quarta-feira, 3 de abril de 2013

Passivo trabalhista



É uma festa

 Artigo publicado no jornal O DIA SP, semana de 4.3.13

                Com o acesso à informação, a “sensação” de conhecimento aumentou muito. Conhecimento é um traço de poder. Todos querem. Muitos acham que basta o Google para conseguir. Mas não é bem assim. Conhecimento é a possibilidade de interpretar um dado, ou mesmo transformá-lo. Para isso, são necessários princípios e regras específicos de cada área. Alguns são bem difíceis. Em setores “populares” como o Direito, isso vira uma maluquice. Todo mundo opina e “acha” um monte de coisa.

                Nas relações de emprego há 3 grupos de patrões. Os corretos, os ingênuos e os malandros. Os corretos pagam os direitos dos empregados normalmente. Os ingênuos não cumprem alguns deveres porque não buscaram informação certa. Tudo bem que o inferno está cheio de bem-intencionados. Por fim há os malandros, os que acham que conseguem driblar a lei, inventar coisas que  Direito ainda não pensou. Aqui está a piada jurídica.

                O Direito é secular, não nasceu anteontem. Gerações inteiras de juristas que vão se sucedendo já pensaram todos os tipos de relações sociais que envolvem direitos trabalhistas. As relações já foram objeto de discussão em algum livro, em algum tribunal. Assim, um patrão imaginar que pode “inventar” algo ou enganar a lei é de um primarismo mental absoluto.

Como se não bastasse, no Direito do Trabalho existe o princípio do “contrato realidade”. Com ele, as relações simuladas ou ilegalmente impostas, todas, caem por terra. Basta, na audiência, o juiz ouvir por 20 segundos o empregado e fazer as perguntas corretas, o que não é difícil. Uma relação de emprego não é o que o empregador “quer” que ela seja, ou “acha” que ela é. Será o que o Direito extrai dela. Por isso as simulações e imposições ilegais nas relações são tão facilmente percebidas nos tribunais.

                Muitos contratam um empregado tentando “disfarçar” a relação de emprego. Modernamente, gurus de autoajuda de empresários, sem o menor conhecimento com o bom e velho Direito do Trabalho, descobriram uma “nova maravilha” na contratação de empregados. Inventaram até um nome cínico para o disfarce: “colaboradores”. Só rindo. Falar “empregado” agora é feio ou politicamente incorreto. Tem que ser colaborador. Exigem do empregado inscrição de “autônomo”, para pagar por RPA – recibo de pagamento de autônomo. Ou pior, a abertura de uma empresa individual, para remunerar mediante nota fiscal.

                A consequência disso num processo judicial é, no mínimo, um passivo trabalhista certo. O passivo trabalhista é o acúmulo dos direitos não corretamente pagos ao empregado. É também o não recolhimento de encargos sociais que tocam ao empregador. Isso pode se tornar extremamente vultoso.

                O bom para o polo fraco da relação, o empregado, é que ele não precisa brigar ou se insurgir contra a situação danosa. Ela se mantém no tempo a seu favor. Ele pode simplesmente ficar quieto, por anos. Depois, salvo algumas exceções, recebe tudo na justiça do trabalho.

Uma relação de emprego para ser caracterizada como tal tem seus requisitos que, basicamente são: trabalho por pessoa física; não-eventualidade; onerosidade; subordinação jurídica; alteridade.
                Esses requisitos permitem o princípio do “contrato realidade”. A relação de emprego é “perceptível” pela existência dos requisitos. Não adianta o empregador “querer” disfarçar ou “supor” que não é bem assim. Se para o Direito a percepção for de relação de emprego e os direitos e deveres não estiverem corretos, dá-se o passivo trabalhista. Uma ação judicial do empregado forçado a se travestir de “prestador de serviço” ou de “empresa” deverá gerar, sem problema, uma sentença de procedência a favor do empregado.

                Em Direito, os polos jurídicos fracos são protegidos. Na relação pública é o cidadão em relação ao Estado. Na rua é o pedestre em relação ao automóvel. No consumo é o consumidor em relação à empresa. Na relação de emprego é o empregado em relação ao patrão. Isso não é invenção brasileira. É lógica jurídica. Por isso o contrato realidade é um fenômeno que vale “mesmo” contra algumas provas que poderiam ser “objetivas” a favor do empregador, como uma declaração ou confissão do empregado.
 
                Qualquer documento ou declaração que o empregado assine para ter seus direitos diminuídos ou afetados, diante do princípio do contrato realidade, simplesmente não vale. 

                Há casos de escolas e hospitais que exigem dos empregados uma declaração assinada por eles de que desejam reduzir carga horária, reduzir salário, não tirar férias etc. Há também quem exija declaração do empregado dizendo-se não empregado, mas mero prestador de serviço. O empregado pode assinar toda esta tralha. O passivo trabalhista estará crescendo em desfavor da empresa. Essa é a regra do jogo.

                Também registros em sindicatos, associações, polícia, ou mesmo falta de regularização de uma ou outra atividade não afastam relações de emprego. A regra geral é: ter alguém trabalhando, fazendo “coisinhas” para quem lhe paga, com habitualidade e remuneração combinadas, gera relação de emprego. 

                A professora Marilena Chaui, na obra Cultura e democracia, p. 353, ensina que o Brasil conservou “as marcas da sociedade colonial escravista”. O escravo não era pessoa, era uma coisa, vendível. A visão da relação de emprego guarda certo vício daí. Veja a empregada doméstica, que a hipocrisia social chama de “secretária”. Somente esta semana passaram a ter direitos trabalhistas plenos. 

                Há tônicas bem conservadoras com a visão da relação de emprego. Peripécias são feitas em contabilidade, contratos, estatutos sociais, contratos de gaveta, tudo para se disfarçar e desconfigurar relações de emprego. Mas o passivo trabalhista é imune a isso tudo. A saída é cuidar com profissionalismo e correção dessas relações. Vida longa e tranquilidade aos bons patrões. Justiça do trabalho aos outros. Jean Menezes de Aguiar.

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