quarta-feira, 25 de julho de 2012

Salários públicos "secretos"?


Atenção: quatidade de notas apenas ilustrativa!


Artigo publicado nos Jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (Goiás)

                Antigamente funcionário público era do público, não era isso de “autoridade”. Ou se era não se levava a sério. O enredo dava samba, ou marchinha de carnaval. Hoje, autoridades usam a autoridade para serem ricas. É outro mote, triste e patético. O Estado não era visto como um maná profissional de regalias infinitas e eternas. Se efetivamente já era uma praia de desonestidade como ensina o grande Roberto da Matta, pelo menos havia alguma decência ou vergonha. O comum que se supunha, como malandragem oficial, era o velho golpe do paletó na cadeira para fingir que o funcionário público estava na casa.

                Atualmente é o Estado-mundo-corporativo, do dinheiro. Mas há exceções. Sim há, mas em termos de certos postos e cargos, a exceção não é de desonestidade, mas de honestidade. O Brasil é sangrado por “autoridades”. Não é à toa que Marcio Moreira Alves, Histórias do Brasil profundo, p. 12, já dizia: “Só rouba o Estado quem tem poder, sobretudo o poder de fiscalização. E ninguém rouba sozinho.” Nada como o intelectual para ler o fato social. A coisa virou quadrilha, está tudo organizado e não mudará, claro que não. É o direito adquirido do ilícito impune que, diga-se de passagem, gosta de ser chamado de “excelência”.

                É interessante como políticos de Cpi, por exemplo, se tratam por “excelência” e tratam o resto, o povo que paga a conta, por “senhoria”. Há o maior ciúme no tratamento “excelencial”, e ai de quem confunda, pode dar prisão por desacato gramatical. O grande Ives Gandra Martins, no II Congresso Nacional Contra a Corrupção, o qual tive o prazer de participar, abordou que o certo é tratarmos o presidente da República por “senhoria” e o povo ser tratado por “excelência”. Viva Ives e viva o povo-excelência.

                Para os incontáveis marajás do serviço público, a preocupação não é, jamais, com um “salário de fome”, mas com esse teto constitucional que beira os inacreditáveis, escandalosos e inexplicáveis 30 mil reais por mês. Alegam, alguns, certa inveja com a iniciativa privada para quererem ficar ricos no setor público, e ficam. E o povo que pague a conta.

                O jornalista Augusto Nunes, Veja, 21/07/2012, reproduz curiosa fala de ninguém menos que o sr. Henrique Calandra, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil: “Se colocam aqui outras situações, pessoas que ganham salários pequenos e que se sentem humilhados quando se divulga. Qual a mulher que vai querer namorar uma pessoa que ganha mal?”. Que mente jovial e “namoradoira” desse senhor. O jornalista remata, claro: “Esse senhor se mostrou indignado com a divulgação dos contracheques de quem trabalha no Poder Judiciário e debochando do idioma e da inteligência alheia para explicar que não está preocupado com a reação dos brasileiros surpreendidos pelos rendimentos de marajá dos colegas, mas com os porteiros e ascensoristas que vão ficar sem namorada.”

                Parece piada. Exatamente quando toda a imprensa revela os salários, é 80 mil para cá, 100 mil para lá, 60 mil para cá, até uns “pobres coitados” ganhando só quarenta e poucos mil reais por mês. O que será do pobre Demóstenes que só tem 200 mil para receber do MP dos onze anos que não trabalhou no MP e terá que viver com ordenado de menos de 30? Certamente vai para terapia.

                Uma nova sociologia se firmou por meio de uma nova cultura do “aprovado” em concurso público. É a cultura da primazia salarial do funcionário público em forma luxuosa e estratosférica. A nova cultura é a de “autoridades” acharem que ganham mal. Coitadinhas. De aí, todos querem ganhar como presidentes de empresas de sucesso. Isso para “servir ao povo”.

                Admita-se discutir em valores concretos os ordenados, salários, subsídios ou sabe-se lá que pirueta jurídica se crie para poderem aumentar escandalosamente a grana no final do mês. Quase 30 mil reais é o teto para “autoridades” e, ora ora, com a transparência legal imposta descobre-se, por exemplo, que a senhora Eliana Calmon ganha mais de 50 mil por mês. Alguém bem infantil poderia resmungar “quem diria”. Calmon, reconheça-se, sacudiu poeiras valiosas no Estado que precisavam ser sacudidas. Mexeu com a ira de poderosos intocáveis. Mas não escapou à lei da informação. Sem comentários.

                Aí surge em alguns sabidos setores do Estado essa ira, autoritária e velhaca, da revelação dos salários... públicos. Por que autoridades se mostram tão enfurecidas? Se todo mundo sabe, de antemão, o teto de quase 30 mil por mês, por que houve tamanha aflição? Certamente foi porque aí e somente aí acabaram sendo reveladas coisas que não podiam ser. Mas o cargo público não é “público”? Qual a “infâmia” em se revelar o salário pago pelo povo para um cargo público? Ele não sai no editalzinho do concurso? O problema é que se achava que aquele salário era verdadeiro. Pois é. Não é.

                Qual é a quebra de ética, moral, respeito, decência e “intimidade” - a nova onda jurídica absurda invocada - para não se revelar salários públicos? Essa resistência toda, sabia-se, escondia o inescondível. Ou melhor, o ilegal.

                Cai a máscara e a a história não falha. Ficou na cara essa reação enérgica de alguns do Poder Público com a “infâmia” e o desrespeito à “intimidade” - que farisaísmo-, que seria revelar salários. E o sr. Calandra preocupado se os seus teriam namoradas, que sujeito sensível e amoroso (gostei dele).

                A alegação de que salários públicos pertencem ao sagrado direito constitucional da “intimidade” só pode ser piada. O Estadão revelou salários estratosféricos de autoridades paulistas, alguns ultrapassando a casa indecente de 100 mil por mês. Ainda bem que se vive a democracia, se não sumia o Estadão.

                Quem vencerá? Talvez o Supremo, que precisa dar exemplo, tenha força de impor ao país a transparência. Talvez. Enquanto isso a imprensa faz o seu papel. Exige, sim, moralidade com o que se paga de carga tributária, não para fazer as autoridades felizes e preocupadas apenas com seus meses (no plural) de férias por ano, mas com um Estado mais honesto. Jean Menezes de Aguiar.

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