Quando a dor tem imagem.
Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, semana de 31.1.13
De 3, 1. Ou tudo isso é um grande e milionário
cartório somente para arrecadar dinheiro para o Estado e dane-se a sociedade,
com baixíssima eficiência. Ou tudo isso é uma grande incompetência das
“autoridades” que não têm inteligência para traçar um menu de exigências capazes
de conter, efetivamente, um único incêndio em uma casa noturna, a ponto de 235
pessoas morrerem. Ou as exigências valeriam, eficientemente, mas os agentes do
Estado são compráveis, alugáveis, corruptos e dão o papelzinho de autorização
para quem pagar.
O “culpismo” aí é a sanha de se achar um culpado no
primeiro momento. Percebe-se que essas boates são caixotes blindados com leões
nas portas de saída proibindo quem tentar fugir sem pagar. Que há alguma culpa
do empresário, ninguém discute. Mas a culpa do Estado também é nítida. Agora
começa a ser discutida, seriamente, a culpa dos Bombeiros no resgate. Uma
novidade e tanto, inclusive pedindo “ajuda” à população. Ajuda?
O governador no primeiro momento correu para a Tv,
mostrou-se “preocupado”. Prometeu apuração de responsabilidades. Quem acredita
nisso, a sério? Num país em que a sociedade põe o dedo na cara do poder
público, não é o Brasil, talvez algum ministro já tivesse se suicidado; o
governador se demitido. O Chefe dos Bombeiros já estivesse na rua. O nome disso
é “exemplariedade”, mas este padrão ético o poder público brasileiro não
conhece. O Corpo de Bombeiros, por exemplo, pertence ao governador. Quem
“escolhe” seu chefe é o governador. Aí os formalistas berrarão: calma, há o
devido, sagrado e constitucional processo legal. Alguém só pode ser considerado
culpado após um processo. Ok.
O prefeito
(Município) diz que paga ao Corpo de Bombeiro (Estado) para fiscalizar. O que
isto quer dizer? Com este pagamento não há mais responsabilidade da prefeitura?
O Corpo de Bombeiro defende-se dizendo que não pode “fechar boate”. Então
estamos combinados: ninguém tem culpa. Mandemos para cadeira elétrica moral o
dono da boate e a vida continua.
Há uma assimetria nítida em três pontas aí, entre 1) a
forte exigência do Estado na burocracia para a instalação de um
estabelecimento, 2) a liberação efetiva do estabelecimento e 3) o risco de
morte, no caso consumando óbitos. É exatamente com receitas fáticas assim que
institutos jurídicos são revistos. Dizer-se, formalistamente, que a
responsabilidade jurídica do Estado é somente mediata, num caso como este, é
aceitar um padrão assimétrico. É dizer que todas as “necessidades” de vistorias
oficiais – caríssimas – não servem para nada. Mesmo elas existinto, 235 pessoas
podem morrer. Então elas servem para quê? Não é mais este faz de contas
fiscalizatório que a sociedade quer.
Se o Estado “inventa” uma fiscalização e a impõe à
sociedade, cobrando caro por ela, esta fiscalização tem a natureza jurídica de
“absorver” um quantum de responsabilidade imediata, pelo menos num
evento-catástrofe como o de Santa Maria. Não adianta um procurador estatal
qualquer dizer: mas não foi o Estado que matou! Diante de 235 mortes esta
alegação é lixo. Fica em xeque o porquê de exigências e fiscalizações se elas
não adiantam nada. Em Santa Maria não adiantaram.
Quem fiscaliza
o fiscal? E o fiscal do fiscal? Essa regressão só não pode chegar na sociedade
por um único fator: ela sustenta um Estado luxuoso e milionário. É claro que em
última análise há uma culpa “nossa”, mas o Estado é ilegítimo para discuti-la.
Somente nós, do lado de cá do balcão podemos fazê-lo. A divisão é “artificial”?
Então porque somos “fiscalizados” e isso não adiantou nada em Santa Maria?
Mas a corda costuma arrebentar no lado mais fraco.
Prendam o Severino! O vigia de boate que nasceu com 6 quilos, hoje tem 1,99m de
altura, pesa atualmente 140 kilos, não completou o ensino fundamental e basta
olhar para a figura: é o “segurança”. Prendam ele que, com sua cabeça e
obediência de salário de segurança lutou para não deixar ninguém sair da boate
pela porta de emergência. Prendam ele, que planejou matar 235 pessoas, só vai
faltar isso. Prendam ele que “criou” a norma trabalhista que descumprida dá justa causa, de: “por aqui
não sai ninguém, entendeu Severino, nem a minha mãe!”.
Já se soube que há 10 grandes
boates em São Paulo sem alvará. Mas também, alvará é um papel. Será que
faticamente, verdadeiramente, representa garantia de algo? A boate de Santa
Maria tinha alvará, válido até poucos meses atrás. E daí? Após o desastre, o
prefeito de SP prometeu que “conversará” com donos de boates. Sem comentários.
Esta semana, donos responsáveis
de boates deveriam estar revendo seriamente seus estabelecimentos. Frequentadores
também devem rever sua vontade de “uhuuu”. Oficiais dos Bombeiros do país
deveriam estar nas ruas espontaneamente vasculhando imóveis potencialmente
perigosos como boates, estádios de futebol, circos, igrejas e tantos outros.
Nenhum túnel da cidade de São Paulo tem extintor ou mangueira de incêndio. Você
sabia? Parece que o Corpo de Bombeiros não sabe. Os buracos e instalações
apropriados estão todos lá, vazios. São Paulo!
O incêndio de Santa Maria sora
impunidade e continuará sorando. A menos que um choque de ordem (de verdade)
“houvesse”, nada será mudado. O legislativo já quer surfar: fazer novas leis.
Este artigo seria jurídico, tentando rediscutir a
responsabilidade jurídica do Estado, o “responderão”, palavra da Constituição
da República, art. 37, parágrafo 6º. Mas a revolta é grande, perde-se a mão.
Quem sabe uma lei que dissesse que o governador, os secretários da área e todos
os chefes de fiscalização, investigação, procuradoria ficariam automaticamente
impedidos, sem salário, com qualquer desastre social com mais de 50 pessoas
atingidas? Não me culpem por sonhar. É o que restou. Jean Menezes de
Aguiar.
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