quarta-feira, 27 de março de 2013

Piada com direitos humanos


 
 



 Artigo publicado no jornal O DIA SP, semana de 27.3.2013

                 Assiste-se à estapafúrdia escolha de um desejosamente fundamentalista, sabidamente contrário aos direitos humanos para presidir o tema. Pelo menos na “Casa do Povo”, a câmara dos deputados. O problema não é mais a criatura, mas o seu criador. Quem o alugou como tampão de última hora. 

                O deputado que aceitou o oba-oba politiqueiro da presidência da Comissão praticamente não tem culpa. É um subproduto de um sistema diabólico de conchavos, domínios e feudos partidários que acaba parindo escolhas absurdas assim. Não tem o religioso profissional qualquer poder político de influir em uma escolha tão nevrálgica e representativa. “Ninguém” nunca tinha ouvido falar nesse deputado até seus desastres orais em xingar e justificar ódios e racismos. Agora, em ser usado nessa presidência da Comissão que até o presidente da câmara já não quer mais. 

                Em uma análise mais fria, o sujeito poderia ser digno de pena, em relação à trituração política e pessoal que lhe impôs uma câmara ligada ao qualquer-um-serve-para-qualquer-coisa aqui. Exatamente como se deu com a escolha para esse cargo. Ele estava quieto em sua igreja do interior, rezando, fazendo milagres, curas e exorcismos na madrugada. Talvez tentando ser um Edir Macedo, o sonho de todos. 

                Aí a Câmara o atira aos leões da crítica social, da intelectualidade e da cultura, da mídia, da imprensa e da modernidade. É claro que o temente não tem como se defender dessa turma mentalmente “descolada”, artistas, comediantes, acadêmicos, pensadores, ativistas etc. Um grande saco de gatos agindo como carrascos sociais das escolhas estapafúrdias. 

                O problema é: como a câmara dos deputados não pensou nisso antes? Como se expôs, mais uma vez, à execração pública desse modo? Por que a câmara se especializou em atrair tantas críticas e desconfianças? Já não bastam os 50 salários por ano? Algum corretinho de plantão berrará: não são 50, são somente 15. É a mesma coisa. Fora o que não tem nome de salário. 

                Está faltando à câmara uma inteligência para mediar seus atos, suas ações e evitar essas colisões frontais com a sociedade. Alguém para dizer: não faça isso, isso exporá toda a classe política. Por outro lado, esse sonho é impossível. Ali ninguém se controla, ninguém manda em ninguém. Todo mundo é excelência e há inúmeras fogueiras de vaidade política acesas. 

                Um outro problema é que isso tudo é patrocinado pela sociedade. A mesma sociedade que precisa de atendimentos urgentes em Direitos Humanos. Mas, no caso brasileiro, admitindo-se a redução doméstica apenas por ilustração, o que são os tais Direitos Humanos? 

                Historicamente o Brasil vive um momento ligado a determinadas pautas e discussões críticas. Ciclistas nas ruas; relações homoafetivas; mudanças de sexo; liberdade da maconha; problema social do crack, todos os CRMs do país e mesmo o Conselho Federal de Medicina reconhecendo a validade do aborto e outras questões.  

                Se alguém, por exemplo, afirma que lugar de ciclista é em parque de diversões aos domingos está, apenas, na contramão da história atual. Nada mais que isso. Um ser pensante assim não pode representar a minoria, os ciclistas. Do mesmo jeito que se alguém declara que uma relação homoafetiva justifica o ódio e as agressões perpetradas contra os gays, como o atual presidente da Comissão de direitos humanos declarou, não tem a mínima condição e equilíbrio para ocupar o cargo.  

                Direitos Humanos continuam a ser uma hemorragia cultural no Brasil. Muita gente boa não consegue entender o que são (conceito) os Direitos Humanos. Figuras ilustres já propuseram, por exemplo, que a anistia fosse “bilateral”, como se tudo fosse “igual”. 

                Nem tudo é “comparável”, nem tudo é “a mesma coisa”. O assassinato cometido pelos nazistas na Segunda Guerra foi um assassinato “pior” que outros assassinatos. Há, sim, gradação nos crimes. Direitos Humanos são uma qualificação atribuída a um crime ou agressão praticados pelo Estado, pelo polo forte das relações em que há um desamparado, um hipossuficiente, uma minoria. Quem entende e defende que as minorias devem apanhar na rua porque provocam ódio com seu próprio jeito de ser não pode ocupar um cargo público de defesa de minorias. 

                O bandido mata e é uma tragédia. Mas isso se chama criminalidade. Já o Estado não pode matar ou agredir. A menos que o Estado se insira no conceito de uma entidade criminosa, o que é absurdo. Assim, seus responsáveis, ou “autoridades” como gostam de pensar, não podem agredir, discriminar, aceitar preconceitos em nome de um ou outro livro que acreditem ser sagrado. O Estado recebe dinheiro da sociedade não para matar ou violar, discriminar ou difundir preconceitos. Igrejas ou “denominações”, atividades privadas que são, financiadas por quem as aceita e quer, “podem” ter seus preconceitos contra minorias. Mas nunca o Estado. 

                A Comissão de Direitos Humanos da câmara dos deputados vai perder toda a “possibilidade” de pujança, força e representação. Seu presidente está condenado até por entidades religiosas e instituições globais como a Anistia Internacional. O retrocesso não é apenas “implicância”, é fato. Esta Comissão é para andar para frente, não para ser defendida de acusação de que está andando para trás.
 
                  O excesso de politicagem e conchavo que permeia a política brasileira, e muita gente acha isso “saudável”, ou “normal”, acaba gerando este cenário: uma câmara dos deputados e mesmo a classe política, salvo raríssimas exceções, totalmente desrespeitadas por deméritos próprios. Tudo bem que “somos” a câmara, esses monstros são nossos, nos pertencem, saem das nossas entranhas. Mas estamos horrorizados com a qualidade de veneno que produzem. Por favor, reduzam a picaretagem. Jean Menezes de Aguiar.

 


2 comentários:

  1. A escolha do Deputado Feliciano pode ser visto de diversas maneiras: poder, corrupção, insanidade, politicagem, piada, etc. Pra mim, é um lembrete de que algo ruim sempre pode piorar. E vai piorar cada vez mais, até porque 2014 é ano de COPA, sendo as eleições um mero acessório. Vai que tua, Brasil!!!

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  2. Imagina se o Brasil ganhar a COPA...política do "pão e circo"...genial!!!!

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