sexta-feira, 20 de abril de 2012

A feminilidade na flor da idade e o desespero

Søren Kierkegaard
O dono deste olhar que conquistou o próprio eu, podia teorizar a fé; este podia!

[Filosofia. Desespero. Inocência. Rompimento. Mulheres. Futilidade. Tragédia pós-moderna]

Na obra O desespero humano, o filósofo Søren Kierkegaard liga a feminilidade na flor da idade ao desespero. O paradoxo é triádico e sedutor. Primeiro a inocência é inquestionavelmente bela e adorável, virginal, e mesmo assim é desespero: o porvir de sua perda assusta. Segundo, toda inocência, com sua paz e segurança ilusórias é angustia. E terceiro, a inocência não é bagagem que se qualifique para se atravessar a vida. Se a ela não se adere nada, há uma felicidade inocente que só produz desespero. A inocência não serve para se viver a vida. Não cabe a inocência no adulto, dele não se pode esperar a inocência, e de um então fatalmente inocente nenhum adulto quererá para conviver.

Noutra análise há: o desespero será a doença, cujo mal pior é não se ter sofrido e a divina felicidade é suportá-lo, ainda que essa doença seja a mais nociva de todas. Há aqui uma circularidade endógena em torno do desespero. Sua nobreza teórica lhe dá o status de doença, mas pior do que sua existência na vida é uma vida sem ela. O desespero mundano e pecaminoso da paixão ardente, vulgarizado e vil.

A adultice, que não é um estado perene e obrigatório, se compraz com o desespero inventando formas subjetivas de enganá-lo e com ele melhor conviver. Quanto menos inocência, mais criativas as formas de enganar o desespero. Por seu turno, a inocência é um hímen social a ser rompido pelo toque táctil a se transitar entre a própria inocência impura e o desespero. Impura porque ao referido toque jamais voltará a inocência a ser angelical, o desespero não se contamina pela feminilidade, mas ela se atordoa com ele. A migração não é bilateral, não há simbiose.

O desespero é gradualizável, indo desde uma imagem perceptível dele até a angústia máxima kierkegaardiana de, por sua tortura, não se poder morrer. A impossibilidade da morte aí esbarra noutro conceito dos mais nobres, o suicídio. A relação entre o desespero humano e o suicídio é completa, chegando a se dizer que ele é seria a única cepa filosofal total [totaliária], porquanto maneje pragmaticamente a finitude da própria existência, não apenas a física, mas a que envolve o ser - no conceito clássido -, a referencial, a de possibilidade de valoração e a sensível metafísica.

Por fim, Kierkegaard aponta o desesperar-se como um sentido que qualifica o homem acima do animal. Há inúmeras percepções que buscam qualificar ou descobrir o que torna o homem superior ao animal. Há quem se refira não à fabricação da ferramenta, mas ao aperfeiçoamento dela. Já o biólogo Frans de Waal (A era da empatia, p. 187) trabalha com a expressão verbalizada de um mero desejo de bom dia, como tipicamente uma característica que poria o homem acima do animal, já que a conhecida empatia animal não chega ao viés de recomendação ou de desejo. Mas a contundência autoconsumível e em certa medida antropofágica do desesperar-se dá o tônus antitético à inocência. Aqui abrem-se as imensas portas dos diversos castelos dos grandes sonhos humanos aos sentimentos mais impactantes como o amor, a atração sexual, a paixão e a aflição. Será com o desespero que a personalidade se poemizará e poderá ser reconhecida como avessa à inocência ou à feminilidade em flor. Se se quiser, constroi-se uma das grandes tragédias da pós-modernidade com o conceito, com burras-velhas, muito mais burras do que velhas, impondo-se magrezas corporais artificiais e um olhar alegre-fútil para mentir uma inocência já arrombada há anos. No caso dessas mulheres atuais pós-fúteis não será o desespero que as qualificará - essa nobreza intelectual não se lhes toca -, mas a aporia de um resgate à feminilidade em flor que a vida não pode sustentar para sempre, nem nessas mulheres especificamente imbecis. A conclusão é que essas - e homens assim igual, é claro - não merecem o desespero kierkegaardiano. Merecem a ocuidade, e têm-na, em sobra espumosa. Jean Menezes de Aguiar.

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