quinta-feira, 7 de junho de 2012

Jesus na História: existiu mesmo?

 O maravilhoso Cristo Redentor da linda Cidade Maravilhosa.


[História. Metodologia científica. Fundamentalismo religioso. Jesus versus o chamado "Cristo da Fé"]

Obs. O texto não se baseia em "fé" e, informa-se respeitosamente, não são aceitos comentários cuja base seja a fé/dogma, mas a ciência, a metodologia e as lógicas que as apoiam. Atenciosamente, JMA.

1 Generalidades

Parece faltar isenção e objetividade em muitos que tentam discutir a hipótese ou o questionamento de Jesus Cristo ter mesmo existido ou não. Já o questionamento em si afugenta e assusta os que não conseguem debater com objetividade. De plano, há que se saber que a História com seus estudiosos do setor ligados a uma busca científica trabalha do seguinte modo: Jesus é objeto de investigação, e não uma verdade acabada e inquestionável, como “pregam” as narrativas bíblicas e como “querem” os que creem. Para a História as narrativas bíblicas inclusive parecem ter uma força muito reduzida, relativamente ao questionamento. O conceito de “sagrado” para o historiador, por exemplo, é muito diferente do mesmo conceito para o antropólogo. O historiador busca por “documentos” e as ditas narrativas veem-se bastante comprometidas em termos de credibilidade quanto a ser, no questionamento, um documento histórico. Três pontos de ordem metodológica são necessários: um sobre isenção e objetividade; outro sobre o conceito de ônus da prova; e o último sobre a sabida intangibilidade de um texto por mais lógico, exato e demonstrativo que seja fazer um fundamentalista religioso mudar de ideia; não muda. Este terceiro ponto busca, francamente, demonstrar a incompossibilidade de um diálogo de cunho científico, cujo norte são a metodologia, a objetividade e a lógica que as embasa, com qualquer fundamentalista religioso cujo ferramental “metodológico” para o referido diálogo fosse a fé e a vontade inabalável de crer, mesmo diante de qualquer argumento razoavelmente irrefutável.

2 Isenção e objetividade

Isenção e objetividade absolutas são um sonho, se sabe muito bem e gritaria Paul Feyerabend. Mas alguma isenção e uma boa dose de objetividade para se conseguir produzir algo prestável, em qualquer questão, é uma exigência mínima para um texto que se queira razoável. Assim, duas posições extremadas são de cara afastadas: os crentes fundamentalistas de qualquer espécie e os ateus convictos. Devem ser afastadas essas posições porque elas e suas “ferramentas” estão metodologicamente “contaminadas”. As narrativas bíblicas, ensinam os historiadores, não são um documento válido em termos históricos, como, por exemplo, o Código de Hamurabi, a Magna Carta inglesa ou o AI-5 brasileiro. Ela não trabalha com um “relato documental”, mas com uma “pregação”. Esse “método” é até válido para quem busca doutrinação, mas perde muita validade para a pesquisa histórica que diga respeito à questão da existência ou não de Jesus. Onde há pregação, doutrinação e dogma expressos não há fidedignidade, confiabilidade histórica, isso é absoluto e inquestionável.

3 Ônus da prova

Em segundo, a questão da prova, o ato de se provar algo. Jamais se busca provar sobre a negativa, a inexistência de qualquer coisa, isso simplesmente não existe. Toda e qualquer prova se dá sobre a existências, nunca sobre a inexistência de algo. No estudo lógico do ônus da prova se alguém quer dizer que algo não perceptivelmente sensorial, visível existe, é esse alguém que deve fazer a prova da existência. Não pode ele pretender que o negador prove a inexistência. Por isso é totalmente falacioso o desafio vulgar e primário que certos fundamentalistas fazem: prove que deus não existe! Ora, não pode haver prova de negativas.

4 A insuficiência da inteligência para mudar um espírito obscurantista

O mesmo Paul Feyerabend (Adeus à razão), o grande detrator da ciência, que dispara que “o Iluminismo é um slogan, não uma realidade”, afrontando uma visão histórica bastante sedimentada, num esgarçamento totalitário de sua tese infinitizante sobre o tudo relativizado, e aceitável, em outra obra (A ciência em uma sociedade livre) dispara: “Uma regra importante de argumentaçao é que um argumento não revela as ‘verdadeiras crenças’ de seu autor. Um argumento não é uma confissão é um instrumento destinado a fazer o oponente mudar de ideia.” Primeiro, no uso aqui dos termos “obscurantismo” ou “fundamentalismo religioso” não se “reclama” de sua ultrapassabilidade histórica pelo Iluminismo: o Iluminismo não teve a força material de destruir o obscurantismo que vive no presente como um neo-obscurantismo até mais paradoxal, porque numa época de novas luzes a expectativa seria de um menor grau de obscurantismo, e isso parece não cessar, ao contrário, crescer. Efetivamente não cresce, apenas não acompanha a rapidez do conhecimento e por isso parece aumentar no mesmo ritmo. Mas de qualquer sorte continua sendo impressionante. Segundo, o texto não dialoga e não quer dialogar com o fundamentalista religioso, daí o aqui argumento histórico e nitidamente metodológico não se lhe prestar para nada. Do mesmo jeito que não se conversa com uma porta cujo movimento depende do vento ou da mão, não se conversa com o fundamentalista, cujo ato de pensar é obnubilado pela fé, banda epistemológica imprestável para um diálogo objetivo.

