A geometria do mensalão, sobe se divide e desce.
Artigo publicado no Jornal O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO)
O nobre e digno Mensalão não é
isso tudo que falam dele por aí. Parece não haver dúvida que existiu. Ou a
poderosa grande imprensa conseguiu dar existência a ele. Daí, um Supremo sob
holofotes não tem como ir contra “o povo brasileiro” ou a opinião pública. Ou,
como reagem, até com lucidez: opinião publicada. Tanto faz, no final das contas
pouca “mudança” haverá. Não é ter existido ou não, o mensalão, o objeto do
artigo de hoje. Mas isso abre ótimos questionamentos. Repare, se o Supremo
condenar, dará “existência” a ele, ou seja, aí ele existiu. Se o Supremo absolver
ele não terá “existido”. Repare-se o poder de um único julgamento sem chance de
recurso: a existência ou não de um fato. Em filosofia chama-se reificar, ou
seja, dar tratamento de coisa, no caso ao mensalão.
Enquanto isso, gente da ativa, oficial,
envolvida em escândalos outros - por exemplo, a indecência dos salários acima
do teto -, está dando graças a Deus com a fama do mensalão. Para essa gente,
milhares, o mensalão é um escândalo tampão. Um que cobre os outros infindáveis
escândalos do país. O certo é que no Brasil deu-se uma sociologia rítmica do
escândalo: um vai encobrindo o outro.
É claro que há desvios na
iniciativa privada e não só no setor público. Mas aí é um problema de quem foi
lesado. Se uma empresa contratou mal, pagará o preço pela escolha, o que em
direito se chama error em eligendo. Se tinha um gerente ou diretor que
sangrou o cofre, houve falha na fiscalização, o que terá o nome também latino de
error in vigilando. A sociedade e a iniciativa privada nunca foram
santas. Não há essa oponibilidade entre o santo e o demônio, o honesto e o
desonesto. Só um detalhe: no setor público “haveria” a obrigação de se ser
honesto porque o dinheiro é público e a autoridade “jura” que será honesta.Isso
está exemplarmente nos regimentos, corregedorias, estatutos. Só não está na
prática.
O mensalão, chega a berrar
grande parte da imprensa, é o maior escândalo brasileiro julgado. Pode ser, em
termos de réus no Supremo. Mas o maior escândalo é a “cultura” que autoriza o
que se fez no mensalão. A privatização do dinheiro público ou dos interesses
públicos.
Aí, fomenta-se a ideia de que se
o Supremo condenar o mensalão, o país será “outro”, querendo-se dizer melhor. O
mesmo pensamento maniqueísta já rondou a sociedade em 1988, com a Constituição
da República. Mas não é, infelizmente, uma Constituição ou uma condenação que
faz um país mudar. O mensalão será apenas mais um no calmo e ordinário caldo
cultural de corrupção política, eleitoral, financeira, administrativa, oficial,
bancária e pública do Brasil.
Valores não mudarão. As
“assessoras” com os melhores corpos do planeta e lugar garantido na Playboy
continuarão a ser cinicamente contratadas. Os filhos, genros e amantes
continuarão a preencher o nepotismo cruzado, numa “meia” ou troca-troca cínica de
nomeação entre “autoridades” quadrilheiras. E as comissões e “beiradas”
continuarão a ser pagas.
Entretanto, ser pedra, como se é
aqui, exatamente neste artigo, num sistema como o brasileiro, é fácil. Berrará
o corregedor mais austero e sisudo do país: ponha-me lá que eu conserto. E na
semana seguinte descobrir-se-á que ele também mama um salário 2 vezes acima do
teto. Nós somos assim, sempre quisemos isso para os nossos filhos. Essa é a
desantropofagia que nos salva na roubalheira estatal. Cuidamos do próprio rabo
e do rabinho dos rebentos. Triste sociedade.
No ranking da alegria
tesudo-visual, o mensalão perde em disparada para as Cpis. As Cpis pelo menos
têm secretárias e assessoras de pedir em casamento com promessa de vários
filhos. Já o mensalão, só aqueles advogados feiosos. O Supremo precisa se
“modernizar”. Contratar uma capa de playboy para que os marmanjos se deliciem.
Enquanto isso, o já domesticado
mensalão trabalha com alguns segmentos. O primeiro do pódio, vencedor com
facilidade é a imprensa. Ela apenas “revela” com seu “sagrado” dever de
informar, ou fomenta, instiga, aumenta e, obviamente, garimpa lucro com toda a
situação exagerando fatos e até plantando alguns? Parece que a resposta pelo
comercial é das mais óbvias.
Em segundo lugar no pódio vem o
Poder Público incumbido de investigar, apurar e julgar os escândalos. Há diferenças
aí. Polícias brazucas nunca gostaram muito de investigar. Parece que dá
trabalho. Essa sempre foi a marca registrada nos inquéritos policiais. Mas um
ingrediente mudou isso, de novo ela: a imprensa. Casos que têm holofote, parece
que a polícia até põe roupa bonita para foto. Outros segmentos ainda aí serão o
Judiciário, agora pop na Tv, e o recluso e quase secreto
Ministério Público. Este nunca se conseguiu saber muita coisa dele.
Em terceiro lugar no pódio vem a
sociedade, consumista, noveleira, amante de Datena, Ratinho, Faustão, Banda
Calipso e Gabriela, claro. Ávida por fofoca, notícia, bafafá e espuma de
informação, assim é a nossa sociedade, a nossa cara.
O que será que dá uma vitamina
com esses ingredientes? A sociedade brasileira quer os mensalões. Este foi um
BBB jurídico. Haverá tristeza e abandono dos ministros do Supremo quando o
mensalão acabar. Peluso será o único a deixar o mensalão com chave de ouro:
aposentar-se-á nele. Um escândalo como esse no fechamento da carreira é a
glória última. Se bobear, haverá passeata na praia de Copacabana para um Peluso-Fica.
Viúvas sociais dos ministros deveriam chorar nos corredores de um Supremo
tristonho. A imprensa reforçará os jornalistas na sessão do último voto, que
não pode ser “volto”, como o aparentemente eterno Lula. Nunca na história do
Supremo um voto terá sido tão grávido de expectativa e emotividades. Não será
um voto, será um adeus.
Já os outros ministros serão abandonados à própria
sorte, tendo que continuar a trabalhar em casos nada televisivos; comunzinhos,
cansativos e ordinários. Poderia ser pensado um novo filtro, ao lado da
“repercussão geral” já prevista na Constituição: a repercussão geral
televisiva. Só poderiam ser julgados no Supremo os processos que tivessem essa
repercussão. O país seria mais alegre.
O mensalão é o refogado de um
escândalo. O quanto ele vai servir para “consertar” o país? Muito pouco. Talvez
seja uma mera advertência para o restante que faz o mesmo, igualzinho. Mas pelo
menos o Supremo “conseguiu” julgar este. Condenando ou absolvendo, parabéns
pros caras.
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