Algumas pessoas são como grama, se magoam. Ou grama também não é um ser humano (igual a essas aí?)
Artigo publicado no Jornal O DIA SP, 24.5.2012
Há um tipo de gente no mundo, bastante conhecida, que “se ofende”. É uma gente chata que se sente desrespeitada por qualquer coisa, se magoa, se vitima e tem problema com tudo. Vive patrulhando os outros, querendo que qualquer coisa negativa dita, ainda que em tese, tenha sido contra a sua pessoa. Esse chato adora vestir carapuças, claro, até porque elas lhe cabem perfeitamente.
Neste comportamento em ode à vitimização do sentimento, há um nítido pendor ao autoritarismo, ao conservadorismo e ao formalismo. O “respeito” reverencial e tradicionalista, no tratamento, será, para o ofendível, e invariavelmente cerimonioso, uma beleza estética de conduta. Uma verdadeira flâmula mental de um escoteirismo filosófico. O filósofo Luiz Felipe Pondé, na obra Contra um mundo melhor, mostra que “o normal é ser inseguro, mentiroso, covarde, e não santo ou corajoso”. Mas vá dizer isso a um ofendível. Ele baterá no peito e contestará enérgico: - isso pode ser você, eu não sou assim! Afirmará. Ok...
Não adianta o ofendível ler um artiguinho desses aqui em 10 minutos, concordar, se ajeitar na cadeira, produzir um pigarro e dizer - “é isso mesmo!” Não funciona. O comportamento de se sentir ofendido ou desrespeitado do chato não se endireita com uma leiturinha dessas.
E não se pense que isso é genuinamente brasileiro e fruto de uma observação fajuta. A filosofia clínica conhece essas criaturas. O mundialmente conhecido filósofo Lou Marinoff em seu livro Mais Platão, menos prozac – a filosofia aplicada ao cotidiano-, na página 70, ensina: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso; consequentemente, são elas que têm um problema.” Lindo. Ou como dizia Darcy Ribeiro: gozoso.
É exatamente isso. Essa é uma gente que põe a mão no peito e se diz desrespeitada. Quer “se” dizer afetada para exibir uma vitimização como escudo e daí invocar o “direito” de reclamar do outro. Nesse comportamento espumoso sobra pieguice de segunda e falta honestidade. É o chato presunçoso que invoca uma “moral” para recriminar alguém, se dizendo ofendido: quer poder e atenção. Não é à toa que Nietzsche (A genealogia da moral) dispara: “Todas as morais são configurações do Poder”, ou (Crepúsculo dos ídolos) ainda: “nada é mais raro entre moralistas e santos do que a retidão”.
Não há, para o ofendível, o senso de humor, a alegria de jogar conversa fora e rir das próprias mazelas ou bobagens. Tudo é levado para o “lado sério”; e chato. Esta figura é intelectualmente uma perdedora e socialmente uma vitimada. Quando é apenas isso, menos ruim. Muitos se tornam agressivos e ofensores. Por isso Oscar Wilde já disparava “Um chato é um homem que nunca é rude - sem querer.”
Para o ofendível há palavras “proibidas” que ele patrulha nos outros. Compõem o seu menu de proscrição, por exemplo, palavras como “burro”, “ignorante” e “imbecil”. Mesmo quando usadas jocosamente e sem qualquer carga que não a de brincadeira. O ofendível procura se ofender “por procuração” da sociedade, uma que não tem. Reage dizendo que não é correto se usar termos assim. Mas falar que alguém é “burrinho” pode. O ofendível aceita a mentira do eufemismo. Às vezes se vê aí uma bolorenta mistura de provincianismo com uma busca pelo “bom gosto”, no sentido de parecer pós-moderno. Viva Adriana Calcanhoto na música Senhas.
Há também temas preferidos dos ofendíveis. O famoso escritor inglês Douglas Adams, com o senso de humor que lhe era peculiar, dizia que se pode reclamar de partido político, dos impostos, da rainha e de tudo. Mas “não se pode” reclamar da religião e da fé. E perguntava respondendo: “-Por que não? Porque não, e pronto.” É tabu para muitos, mas para os ofendíveis será ofensa à alma. Já o grande zoólogo Richard Dawkins afirma que “a fé é especialmente vulnerável às ofensas”. Foi criado esse tecido inflamado que reage mal e em patrulhamento a qualquer crítica. Há um exército em prontidão.
A particularidade mais interessante no ofendível é que ele procura carapuças para vestir. Algo que seja dito totalmente em tese, sem qualquer referência à sua pessoa, servirá para que ele se apresse a se mostrar, reclamando, claro, sempre, ofendido, magoado. É o famoso “mala”.
Do lado antagônico desses chatos estão os geniais e bem humorados de todo tipo. É uma gente gostosa, mil vezes melhor e imprevisível, que tanto diz qualquer coisa, como aguenta ouvir qualquer coisa e o último que diria seria essa monotonia mental do “me sinto desrespeitado”. Vale ouvir a inteligência, brincando de setorializá-la a seguir.
Na literatura, Stendhal: “Todas as religiões são fundadas sobre o temor de muitos e a esperteza de poucos.” Na intelectualidade, Paulo Francis: “As massas, como os leões romanos, jamais passarão fome por falta de detritos culturais.” Na ciência, o biólogo Michael Ghiselin: “Arranhe um altruísta e verá um hipócrita sangrar”. No cinema, Ernest Hemingway: “Você tem que ser irônico desde a hora em que sai da cama.” Nas relações, após recusar a mulher do amigo Sartre, Beauvoir, há Albert Camus: “Imagine o que ela diria no travesseiro depois. Que chatice seria - tagarela, uma completa sabichona, insuportável!” E no fechamento do baú, Alexandre Dumas, impiedoso: “Prefiro os canalhas aos imbecis. Os canalhas, pelo menos, descansam de vez em quando.”
Qualquer dessas frases e tantas outras saídas de gênios maiores e ditas a um ofendível qualquer geraria reações de dor desejada; desrespeito reclamado; mágoa panfletária, e respostas autoritárias públicas, com acusações agressivas e imbecis, para usar a linguagem de Dumas. Mas a que sintetiza o ofendível é a frase acima do filósofo Lou Marinoff. Ali esstá a raiz de tudo, na própria pessoa, na própria personalidade. Não é nem tanto o elemento heterônomo, externo ao agente que o desestrutura, é a vontade de se dizer magoado, ou uma mediocridade ínsita, encrustada que se inflama e o leva ao ridículo de se dizer ofendido. Essa é uma gente trabalhosa e o melhor que há é mantê-la longe. Inclusive nos Faceboxs da vida. Que falta faz Nelson Rodrigues. Jean Menezes de Aguiar.
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