Esta terceira questão - a insuficiência da inteligência para mudar um espírito obscurantista -, de ordem organizatório-metodológica é interessante. Não há lógica, demonstração, inteligência, equação, argumento ou mostra científica que faça um fundamentalista religioso deixar de crer. Não deixa. Há relatos de pessoas que dizem que se estivessem diante de uma prova cabal, mesmo assim continuariam crendo, porque querem crer. Isso falicita, sobremaneira, a discussão, porque para este fundamentalista, pouco importa a ideia correta da existência ou não de Jesus. Ele quer crer, sente-se bem assim, é um direito seu. É como a criança que é feliz crendo no emocionante conto de Papai Noel. A conversa com uma pessoa assim é muito mais fácil porque se sabe, de antemão que ela não mudará de opinião. Talvez o recomendável para um objetivista seja nunca iniciar uma conversa dessas - sua objetividade e lógica, nem a de nenhuma demonstração, jamais farão o fundamentalista mudar de ideia-. Será, isso sim, esse objetivista um tolo se pensar que a demonstração inteligencial pode tudo. Não pode e a prova viva está aí, com o fundamentalista religioso.

5. Desenvolvimento

Alguns questionamentos são muito alvissareiros para pesquisadores sérios e objetivos. Por que o nome de Jesus não aparece em nenhum documento extrabíblico? Filósofos e personalidades da Antiguidade são referidos em vários textos oficiais, de Governos, ou extraoficiais. Mas o nome de Jesus não aparece em lugar nenhum. Seria um “complô” histórico, espiritual ou do destino para que só pudesse aparecer seu nome nas narrativas bíblicas? Totalmente descartável essa hipótese, e estranha quando se considera a questão de Jesus ter existido. Historiadores revelam que mesmo documentos recentes à época de Jesus citam diversos nomes, mas nunca o de Jesus. É citado o nome de Jesus numa obra de Flávio Josefo, havendo quem considere a citação falsa, e em dois historiadores romanos: Tácito e Suetônio (O livro das religiões). Por outro lado, não é porque o nome de alguém não é citado que esse alguém não existiu. O pasmo é porque Jesus passou a ser uma figura muito famosa e mesmo assim não aparecer em praticamente nenhum texto, nenhum documento.

Paralelamente, os 4 evangelistas, totalmente desconhecidos, nenhum deles conheceu Jesus, conforme estudiosos, o que tornam as narrativas bíblicas um texto de reduzida confiabilidade histórica, sem se falar que inúmeras propostas de Bíblia houve, aceitando a Igreja apenas uma, e recusando outras várias. Até a imagem de Jesus feita por um alemão é apontada por profissionais como eurocêntrica (claro, louro de olhos azuis), quando se sabe que ele deveria viver no sol e ter a pele queimada.

Ainda, a História não discute o chamado “Cristo da fé”, este é uma realidade para milhões de pessoas. Mas o problema é casá-lo a Jesus. Na excelente obra O livro das religiões, de Victor Hellern, Henry Notaker e Jostein Gaarder, p. 153 e 154, nos capítulos Quem foi Jesus? e O Jesus da história, são apresentadas questões interessantes e objetivas. É indagado se Jesus foi um missionário religioso ou um homem pio que queria ensinar a seus companheiros como viver? Ali também se vê que as narrativas bíblicas se assentam sobre a fé na ressurreição do Filho de Deus, a pedra fundamental do cristianismo. Mas conclui que Jesus existiu efetivamente e não foi um personagem de ficção. A conclusão do capítulo é bastante interessante:

É fundamental manter a distinção entre os evangelhos e a ciência histórica. Os historiadores, empregando métodos científicos, podem dizer que Jesus foi provavelmente um homem que insistia em ser investido de autoridade divina, e que mais tarde houve um grupo de pessoas que acreditaram que ele ressuscitou. Os evangelhos e a Igreja, por sua vez, proclamam que Jesus de fato tinha autoridade divina e que de fato ressuscitou. Ninguém pode justificar a fé cristã ou qualquer que se seja por meios científicos, nem refutá-la com base nesses métodos.

