Há coisas que faltam na formação jurídica, muitos dizem. O Exame da OAB sendo uma enorme barreira à profissão e as reprovações maciças em concursos públicos mostram uma ponta de iceberg. Mas aí, mede-se somente uma formação técnica do direito. São pelas conversas informais e descompromissadas com profissionais que se podem aferir outras carências. Estas, muitas vezes, expõem uma total falta de intelectualidade (tudo bem, é pedir muito), ou falta de modernidade com leituras e valores sociais. Sobram visões autoritárias, legalistas, tradicionalistas e personalistas. Assim, três problemas podem ser apontados na formação.
O primeiro vem de fora, são conhecimentos científicos necessários, que o direito evita. O biólogo mundialmente conhecido Frans de Waal, no último livro A era da empatia, dispara que “os estudantes de direito, economia e política carecem dos instrumentos para examinar a sociedade humana com alguma objetividade.” Não está errado. Não se pode, sob o manto fechado das ciências humanas, desconhecer fatos biológicos, antropológicos e outros do homem, como reações, empatias, espontaneidades, conflitos, atrações etc. Há estudos de comportamento na ciência que poderiam ser utilizados no direito. O saldo do desconhecimento são análises particularistas, reducionistas e com insuficiências para uma leitura complexa e juntiva.
Talvez tenha sido Edgar Morin na década de 1970, com a famosa e difícil obra O método, originariamente em 4 volumes, quem inaugurou, pela interdisciplinariedade, a necessidade do conhecimento juntivo. Depois, com as obras Introdução ao pensamento complexo e Religação dos saberes, cujos títulos já demonstram a que vêm, sedimentou como o conhecimento deve ser complexo e plural, sua marca inconfundível. Assim, é pela pluralidade que se verá a pobreza do conhecimento especializado ou unicista.
O segundo problema está no plano metodológico. Alguns profissionais não têm a menor resistência a uma conversa permeada pela metodologia, veem-se cansados. Partem para a “agressão” com subjetivismos como “a minha tese”, “ao meu sentir”, “a meu ver”, “eu penso que” e outros ícones da “achologia” ou “achismo” epistemologicamente frouxos. É a praga da “opinião”, que o filósofo Gaston Bachelar diz que precisa ser “destruída”. Até alunos de mestrado e doutorado em direito acham lindo dizer que odeiam metodologia científica. É inacreditável. Como pensam cientificamente? A porta de entrada da ciência é a metodologia. Daí percebe-se que os bate-papos serão autoritários.
Como terceiro problema há as lacunas internas, uma falta de estudo do próprio direito. Eduardo José da Fonseca Costa, juiz federal, em sua ótima obra O direito vivo das liminares, 2011, analisando a dogmática jurídica, divide-a em 3 modelos: analítico, hermenêutico e pragmático, e faz uma afirmação séria. Diz haver “uma sobrevalorização das construções analíticas, por um relativo desinteresse pela hermenêutica e por um total desprezo pelas pesquisas pragmáticas.” Um direito manejado assim será um direito “rápido”, utilitarista, mas essencialmente defeituoso.
A partir daí, abrem-se alguns questionamentos. Advogados, juízes, promotores e outros do direito precisarão apenas e tão-somente de uma formação mínima para atender a questões sociais que não demandam invocações científicas? Esta é uma visão; mas bastante apequenada. Num outro extremo, talvez intelectuais como Morin pedissem uma formação jurídica receptiva a outros saberes. O caso é que como o Brasil buscou nas últimas décadas apenas “quantidade” de alunos em universidade, ao preço de qualquer qualidade, a formação virou lixo (não só no direito!). A OAB, por exemplo, só recomenda 7% dos cursos de direito no país. É caótica a situação.
Some-se a isso, a invenção do “Ctrl” no computador, o famoso copiar & colar. Está-se na era da notícia, da informação, da fofoca e da “Caras”; não do conhecimento. Isso tem feito rombos na ética. Antigamente copiar trabalhos dos outros era uma “coisa feia”. Hoje, parece que virou regra. Ou “chique”?
Sobram nas conversas informais com profissionais do direito o tônus da vaidade e da arrogância. A humildade dos estudiosos, a complacência dos gentis, a eterna dúvida dos pesquisadores parece não caber na formação jurídica em tempos de Google onde todo mundo “sabe tudo”. Outrossim, o chamado mundo corporativo acha lindo difundir competição e não gentileza. O saldo desses dois fatores, arrogância + competição vem compondo um profissional com Gumex no conhecimento, brilhantina no comportamento, e gel na criatividade. Os moços de terno preto e as moças com bolsas de marca.
Os livros de Negociação ensinam 2 focos: o foco no problema e o foco na barganha posicional. Quando se discute o problema, esquecem-se posicionamentos, e as soluções são melhores. Quando se estabelecem barganhas presta-se atenção aos negociadores e aparecem conceitos de vencedor e derrotado, ou seja, não se negocia de modo saudável. No direito a impressão é que só há barganhas posicionais, tamanha a preocupação com “pontos de vista” e a vaidade da paternidade do argumento, não sua construção lógica.
Talvez isso explique a imensa diferença que há entre o discurso nos livros e o que se vê pessoalmente em conversas informais. Os livros tendem a ser científicos, já as conversas tendem a ser vaidosas. Por causa desta diferença, quase que é recomendável, em caso de dúvidas, não se perguntar a humanos no direito, mas à meia dúzia de livros. A diferença nas “respostas” é imensa. Parece que humanos, no direito, não sabem falar “eu não sei”.
Mario Losano já distinguia o estudioso do profissional, mas a sociedade gosta da “segurança” (leia-se, vaidade ou autoridade) do profissional. Isso mesmo, uma parcela grande da sociedade “compra” histórias de sucesso, mesmo que estapafúrdias e falsas. O consumismo tem pressas. Não se trata de idealizar um profissional estudioso. O Brasil não plantou essa semente, ainda que esses haja naturalmente por aí. Mas são raros. Jean Menezes de Aguiar.
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