quarta-feira, 17 de abril de 2013

Martin Richard, 8. Até quando?






 
 Artigo publicado no jornal O DIA SP, semana de 18.4.13

                As bombas na Maratona de Boston (15.4.2013) fizeram três vítimas fatais, uma delas o garoto de oito anos. Mais 176 feridos, alguns graves. Martin Richard aparece em sua última foto com um cartaz feito para a linha de chegada. Ia esperar o pai. Escreveu “não mais ódio - paz”. Exatamente esse menino com essa mensagem morreu na explosão. Sua mãe teve traumatismo craniano, está em estado grave. Sua irmã teve uma perna amputada. Seu pai, vê-se, perdeu muito.

                A importância não está em Martin ser americano, ocidental, louro e falar em paz. Poderia ser árabe ou judeu; brasileiro da favela ou do Leblon; branco, amarelo ou preto. Há que se igualar a condição humana. O problema é a raiz de inúmeros casos semelhantes: a guerra. Quando não é política, é religiosa. No Brasil existe a subguerra do tráfico que mata igual.

                O famoso cineasta espanhol Luis Buñuel tem uma frase conhecida: “Deus e a Pátria são um time imbatível; eles quebram todos os recordes de opressão e derramamento de sangue.” Essas verdades não podem ser disfarçadas pelo incômodo que algumas pessoas ligadas à religião “querem ter” quando se discute fé. Impedir a discussão é patrulhamento radical. E o ingrediente utilizado costuma ser a mentira. Já o disfarce invariavelmente esconde um discutível padrão moral.

                Na Primeira Guerra Mundial mulheres obedientes, e tolas, entregavam plumas brancas a jovens não fardados dizendo – “não queremos perdê-lo, mas achamos que você deve ir, pois seu rei e seu país precisam que você vá” (trecho de uma música inglesa da época). Consciências, valores, análises pessoais eram simplesmente jogados no lixo. O patriotismo era uma virtude absoluta. Não havia questionamento que suplantasse o slogan do soldado profissional que era “Meu país, certo ou errado”. Em nome disso se matava à vontade.

                A filosofia da guerra discute o bestialismo de não se refletir que se vai matar qualquer um ou qualquer grupo que um político-chefe mandar. Tudo por um patriotismo de plantão que em muitos casos é requentado às pressas. Essa cegueira há nos conflitos ligados à “pátria”, esse conceito encharcado de moralismo e cobrança. Mas há outras cegueiras.

                A cegueira que matou Martin Richard, já se suspeita, é a religiosa que, modernamente, passou a ser em muito confundida com a terrorista. Terrorista, aí, é apenas a funcionalidade do ato: o matar qualquer um, desde que com visibilidade. Mas na história, em muitos casos, a causa do terrorismo é religiosa.

                Foi assim e continua a ser com os ataques suicidas; com o 11/9; com o 7/7 londrino; com as Cruzadas; com a caça às bruxas; com a Conspiração da Pólvora; com a partição da Índia; com as guerras entre israelenses e palestinos; com os massacres sérvios/croatas/muçulmanos; com a perseguição dos judeus como “assassinos de Cristo”; com os problemas da Irlanda do Norte; com o Talibã e cristãos a explodir estátuas antigas ou chutar novas; com as decapitações públicas de blasfemos; o açoite da pele feminina pelo crime de ter se mostrado em um centímetro (relação de casos do biólogo Richard Dawkins). A boçalidade humana é infinita e muitas vezes o ódio é camuflado em algum ente ou livro sagrado.

                John Lenon imaginou exatamente um mundo sem essas mortes e guerras, por isso passou a ser o símbolo mundial de pessoa da paz. Sua música Imagine às vezes é tocada nos Estados Unidos, por radicais, nada geniais como Lenon, de forma adulterada, com a frase “and no religion too” expurgada, trocada para “and one religion too”. Até a arte, a poesia e o sonho os fundamentalistas patrulham, moralizam e proíbem a seus fanáticos. É a tragédia da ignorância.

                Os Estados Unidos não vivem atualmente uma nova contestação ferrenha, interna ou externa, que motive bombas em razão de algum padrão econômico, de guerra política, de invasão, social doméstico ou outro equivalente. Sobra o velhaco terrorismo religioso. Passei o último mês em Nova Iorque, parecia que tudo já estava normal de novo. As pessoas se viam tranquilas nas ruas repletas de polícia. Desgraçadamente a esta hora a lembrança do terror volta a rondar.

                Este atentado também pode ser obra de um “maluco”. Mas o presidente Obama, que resistiu num primeiro momento a assumir, já passou a dizer que é, sim, terrorismo. O caso é que até os grupos terroristas podem ter “aprendido” a não mais assumir autorias. O silêncio pós-atentado está estranho.

                Com este atentado dá-se uma imediata globalização da preocupação e do medo, que não é mera neurose social. A Maratona de Londres e a do Rio, bolas da vez, já começaram a ser repensadas. O brasileiro “não quer” assumir a ideia de que uma bomba possa explodir em seu pacífico quintal. Mas o terrorista profissional não quer saber. Além do mais, os órgãos de segurança domésticos que não têm lá muita intimidade com a coisa. Aí não é caso de Bope.

                Um dos problemas do fundamentalismo que explode e mata pessoas acaba sendo a leniência ou ausência de resistência pelos seguidores pacíficos. As guerras santas foram e são justificadas assim. O silêncio dos pacíficos é comprometedor. Sêneca cunhou: “A religião é considerada verdade pelas pessoas comuns, mentira pelos sábios e útil pelos governantes.” Quando o fanatismo consegue usar esta “verdade” religiosa para matar, e não “apenas” para praticar seus preconceitos, passa-se a ter a morte santa.

                Os Estados Unidos pagam o preço assimétrico que é enfrentar o terror. A sociedade americana se tornou refém do gasto público bilionário incessante para, meramente, se proteger de radicais. O problema é que nenhuma proteção é cem por cento capaz. Basta um mero Martin Richard para se perceber que um mínimo furo no transatlântico quer dizer uma vida. Viva John Lenon e seu sonho de paz. Nossas lágrimas por Martin. Jean Menezes de Aguiar

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