionais não podem admitir a presunção inicial de que são utilizados “para ocultar” nada. Isso é um absurdo e sempre foi. Ou então se acha que MTB não teria “cacife” para cobrar 15 milhões? É claro que Cachoeira quis uma grife, a maior delas do momento e, para isso, tem que pagar sim e muito bem.

                Essa discussão entre advogado e cliente do crime é velha de guerra. Velha e malandra. Ou a Defesa é uma instituição universal que representa um dos pilares da democracia ou se quer um Estado Policial, retrógrado e juridicamente violento. Qualquer pessoa pode cometer crime, advogado, juiz, promotor, médico etc. Mas suposições “fáceis”, ligadas a uma ética e a uma moral de plantão compostas para explicar um furor inquisitorial que de quebra tenta manchar o nome de um profissional com mais de 50 anos de profissão devem ser melhor cuidadas. Realmente, a questão transcende a esfera jurídica e infelizmente Freud não está mais entre os vivos para explicar, mas o cheiro não é bom. Jean Menezes de Aguiar.

Um comentário:

  1. pecunia non olet.Vespasiano na Antiga Roma, estabeleceu a taxa para utilização de mictórios públicos.Tito, perguntou-lhe se aquilo não era ilícito.Vespasiano mandou então que ele cheirasse 2 moedas e dissesse qual delas fora arrecadada pelo "imposto do xixi". Diante da impossibilidade, Vespasiano disse a famosa frase que mal traduzida pode significar: dinheiro não fede

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