As bombas na Maratona de Boston (15.4.2013) fizeram
três vítimas fatais, uma delas o garoto de oito anos. Mais 176 feridos, alguns
graves. Martin Richard aparece em sua última foto com um cartaz feito para a
linha de chegada. Ia esperar o pai. Escreveu “não mais ódio - paz”. Exatamente
esse menino com essa mensagem morreu na explosão. Sua mãe teve traumatismo
craniano, está em estado grave. Sua irmã teve uma perna amputada. Seu pai,
vê-se, perdeu muito.
A importância não está em Martin ser americano,
ocidental, louro e falar em paz. Poderia ser árabe ou judeu; brasileiro da
favela ou do Leblon; branco, amarelo ou preto. Há que se igualar a condição
humana. O problema é a raiz de inúmeros casos semelhantes: a guerra. Quando não
é política, é religiosa. No Brasil existe a subguerra do tráfico que mata
igual.
O famoso cineasta espanhol Luis Buñuel tem uma frase
conhecida: “Deus e a Pátria são um time imbatível; eles quebram todos os
recordes de opressão e derramamento de sangue.” Essas verdades não podem ser
disfarçadas pelo incômodo que algumas pessoas ligadas à religião “querem ter”
quando se discute fé. Impedir a discussão é patrulhamento radical. E o
ingrediente utilizado costuma ser a mentira. Já o disfarce invariavelmente
esconde um discutível padrão moral.
Na Primeira Guerra Mundial mulheres obedientes, e
tolas, entregavam plumas brancas a jovens não fardados dizendo – “não queremos
perdê-lo, mas achamos que você deve ir, pois seu rei e seu país precisam que
você vá” (trecho de uma música inglesa da época). Consciências, valores,
análises pessoais eram simplesmente jogados no lixo. O patriotismo era uma
virtude absoluta. Não havia questionamento que suplantasse o slogan do soldado profissional que era
“Meu país, certo ou errado”. Em nome disso se matava à vontade.
A filosofia da guerra discute o bestialismo de não se
refletir que se vai matar qualquer um ou qualquer grupo que um político-chefe
mandar. Tudo por um patriotismo de plantão que em muitos casos é requentado às
pressas. Essa cegueira há nos conflitos ligados à “pátria”, esse conceito
encharcado de moralismo e cobrança. Mas há outras cegueiras.
A cegueira que matou Martin Richard, já se suspeita,
é a religiosa que, modernamente, passou a ser em muito confundida com a
terrorista. Terrorista, aí, é apenas a funcionalidade do ato: o matar qualquer
um, desde que com visibilidade. Mas na história, em muitos casos, a causa do
terrorismo é religiosa.
Foi assim e continua a ser com os ataques suicidas;
com o 11/9; com o 7/7 londrino; com as Cruzadas; com a caça às bruxas; com a
Conspiração da Pólvora; com a partição da Índia; com as guerras entre
israelenses e palestinos; com os massacres sérvios/croatas/muçulmanos; com a
perseguição dos judeus como “assassinos de Cristo”; com os problemas da Irlanda
do Norte; com o Talibã e cristãos a explodir estátuas antigas ou chutar novas;
com as decapitações públicas de blasfemos; o açoite da pele feminina pelo crime
de ter se mostrado em um centímetro (relação de casos do biólogo Richard
Dawkins). A boçalidade humana é infinita e muitas vezes o ódio é camuflado em
algum ente ou livro sagrado.
John Lenon imaginou exatamente um mundo sem essas
mortes e guerras, por isso passou a ser o símbolo mundial de pessoa da paz. Sua
música Imagine às vezes é tocada nos
Estados Unidos, por radicais, nada geniais como Lenon, de forma adulterada, com
a frase “and no religion too” expurgada, trocada para “and one religion too”. Até a arte, a poesia e o sonho os
fundamentalistas patrulham, moralizam e proíbem a seus fanáticos. É a tragédia
da ignorância.
Os Estados Unidos não vivem atualmente uma nova
contestação ferrenha, interna ou externa, que motive bombas em razão de algum
padrão econômico, de guerra política, de invasão, social doméstico ou outro
equivalente. Sobra o velhaco terrorismo religioso. Passei o último mês em Nova
Iorque, parecia que tudo já estava normal de novo. As pessoas se viam
tranquilas nas ruas repletas de polícia. Desgraçadamente a esta hora a
lembrança do terror volta a rondar.
Este atentado também pode ser obra de um “maluco”.
Mas o presidente Obama, que resistiu num primeiro momento a assumir, já passou
a dizer que é, sim, terrorismo. O caso é que até os grupos terroristas podem
ter “aprendido” a não mais assumir autorias. O silêncio pós-atentado está
estranho.
Com este atentado dá-se uma imediata globalização da
preocupação e do medo, que não é mera neurose social. A Maratona de Londres e a
do Rio, bolas da vez, já começaram a ser repensadas. O brasileiro “não quer”
assumir a ideia de que uma bomba possa explodir em seu pacífico quintal. Mas o
terrorista profissional não quer saber. Além do mais, os órgãos de segurança
domésticos que não têm lá muita intimidade com a coisa. Aí não é caso de Bope.
Um dos problemas do fundamentalismo que explode e
mata pessoas acaba sendo a leniência ou ausência de resistência pelos
seguidores pacíficos. As guerras santas foram e são justificadas assim. O
silêncio dos pacíficos é comprometedor. Sêneca cunhou: “A religião é considerada
verdade pelas pessoas comuns, mentira pelos sábios e útil pelos governantes.”
Quando o fanatismo consegue usar esta “verdade” religiosa para matar, e não
“apenas” para praticar seus preconceitos, passa-se a ter a morte santa.
Os Estados Unidos pagam o preço assimétrico que é
enfrentar o terror. A sociedade americana se tornou refém do gasto público
bilionário incessante para, meramente, se proteger de radicais. O problema é
que nenhuma proteção é cem por cento capaz. Basta um mero Martin Richard para se
perceber que um mínimo furo no transatlântico quer dizer uma vida. Viva John
Lenon e seu sonho de paz. Nossas lágrimas por Martin. Jean Menezes de
Aguiar
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