A festa da riqueza
Com o
Mensalão o Supremo Tribunal Federal virou pop. Seu ícone atual, Joaquim
Barbosa, ganhou status, no colo da
mídia, de star. Percebeu que suas
frases de efeito – e seu temperamento – serão devastadores nas manchetes de uma
imprensa ávida por escândalos. Mas isso é somente a espuma. Há dois buracos
mais embaixo. Um o que efetivamente mostra a existência de mutretas
intermináveis no país, praticamente diárias. O outro, da sociedade que se
mostra enlouquecida em comprar sensacionalismo e “justiça”, ou o que se possa
entender por este conceito.
Com o consumismo a justiça
entrou na moda. Berra-se por justiça. Fazem-se passeatas por justiça. Criam-se
ongs globais e interplanetárias por justiça. Justiça passou a ser o alimento
mais imediato e barato do consumismo quando algo dá errado. E como há uma
adoração por “reclamar”, viva a justiça. Passamos a ser uma sociedade da
reclamação, como se fôssemos perfeitos e éticos. Marilena Chaui chama esta onda
de “ideologia da ética”. Apenas uma ideologia, não há a ética em si. Reclama-se
por correção, ainda que mentirosamente.
Esta semana ouvi no supermercado
Pão de Acúcar, esquina das Avenidas Francisco Morato e Jorge João Saad que 300
carrinhos simplesmente sumiram. Isso mesmo. Com a proibição das sacolas
plásticas, há tempos, clientes levaram os carrinhos para casa. E não devolveram.
Há, nessas mentes a invocação de “uma” justiça. Bem maleável, como ensina Hans
Kelsen na obra O problema da justiça. Algo assim: “como não me dão mais
sacolas não estou ‘muito’ errado em levar um carrinho, afinal como vou
descarregar as compras em casa?” O “afinal” é o fundamento, a razão. Isso aí a
1,5 quilômetro do estádio do SP, em pleno Morumbi, uma região “chique” (...) de
São Paulo.
Provavelmente muitas dessas
pessoas “descoladas” e “politicamente corretas” participam de passeatas pela
“paz” e se mostram engajáveis em algum movimento cujo nome anteceda a expressão
“do bem”. Ciclistas do bem, investidores do bem, empresa do bem etc. Os
monstros não são os bichos, somos nós, humanos que matamos, roubamos, estupramos.
E babamos discriminação como presidentes de comissões legais, estatais, oficiais
aí.
Joaquim Barbosa esta semana deu mais
um presentão para a imprensa. Ou meramente “contou”, coisa que os conchavos
proíbem. “Revelou” que houve “conversas sorrateiras” para a criação de 4
tribunais à bagatela de 8 bilhões de reais. Pois é, passou a haver no serviço
público uma ode ao Estado, à oficialidade. Assim, que se jorre o dinheiro da
sociedade para palácios, monumentos, comemorações, viagens, passeios,
representações etc.
No entrevero anunciado, na sala do Supremo, já que se
sabia que JB era contrário à criação dos tribunais, foi autorizada a
participação da imprensa. Uma primeira indagação: por que um assunto
institucional com um embate certo precisaria ser “transparente” à imprensa? Uma
resposta é: pela candura de devoção à transparência. Isso beira à ingenuidade.
Outra resposta é querer, JB, que o escândalo certo causasse sensação na
sociedade para ela “defender” a tese contrária à construção dos tribunais
bilionários. Uma última é palanqueal: se é verdade que JB vai ser candidato à
presidente da república, quanto mais marola na defesa da sociedade “melhor”. Para
ele.
Joaquim não está errado quando afirma que associações
de classe não podem falar oficialmente pelo Judiciário, pelo Estado. Isso tem a
ver com a natureza jurídica dessas entidades que, jamais são órgãos estatais. E
o órgão oficial que, sim, representa o Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça,
curiosamente não foi ouvido. Tem coisa aí. Não interessa se uma ou outra
associação existe há 40 anos, como defendeu um dos presidentes. Antiguidade
não outorga natureza jurídica de oficialidade a uma mera associação de classe.
Por outro lado, as falas de JB foram para lá de
organizatórias. Chegaram ao autoritarismo quando impuseram um público calaboca no
juiz apenas por negar a tese da “conversa sorrateira”. Aí, Barbosa que atira a
primeira pedra deve imaginar que a resposta virá, elaborada por pessoas
inteligentes e com tempo para orquestrar a contestação. Saldo: todas as
associações e a OAB se manifestaram contundentemente contra JB. E por mais que
o presidente do Supremo possa ter ficado conhecido como um Batman nas redes
sociais, ele é apenas um. E não é, de verdade, o Batman. As respostas expuseram,
ou sugeriram, um JB descontrolado, o que pode ser ótimo para uma campanha
política, no sentido de “autenticidade”. Mas péssimo para um magistrado em
atividade.
Isso tudo, ainda, não é made in JB. Há retratos sociais nítidos
aí. O sociólogo Zygmunt Bauman, na obra Vida
líquida, p. 67, mostra que requentamos a sociedade do olho por olho, num
modelo de vendetta (vingança). Não se
berra por vingança, que é feio, mas por “justiça”, ainda que o ódio possa estar
nítido. Se é “justiça”, tribunais bilionários “podem”, afinal farão justiça. O
pastor-deputado da comissão de direitos humanos que diz que Deus vingativo
matou John Lenon porque Lenon sugeriu os Beatles como religião, terá mais
votos. Ele invoca nada menos que uma justiça divina. Maluca, mas invoca.
A sociedade se alimenta disso. O pacatamente ordeiro,
o carinhosamente amigável e o belamente gentil são rotulados de bobos. Do mesmo
jeito que o que busca racionalidade e lógica é tido como radical. Não se
percebe o absurdo que são 8 bilhões de reais num país em que nem todos têm água
potável para viver e outra parcela acha “genial” comprar água para beber em vez
de um filtro. Isso no país da água. Legalistas dirão que os tribunais foram
“aprovados”. Essa é a sua “razão”. Jonathan Glover, citado por Amatya Sen, na
obra A ideia de justiça, p. 66,
dispara: “onde pode ser encontrado o remédio para o mau uso da razão?”. Razões
são “escolhidas”, umas em detrimento de outras. Essa é a grita de JB de que
houve uma má escolha.
Ouvi numa cidade do nordeste que ali havia apenas 50
automóveis, e todos “de luxo”. Eram as “autoridades” que circulavam “quando
iam” trabalhar. O resto da população andava a pé e de jegue. Em outros lugares, os prédios são apenas os
“palácios” oficiais, todo o resto da população habita casinhas quase de pau a
pique. Isto faz lembrar a velhaca teoria econômica do primeiro crescer o bolo
para depois dividi-lo. O Brasil já é o país do presente: para alguns. O
conceito de “justiça” com 4 tribunais sorvendo 8 bilhões de reais é a razão de
crescer o bolo (“justiça”) para depois se dividir (atendimento). Por outra
lógica, o povo precisa de atendimento hoje. A fórmula cretina do bolo já
mostrou sua mentira histórica.
Pelo volume de dinheiro envolvido no caso e o hábito oficial brasileiro de superfaturar tudo, e todos os envolvidos sempre se “darem bem” supõe-se que JB não tenha dito bobagem quando usou a palavra “sorrateira”. O futuro dirá. Para desespero da sociedade, parece que “o uísque” estava certo. Viva JB sem gelo. Jean Menezes de Aguiar.
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