quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Mensalão o escândalo tampão

A geometria do mensalão, sobe se divide e desce.
 
Artigo publicado no Jornal O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO)
 
                O nobre e digno Mensalão não é isso tudo que falam dele por aí. Parece não haver dúvida que existiu. Ou a poderosa grande imprensa conseguiu dar existência a ele. Daí, um Supremo sob holofotes não tem como ir contra “o povo brasileiro” ou a opinião pública. Ou, como reagem, até com lucidez: opinião publicada. Tanto faz, no final das contas pouca “mudança” haverá. Não é ter existido ou não, o mensalão, o objeto do artigo de hoje. Mas isso abre ótimos questionamentos. Repare, se o Supremo condenar, dará “existência” a ele, ou seja, aí ele existiu. Se o Supremo absolver ele não terá “existido”. Repare-se o poder de um único julgamento sem chance de recurso: a existência ou não de um fato. Em filosofia chama-se reificar, ou seja, dar tratamento de coisa, no caso ao mensalão.

                Enquanto isso, gente da ativa, oficial, envolvida em escândalos outros - por exemplo, a indecência dos salários acima do teto -, está dando graças a Deus com a fama do mensalão. Para essa gente, milhares, o mensalão é um escândalo tampão. Um que cobre os outros infindáveis escândalos do país. O certo é que no Brasil deu-se uma sociologia rítmica do escândalo: um vai encobrindo o outro.

                É claro que há desvios na iniciativa privada e não só no setor público. Mas aí é um problema de quem foi lesado. Se uma empresa contratou mal, pagará o preço pela escolha, o que em direito se chama error em eligendo. Se tinha um gerente ou diretor que sangrou o cofre, houve falha na fiscalização, o que terá o nome também latino de error in vigilando. A sociedade e a iniciativa privada nunca foram santas. Não há essa oponibilidade entre o santo e o demônio, o honesto e o desonesto. Só um detalhe: no setor público “haveria” a obrigação de se ser honesto porque o dinheiro é público e a autoridade “jura” que será honesta.Isso está exemplarmente nos regimentos, corregedorias, estatutos. Só não está na prática.

                O mensalão, chega a berrar grande parte da imprensa, é o maior escândalo brasileiro julgado. Pode ser, em termos de réus no Supremo. Mas o maior escândalo é a “cultura” que autoriza o que se fez no mensalão. A privatização do dinheiro público ou dos interesses públicos.

                Aí, fomenta-se a ideia de que se o Supremo condenar o mensalão, o país será “outro”, querendo-se dizer melhor. O mesmo pensamento maniqueísta já rondou a sociedade em 1988, com a Constituição da República. Mas não é, infelizmente, uma Constituição ou uma condenação que faz um país mudar. O mensalão será apenas mais um no calmo e ordinário caldo cultural de corrupção política, eleitoral, financeira, administrativa, oficial, bancária e pública do Brasil.

                Valores não mudarão. As “assessoras” com os melhores corpos do planeta e lugar garantido na Playboy continuarão a ser cinicamente contratadas. Os filhos, genros e amantes continuarão a preencher o nepotismo cruzado, numa “meia” ou troca-troca cínica de nomeação entre “autoridades” quadrilheiras. E as comissões e “beiradas” continuarão a ser pagas.

                Entretanto, ser pedra, como se é aqui, exatamente neste artigo, num sistema como o brasileiro, é fácil. Berrará o corregedor mais austero e sisudo do país: ponha-me lá que eu conserto. E na semana seguinte descobrir-se-á que ele também mama um salário 2 vezes acima do teto. Nós somos assim, sempre quisemos isso para os nossos filhos. Essa é a desantropofagia que nos salva na roubalheira estatal. Cuidamos do próprio rabo e do rabinho dos rebentos. Triste sociedade.

                No ranking da alegria tesudo-visual, o mensalão perde em disparada para as Cpis. As Cpis pelo menos têm secretárias e assessoras de pedir em casamento com promessa de vários filhos. Já o mensalão, só aqueles advogados feiosos. O Supremo precisa se “modernizar”. Contratar uma capa de playboy para que os marmanjos se deliciem.

                Enquanto isso, o já domesticado mensalão trabalha com alguns segmentos. O primeiro do pódio, vencedor com facilidade é a imprensa. Ela apenas “revela” com seu “sagrado” dever de informar, ou fomenta, instiga, aumenta e, obviamente, garimpa lucro com toda a situação exagerando fatos e até plantando alguns? Parece que a resposta pelo comercial é das mais óbvias.

                Em segundo lugar no pódio vem o Poder Público incumbido de investigar, apurar e julgar os escândalos. Há diferenças aí. Polícias brazucas nunca gostaram muito de investigar. Parece que dá trabalho. Essa sempre foi a marca registrada nos inquéritos policiais. Mas um ingrediente mudou isso, de novo ela: a imprensa. Casos que têm holofote, parece que a polícia até põe roupa bonita para foto. Outros segmentos ainda aí serão o Judiciário, agora pop na Tv, e o recluso e quase secreto Ministério Público. Este nunca se conseguiu saber muita coisa dele.

                Em terceiro lugar no pódio vem a sociedade, consumista, noveleira, amante de Datena, Ratinho, Faustão, Banda Calipso e Gabriela, claro. Ávida por fofoca, notícia, bafafá e espuma de informação, assim é a nossa sociedade, a nossa cara.

                O que será que dá uma vitamina com esses ingredientes? A sociedade brasileira quer os mensalões. Este foi um BBB jurídico. Haverá tristeza e abandono dos ministros do Supremo quando o mensalão acabar. Peluso será o único a deixar o mensalão com chave de ouro: aposentar-se-á nele. Um escândalo como esse no fechamento da carreira é a glória última. Se bobear, haverá passeata na praia de Copacabana para um Peluso-Fica. Viúvas sociais dos ministros deveriam chorar nos corredores de um Supremo tristonho. A imprensa reforçará os jornalistas na sessão do último voto, que não pode ser “volto”, como o aparentemente eterno Lula. Nunca na história do Supremo um voto terá sido tão grávido de expectativa e emotividades. Não será um voto, será um adeus.

Já os outros ministros serão abandonados à própria sorte, tendo que continuar a trabalhar em casos nada televisivos; comunzinhos, cansativos e ordinários. Poderia ser pensado um novo filtro, ao lado da “repercussão geral” já prevista na Constituição: a repercussão geral televisiva. Só poderiam ser julgados no Supremo os processos que tivessem essa repercussão. O país seria mais alegre.

                O mensalão é o refogado de um escândalo. O quanto ele vai servir para “consertar” o país? Muito pouco. Talvez seja uma mera advertência para o restante que faz o mesmo, igualzinho. Mas pelo menos o Supremo “conseguiu” julgar este. Condenando ou absolvendo, parabéns pros caras.

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