domingo, 20 de maio de 2012

Ciência e religião.

 

Qualquer religioso, crente, fiel, devoto ou o nome que se imaginar, pode xingar à vontade a ciência, a filosofia, os cientistas e os filósofos em geral. Sem um pingo de sentimento de culpa, remorso, pena, temor, cerimônia ou medo de parecer deseducado, deselegante, antiético, desrespeitoso, agressivo, boçal ou truculento. Podem chamar a ciência e seus usuários em geral de mentirosos, safados, charlatães, falsos, vigaristas, canalhas, devassos, pecadores, traidores e efetivamente todo o rol de palavrões existente em todos os idiomas e dialetos.

A reação mais provável que conseguirão de cientistas e filósofos será um riso incontido de canto de boca, ou mesmo uma série de gargalhadas barulhentas se, por exemplo, filósofos e cientistas alemães estiverem num botequim carioca enchendo a cara, acompanhados de maravilhosas prostituídas à disposição, para lhes “recompensar” pelas agruras e dedicação das pesquisas, noites mal dormidas, contas, cálculos, pensamentos, teorias e uma infinidade de textos e livros que entulham o banheiro da casa, a cozinha, a sala, o quarto, o automóvel e todos os lugares onde for possível enfiar um algo escrito. Além de custar grana, muita grana. Livro é um opção de vida que custa dinheiro.

Cientistas e filósofos não se sentem agredidos, magoados e muito menos desrespeitados, se qualquer um xingar o conhecimento deles. Eles têm a serena aceitação de seus pares, outros estudiosos sérios que avaliam, testam e qualificam o conhecimento como ele é, em sua essência objetiva. Não precisam da adesão de leigos. É por isso que o grande biólogo brasileiro Paulo Emílio Vanzolini, em entrevista à poderosa revista Ciência hoje (v.20, n. 119, 1996, p.52), perguntado se não tinha que usar uma linguagem mais “popular” nos seus estudos, respondeu deliciosamente: “Sou elitista mesmo. Faço ciência para mim e mais meia dúzia de caras. Cada um que faça o seu serviço e me deixe com o meu.” A ciência é assim, totalmente democrática para quem quiser se habilitar nela por meio do estudo e formação e leva anos. Ficar de fora resmungando nem arranha a ciência, não conta, seja quem for.

Não há no relato dos historiadores da ciência e nos livros de metodologia científica nenhuma pesquisa no pós-obscurantismo, nada, zero, que tenha lançado mão de algum “método teológico” ou oriundo da revelação ou qualquer dogma religioso para concluir qualquer tipo de conhecimento minimamente científico. A ciência se basta e vive, metodologicamente, por ela e para ela e para o que a sociologia da ciência diz ser o seu papel: melhorar a vida em sociedade no quanto consiga.

Ciência pode ser conceituada em duas palavras: conhecimento metódico. Entenda-se método aí, o científico, basicamente dotado de demonstrabilidade, repetibilidade e experimentabilidade, na visão aristotélica. Atualmente é a mera busca de explicações e soluções, nada que ver com a balela da “verdade absoluta”. É por isso que Carl Sagan ensina que o método é mais importante do que a descoberta. É exatamente o método que não outorga à astrologia ou à psicanálise, por exemplo, o conceito de ciência. Podem até a astrologia e a psicanálise ser “conhecimentos”, mas nunca serão científicos. É o que os estudiosos chamam de pseudo-ciência.

Já a religião (o conhecimento teológico), algumas delas de forma muito nítida, vive duas “guerras” para conseguir “adeptos”, ou fiéis, crentes, devotos etc. A primeira é com a busca de novos integrantes; para isso precisa convencer, atrair, atemorizar, prometer salvação, prometer desvendar mistérios e confortar etc. A segunda guerra é a da concorrência que se estabelece em sociedades laicas onde a religião pode ser encarada legalmente com um negócio, comprando prédios, hotéis, restaurantes, escolas, aviões, pagando cachês, salários, honorários, despesas, requerendo consultores, financistas, administradores, diretores, gestores etc. O problema é que a epistemologia do conhecimento teológico se apoia no dogma, na crença. Isso precisa ser explicado e diferençado da epistemologia do conhecimento científico.

Cervo, Bervian e Silva, tradicionais e famosos metodólogos brasileiros, em sua obra clássica Metodologia científica, ensinam a diferença de tratamento e método que a ciência e a teologia dão ao mistério: “Duas são as atitudes que se podem tomar diante do mistério. A primeira é tentar penetrar nele com o esforço pessoal da inteligência. Mediante a reflexão e o auxílio de instrumentos, procura-se obter um procedimento que seja científico ou filosófico. A segunda atitude consiste em aceitar explicações de alguém que já tenha desvendado o mistério e implica sempre uma atitude de diante de um conhecimento revelado.”

