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Duas são, para mim, as mais importantes teorizações
filosóficas existentes, na atualidade. A primeira está em O discurso filosófico da modernidade, de Jürgen Habermas, no
capítulo O conteúdo normativo da
modernidade, p. 467 e seguintes. A segunda em Cultura e democracia – o discurso competente e outras falas, de
Marilena Chaui, no capítulo Ética,
violência e política, p. 340 e seguintes.
Habermas finalmente relativiza a “relativização” que se
instaurou um tanto quanto ditatorialmente com um certo “metadiscurso”
filosófico acerca da modernidade e o que lhe diga respeito. Questiona,
utilizando como paradigmas, expressamente, a dialética negativa, a genealogia e
a desconstrução. Inclua-se aí um de seus professores diretos, Adorno.
Reclama que esse novo discurso nem é ciência, nem
filosofia. Nem é moral, nem é literatura ou arte, nem um novo padrão jurídico.
Assimétricos a seus próis, exigem autoritariamente uma compreensão acrítica,
patrulhando o que discrepe da pura e simples aceitação. Não se refere
expressamente, nem o precisaria, mas um modelo esgarçado, talvez o grande
marco, pode ser Sokal e Bricmont, em Imposturas
intelectuais.
Fala em “simbiose de incompatibilidades”, perda de
segurança nos “critérios institucionalizados do falibilismo” e o jogo sujo de
que se permitem recorrer a um argumento apelativo final: “que o oponente
entendeu mal o sentido do jogo de linguagem no seu todo, que em seu modo de responder cometeu um erro
categorial”.
O cipoal de ideias, ismos, teorias, e visões de mundo
outras, que já dura pouco mais de um século – por todos e o mais antigo
referido, a Genealogia –, mutilou a cabeça de muita gente que se sentiu na “obrigação”
de acompanhar pautas disformes de interpretação do mundo e da sociedade,
aceitando a desconexidade auto-culpativa por não poder entendê-la razoavelmente
a não ser com uma boa dose de LSD filosófico. Habermas é música aos ouvidos
nesse segmento e nós, simples mortais que tanto nos maravilhamos com um Michel
Serres diurno, em Entrevistas do Le Monde, e nos punimos tanto pela
insuficiência intelectual com um Michel Serres noturno, em Os cinco sentidos –
filosofia dos corpos misturados, só podemos comemorar.
2
A segunda grande lição está em Marilena Chaui. A
pensadora desenha o farisaísmo do discurso piegas, do discurso violento, do discurso
patrulhador e, por que não, da simbiose de todos eles, do discurso canalha
quando se veem invocações de “ética” e de “retorno à ética”, num sabor
totalmente neoliberal e protegido por uma violência tácita, clivando a própria ética
para admiti-la segmentarizadamente em porções exclusivistas – ética política,
ética familiar, ética profissional –, sem o liame da universalidade, podendo-se
supor inclusive, a partir daí, a não-ética no segmento não previamente nominado
ou “escolhido”. Esta alienação não é totalmente imperceptível, mas é cômoda, a
partir de uma sociedade também fragmentada.
A podridão da ideologia ética exigirá a violência para poder
se firmar como linimento. Aqui Chaui invoca Alain Badiou (Sur le mal), no sentido de que enquanto a ética encarnará o bem, a
ideologia da ética será a imagem do mal que precisará da imagem do mal para ser
o não-mal. Aí surgem o piegas, o passivo reativo totalmente falso próprio das
religiões manejantes do Diabo e outras estapafurdices e boçalidades, o que
hasteia a bandeira da compaixão e da indignação para, por culpa invocada,
teatralizar sua benemerência portátil e ética a preço de liquidação.
De novo, é sempre reconfortante encontrar e reler
temáticas insuspeitas e superiores como essas apresentadas por Habermas e
Chaui. Jean Menezes de Aguiar.
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