quinta-feira, 5 de abril de 2012

Verdades históricas


Os generais tapavam o rosto de vergonha, só Castello não se envergonhava.

Matéria publicada no jornal  O DIA SP em  5.3.12

                Nada como um dia após o outro para que verdades autênticas sejam reveladas. No tocante ao movimento militar de 31 de março de 1964, até hoje algumas versões e teorias bobas são contadas e insistidas, como se a sociedade não tivesse a lucidez de saber o que houve. Ou como se historiadores, intelectuais e cientistas não conseguissem ler com exatidão os fatos históricos.

                Todo ano, estranhamente, saudosos ainda comemoram uma “revolução” que simplesmente instaurou no país não uma democracia, mas, ao contrário, destruiu-a, instalando um regime ditatorial. Se João Goulart era “um primitivo, um pobre de caráter” como mostrou seu próprio ministro do Planejamento, o grande Celso Furtado, isso jamais daria direito a que se virasse a mesa. Se havia “riscos” ocultos, secretos de um patético “fantasma comunista”, também não é motivo jurídico a que se quebrasse a ordem constitucional. O fato é que a nova ordem se impôs e se legitimou, como ditadura.

                A suntuosa coleção em 5 volumes do jornalista Elio Gaspari, pela Cia. das Letras, começando com A ditadura envergonhada, sobre o Brasil, é simplesmente incontestável. O autor obteve 25 caixas de arquivo morto diretamente das mãos de Golbery do Couto e Silva (o Feiticeiro), com 5 mil documentos. De Ernesto Geisel (o Sacerdote) conseguiu 20 sessões de entrevistas gravadas, cada uma com 90 minutos. A autenticidade dos fatos e leituras desses dois que criaram a ditadura e depois se esforçaram para desmontá-la é impressionante. Gaspari conviveu por anos com os generais e as revelações são ouro puro.

1. “Direita e esquerda”. Uma primeira “verdade” a se “manter”, não propriamente a se resgatar, são os conceitos de direita e esquerda, malandramente solapado por cínicos interesseiros que dizem ter acabado a díade. Norberto Bobbio tem um livro definitivo sobre o assunto e Gaspari, na obra, utiliza a diferença organizatória (ps. 56, 86, 141, 175 etc.). Dizer que com o fim da ditadura brasileira teriam sido enterrados os conceitos é ufanismo teórico brasileiro. Direita e esquerda continuam vivíssimas, só que com o ingrediente da hipocrisia pós-moderna atual, à qual uma sociedade inculta de Bbb parece gostar de olhares vesgos e boçais.

2. “Golpe ou revolução?” Nagib Slaibi Filho, famoso constitucionalista, ensina que, na história, todo golpista vencedor vira revolucionário, e todo revolucionário perdedor vira golpista. Por muito tempo conservadores raivosos negaram ter havido um golpe de Estado em 64. Falavam em “revolução”. Mas o que diriam agora se o próprio Geisel o admitisse? Às páginas 138 do livro de Gaspari lê-se: “O que houve em 1964 não foi uma revolução”, Geisel. Também, pág. 25, uma frase muito repetida pelo mesmo Geisel: “Esse negócio de golpe é muito difícil. Vi sete, posso falar.” É óbvio que essas revelações só “servem” para teimosos, incultos e desonestos de plantão. Qualquer um minimamente inteligente sabe que 64 foi um golpe de Estado.

                (Pausa – neste momento da elaboração da matéria de hoje sou informado da morte do Advogado Fernando Mussel, de Petrópolis, RJ, ex-presidente da OAB e meu grande amigo. A morte é o grande defeito da vida. Em 1995 “brigamos” e eu publiquei um artigo no jornal intitulado A amizade, dedicado a ele. Fernando foi pai de 4 filhas lindas. Inesquecível. Apenas uma homenagem.)

3. “Vocação golpística da America do sul”. A tese de revolução, enquanto movimento popular ideológico, sempre foi completamente estranha por essas bandas, à exceção de Cuba. No Brasil foram golpes em 1930, 37, 45 e 64 (Geisel “ganhou”). Também 1955, 61 e 65 (aqui Geisel “perdeu”). E quarteladas militares ou tentativas em 1954, 68 e 69. Já na América do Sul, em 1959 eram ditaduras Nicarágua, Haiti, República Dominicana, El Salvador e Paraguai. E golpes de Estado houve no Peru (1956), Colômbia (1957), Argentina (1958) e Venezuela (1958). Com esta tradição de golpes e ditaduras militares, dizer que o que houve no Brasil em 64 teria sido uma “revolução” só reforça o anedotário.

4. “Corrupção”. Ninguém menos que um marechal, Estevão Taurino de Rezende, encarregado da “Operação Limpeza” (p. 134) para admitir que “o problema do comunismo perde expressão diante da corrupção administrativa nos últimos anos”. Ora ora, e quis-se sempre vender a ideia de que os “revolucionários” eram “honestos”. Marechal...

5. “Tortura” – Os próprios oficiais, alguns, foram torturados, como o parente remoto de Castello Branco, coronel Jefferson Cardim, e Castello nada fez (p. 195); como também admitiu noutras passagens “nunca neguei que as torturas existissem” e “Nós torturamos para não fuzilar” (p. 136). Também o general Mourão Filho admitiu “As torturas foram o molho dos inquéritos levados a efeito nos desvãos dos DOPS ou dos quartéis” (p. 142). A tortura que sempre foi negada e jurada de pés juntos, parece que finalmente acabou sendo admitida.

                Necessito que meu querido pai Eugenio leia este artigo. Defensor coerente do Golpe e da milicada sempre me ensinou o avesso dessas verdades, por crença e ausência de informações precisas. Mas para sorte da democracia hoje totalmente estabilizada a verdade pode ser discutida abertamente. Não adianta mais a atividade primária de “culpar” militares. Fizeram e pronto; que não repitam. A grande lição que deve ficar é que nenhuma virada de mesa pró-ditadura é válida. Gera violência e roubalheira, impunidade e cultura da corrupção.

                A felicidade de se viver na democracia é o que de melhor há. Passei outro dia, para uma turma de primeiro período de Direito da Fades, Dianópolis, TO, que amo, o maravilhoso filme Pra frente Brasil. Discuti e ensinei conceitos e contextos. Mas o que mais alegra é a garotada sequer “saber” o que seja ditadura. Isso é “bom”. Um aluno perguntou: “– o que é subversivo?”. Essa ignorância é santa, se comparada ao “conhecimento” negativo e estigmatizado que a palavra “subversivo” embutia para toda uma sociedade, com medo e terror.

                Talvez um jovem no Canadá ou na Finlândia não saiba o que seja subversivo. E devemos “lutar” para que o Brasil se esqueça dessas noções estigmatizadas e desastrosas, ainda que verdadeiras. Viva o presente.

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