Essa dicotomia na epistemologia de ambos os conhecimentos é crucial. Para quem tem a atitude de “aceitar” a fé teológica, como ensinam os autores, não adiantarão provas, equações exatas, demonstrações científicas, nada que possa pôr em risco a sua fé. Sempre terão um argumento essencialmente falacioso e bambo para tentar “relativizar” demonstrações científicas obtidas com o rigor do método. A essa aceitação não metódica e inamovível se dá o nome de fundamentalismo religioso. Já ao cientista, se provas houver de que ele está errado, obedecido um óbvio método objetivo, aferível por qualquer outro cientista, independente de crenças e fé, ele muda de posição sem qualquer dificuldade. Não há sobrenaturalidades ou mitos que o prende a uma conclusão científica. Ele não “acredita” que H2O2 seja água oxigenada. Ela é água oxigenada, e isso independe de qualquer revelação.

Em tempo, adianto que não vou responder a nenhum fundamentalista religioso que "queira" não entender o texto e objetá-lo com crendices, duendes, livros "sagrados", deuses, santos, papais-noéis, demônios e capetas, "métodos teológicos" e outras bobagens que não interessam em NADA à ciência. Para estes, sintam-se livres para achar que o meu texto é imbecil e sejam felizes (faço minhas as palavras poéticas de Vanzolini). Contribuições e erros apontados com a metodologia natural da ciência ou da filosofia serão muito bem-vindos. Jean Menezes de Aguiar.

2 comentários:

  1. Recebi um recado aqui no Blog de um tal de “Marconi Torres” que não imagino quem seja, até aí, zero de problema. Mandou um recado dizendo que eu “o excluí do debate”; mas eu não excluí ninguém, rs... Relata que um TEÓLOGO(!), Alister McGrath é pós-doutor em Oxford em biofísica e “quem seria eu” para desqualificá-lo. Mas que bonitinho, rs... Bem, que eu não sou ninguém para desqualificar ninguém, isso tá dito aqui, aliás cito Popper como meu ídolo se dizendo um “Zé Ninguém”. O seu Torres aí não deve ter lido direito o meu bloguinho. Mas dando tratos à bola, o problema do meu questionador obstinado pode ser de “adequação metodológica”, isso para leigos pode ser meio complicado (imagino que ele não trabalhe com ciência). Mas vou tentar explicar.
    Se quero discutir ciência (ela tem seu método), não há o MENOR espaço para um teólogo/teologia (outra visão, outro método) na discussão. Pouco importa, até, se o teólogo NO PASSADO recebeu um prêmio Nobel etc. Se a conversa será pela “autoridade” comum do método teológico, o dogma, a crendice e outros mecanismos do conhecimento próprio da teologia e não pelos métodos da ciência, não se trata de eu “desqualificar”, há imcompatibilidade. Apenas isso, viu seu Torres?
    McGrath, se não parou de estudar biofísica, deve saber muito da área, mas um brazuca aqui qualquer USAR a titulação dele para enfiar crendice na conversa de ciência, não rola. Primeiro precisa estudar Metodologia Científica pra entender as diversas epistemologias. Acredito mesmo que os livros ou textos de biofísica de McGrath, ao tempo em que NÃO era crente, devem ser efetivamente bons e, esses sim, me interessariam (aceito de presente). Mas a partir do momento que ele “evolui”, rs..., para a teologia, abrindo mão do método científico - tem que abrir, não tem jeito -, aí, PARA MIM, e para qualquer metolódogo, perde o interesse.
    Para o insuperável Richard Dawkins também perde o interesse. Em sua maravilhosa obra Deus um delírio, p. 87, o renomado zoólogo afirma: “Que conhecimento os teólogos podem acrescentar a dúvidas cosmológicas profundas que os cientistas não possam?
    Assim, seu Torres, não lhe excluí não. Fui honesto com suas palavras no recado e suas considerações, e abordei-as com o pouco de elegância que há em mim, rs... Só não quero vc no meu blog. Nem fudendo ponto com ponto br. Não tenho tempo a perder com crendices, dogmas e outras historinhas da carochinha. Aliás, o Santo Sudário, a ciência desvendou, é a cara de Leonardo Da Vinci, para desespero dos cristãos (e tenho inúmeros grandes amigos queridos que não são nem um pouco chatos). Abraços gerais e afetuosos. JMA.

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  2. Ciência e religião, tal assunto muito me agrada, principalmente por ser adepta a uma doutrina, que tem por base a própria ciência, é duvidoso pensar assim, uma vez que várias religiões concentram-se em guerras internas para não só atrair adeptos, como garantir a permanência de seus fiéis, daí prometem o seu como garantia desta. São cegos a admitirem que a ciência é certa, não ultrapassam nem uma linha do que chamam de "livro sagrado", que para mim, nada mais é do que o primeiro livro da humanidade, que possui sua importância, entretanto, nada mais que isso, o resto é tudo "publicidade religiosa"..Creio na fé raciocinada, aquela que não dispensa ciência, tampouco a filosofia! Estamos no século XXI, não admitir a contribuição da ciência é ignorar a própria existência! Sou a favor da tríplice: ciência, filosofia e religião. Não é a toa, que em pleno século XIX, o conceituadíssimo professor e cientista Hippolyte Léon Denizard afirmou "Se algum dia a ciência provar que o Espiritismo está errado em algum ponto, abandone este ponto E SIGA A CIÊNCIA". Essa sensatez e bom senso me encanta!

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