quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A ameaça do jeans judicial

                E ele, o lindo Giorgio Armani, com esse terno jeans, "poderia"?


 
Matéria pulicada nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO)
              Requenta-se a discussão, ilegal, adianta-se logo como se verá abaixo, de subalternos do Judiciário pretenderem se intrometer com a vestimenta de advogado. No último bafafá, ocorrido no Supremo, honra seja feita nem se tratou de juízes propriamente ditos. Mas pior, funcionários que almejam a “missão” de protetores do Judiciário, um ataque à sua honra, ou coisa parecida. Como se o Poder constitucional precisasse de sentinelas.

                O caso se deu no STF, semana passada. O comentado advogado Luiz Francisco Corrêa Barbosa, defensor de Roberto Jeferson foi “flagrado” assistindo ao julgamento trajando normalmente paletó, camisa social, gravata e uma discreta calça jeans. Imediatamente austeros funcionários de um suposto Supremo violado dirigiram-se ao causídico “pedindo” que ele trocasse de roupa ou se retirasse do recinto. O advogado, conhecedor de direitos, não fez nem uma coisa nem outra, e não violou a lei. Ainda ironizou, perguntando se agora há modelito próprio para se entrar em plenário. O equilibrado presidente do STF honrou o cargo e nem se manifestou.

                O assunto é velho de guerra e há questionamentos para todos os gostos. Inclusive sobre um preconceito velhaco, perdoe-se o pleonasmo, com a indefectível (e sempre deliciosa) calça jeans. Gente com cabeça conservadora e formalista que acha que tudo é “desrespeito” é mesmo uma gente chata. Mas há que se atentar para a Constituição da República e a lei, no caso concreto. Parece que os preocupados fiscais de roupa do Supremo desconhecem ambas, pelo menos em relação a advogados.

                Primeiro, a Constituição da República, art. 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Aí ainda o art. 93 IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.

                Segundo, o Código de Processo Civil, art. 14, parágrafo único, caput: “Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB...”

                Terceiro, o Estatuto da advocacia e da OAB, Lei Federal 8.906, em três passagens:

                Art. 6º. “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. Parágrafo único: “As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.”

                Art. 7º. “São direitos do advogado: inciso VI - ingressar livremente: a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados.”

                Art. 31. § 1º “O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância”. § 2º “Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.”

                No site do Supremo, que não é lei, frise-se, há um interessante “guia do advogado”, útil, registre-se. Mas não se pode confundir utilidade com imposição legal. O “guia”, no item 6.2.4, impõe, indistintamente, a toga a ministros, advogados e MP. Puristas poderiam arguir que há certa impropriedade aí, porque advogado usaria beca e juiz toga, ambas conhecidas como vestes talares, mas vá lá. Este item ainda regula que todos devem se trajar com “vestes próprias”, e não explica a qualificadora. Os três iguais, juiz, advogado e promotor estão aí, no item 6.2.4.

                Em outro item, 6.2.5., agora para o “público em geral” - e ministros, advogado e MP estão naturalmente fora dessa classificação -, é imposto o terno e gravata para homens, sem explicar o que seja terno. Mas quando regula para as beldades, lê-se: vestidos de mangas, tailleurs ou ternos (calça e blazer de manga comprida). Ou seja, para o Supremo, o conceito de terno é, corretamente, calça e blazer de manga comprida. Muito bem.

                Sempre houve uma diferença, para homens, entre terno e blazer. Terno, em regra, é calça e paletó do mesmo tecido e cor. Já o blazer, que também é “passeio completo”, admite calça de uma cor e tecido, e paletó do outro. O problema então com o advogado citado parece estar em não apenas um ponto, mas em dois. O primeiro é o “singelo” fato de ele ser advogado. Isso mesmo. Toda essa imunidade e equiparação do advogado a juízes e MP sempre incomodou a alguns. O grande professor Damásio de Jesus, em seu Código Penal anotado, art. 142, disparou, sobre o advogado: “Concedeu-lhe a imunidade penal judiciária (material), semelhante a dos parlamentares (CF, art. 53, caput)”.

                Já a questão do descontraído jeans é “séria”. Os cariocas aceitam-no sem culpas psicanalíticas e transtornos comportamentais, para tudo, casamento, velório e “até” balada. Claro que com elegância, se pode tudo mesmo. Já outros mais formalistas torcem a cara para o jeans. É interessante como o seu uso em SP, por exemplo, é muito mais restrito. O Brasil chegou a ser o campeão mundial em uso de jeans. Chegou a existir nesse brazuca desvairado completos ternos feitos de jeans, de gosto totalmente discutível, vá lá. Aí uma questão: e se o advogado no STF estivesse com um desses ternos de jeans? Um terno de jeans e gravata? Não poderia entrar? O problema é o “pano”? Parece que é. Isso tem nome: preconceito.

                Viu-se pelos diplomas brasileiros que: 1) o advogado é imune e inviolável por seus atos e manifestações, e inexcluível do recinto judicial (Constituição, 93, IX e 133, e CP, art. 142), claro que nos limites legais; 2) ele se sujeita “exclusivamente” ao Estatuto da OAB (CPC, art. 14). 3) não há hierarquia ou subordinação com juízes e MP e ele pode ingressar “livremente” em julgamentos e até gabinetes de tribunais. Assim, em boa hora o digno e inteligente presidente do STF não teceu qualquer comentário sobre o ciúme de funcionários do Supremo com uma moral onírica e a calça do advogado. Advogado não se mete com roupa de juiz e juiz não se mete com roupa de advogado, já que a lei os iguala. E quem se meteu nem foi juiz. Quem não gostar da paridade que chore, mas é interessante antes estudar um pouco. Jean Menezes de Aguiar

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