Parece que a maioria dos historiadores não nega a existência de Jesus na História, nem discute a fé, totalmente legítima enquanto sentimento pessoal. Outra questão será Jesus como Cristo da Fé, também válido, repita-se, para crentes no segmento, mas efetivamente desconstituído pela História enquanto o elemento central do cristianismo. Dentro da História talvez o estudo de Jesus seja o mais interessante dado ao paradoxo de sua importância, pela fé, para muitos, confrontada com uma inexistência tão radical de referências históricas extrabíblicas. Que numa análise serena e objetiva essa ausência de referência em documentos históricos de Jesus inquieta qualquer pesquisador é um fato que jamais pode ser menosprezado numa investigação que se queira minimamente séria.


6. Conclusões

                       
                        Nenhum questionamento pode ser solapado para a ciência. Não há áreas proibidas em tabu. Qualquer tentativa de blindar uma discussão apenas demonstra um obscurantismo crasso ou medo para com a verdade.

                        Em textos aos quais sentimentalismos, desejos, ideologias, fés, crenças e quaisquer fatores que possam ser utilizados radicalizadamente, a grande preocupação para o pesquisador será com uma declarada e objetiva metodologização do tema, buscando sempre uma maior objetividade.

                        A fé religiosa é um direito comum e indiscutível de qualquer pessoa, ainda que ela em si (a fé) não seja sagrada, tão-somente porque o objeto de crença - este sim-, para o crente, seja sagrado. Não há que se confundir. Usa-se a fé (não religiosa) para futebol, ideologia política e para o que se quiser. Fé é crença e não apenas a religião demanda crença. Para pessoas adultas, livres e dotadas de inteligência normal, a fé é uma opção, não há uma força irresistível, invisível, uma dependência química, orgânica, física ou mental que obrigue alguém a ter fé. Não há relatos psiquiátricos de gente querendo se “curar” da fé, daí ser ela uma opção. Conquanto opção individual, a fé é totalmente válida.

                        A fé admite divisões. Uma é a fé a que se crê numa conduta íntima e privada de cada um. Outra será a fé panfletária, anunciada para o outro, tentando converter e atrair. Nesta entra o subproduto da fé enquanto negócio comercial, nitidamente pervertida e propiciadora de vida rica para poucos.

                        A Bíblia enquanto texto de pregação e crença se mostra um dos “livros sagrados” (são 8, Wikipédia) mais poderosos e eficientes, mas não é considerado por historiadores um documento histórico confiável exatamente porque utiliza o viés da convicção e do dogmatismo, além de ter sido “escolhida” pela Igreja em uma versão de tantas outras existentes.

                        A razão, a inteligência, a demonstração e o dado objetivo funcionalmente na ciência, com a lógica que os guarnece são totalmente insuficientes para vencer a fé fundamentalista. Será mera perda de tempo um diálogo que queira usar a epistemologia da objetividade para convencer a um fundamentalista. Primeiro porque em regra o fundamentalista não busca um conhecimento objetivo no assunto, segundo porque ele não se vê mudando de opinião. É o que ensina o grande Gaston Bachelard (Ensaio sobre o conhecimento aproximado): “Não se acredita porque é simples, é simples porque se acredita.”

                        Dessacralizar Jesus ou qualquer deus não é, para o pesquisador, qualquer modalidade de desrespeito. A ciência e a filosofia não trabalham, relativamente a um objeto de pesquisa, com o conceito de “desrespeito”, muito menos como impeditivo da investigação.

                        Não se há pedir da ciência ou de qualquer instância de conhecimento uma tal “prova de inexistência” de quem quer ou qualquer objeto que sejam. Não se provam inexistências, só existências, isto é óbvio.
                       
                        O nome de Jesus Cristo só aparecer em 3 documentos históricos, em relação à grande importante que teve, quase que não gera prova de sua existência, mas a suspeição sobre esses documentos: por que somente 3 referências? É diante dessa  paradoxal ausência de citações críveis que historiadores edificam sua dúvida metodológica, de todo pertinente.

                        Se, em não poucos historiadores, para Jesus há a dúvida sobre sua existência em termos da História, parecendo, entretanto, que uma maioria de profissionais da área confere efetiva existência a Jesus, enquanto homem daquele tempo, outra será a investigação do chamado “Cristo da Fé”, figura que não encontra referência em documentos históricos confiáveis extrabíblicos, o que faz circunscrever a "conversa" a seus fiéis e devotos, porque baseada no dogma, na revelação e na fé, elementos estranhos para uma investigação sobre a existência de Jesus, relativamente ao cientista e ao filósofo. Jean Menezes de Aguiar.


PS. A utilização de Paul Feyerabend no texto é proposital, porque ele, mais do que qualquer outro filósofo da ciência, é o inviabilizador mor da ciência e da razão, dois "balcões" ou "tradições" (na linguagem do autor) usados o tempo todo aqui no texto; por todas com sua obra clássica Contra o método.

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