A figura pública e agora televisiva
de Joaquim Barbosa, juiz do Supremo, acabou sendo responsável por cenas de
gosto discutível, esta semana, no julgamento do Mensalão. Destilou um
comportamento melindroso ao se dizer ofendido por advogados. Como qualquer
humano com suas idiossincrasias, deu mostras de representar bem a espécie no
quesito.
Primeiramente se incomodou, ou implicou
com causídicos que supostamente o teriam “ofendido”. Como se não bastasse, tentou
arrastar o Supremo para dentro da “ofensa”. Os colegas rechaçaram a tentativa de
plano, rápido. Não aceitaram o convite da socialização do imbroglio. Um
Barbosa querendo-se agredido, vilipendiado, desrespeitado e irritadiço foi
pouco para fazer valer sua convicção de que tenha havido a tal ofensa à mais
alta corte do país, como ele insistia. Começou manejando uma discutida sublimeza
ou elegância samaritana, ao afirmar: “Eu por pudor não quis transcrever a
integralidade das ofensas.” Ao que se ouviu imediatamente de outro ministro:
“Pois deveria!”. Barbosa poderia dormir sem essa.
No mundo jurídico, ofensa “pode”
ser objeto de crime, tipificado no Código Penal. Não o seria ali, como queria o
ministro, em relação à figura do advogado, já que ofensa de advogado na
discussão da causa não constitui crime. É isso mesmo. Está na lei: Código
Penal, art. 142, inciso I. Certamente foi por conhecer muito bem essa passagem legal
e não se assustar tanto assim com falas advocatícias que o equilibrado presidente
do Supremo negou a Barbosa prontamente ter havido tecnicamente “ofensa”.
Ainda, ofensa é um conceito que se
é levada a público ou a juízo, para se reivindicar algum efeito punitivo ou, ali
no caso, o “espírito de corpo” dos outros juízes, não se coaduna com essa coisa
de “pudor”. Ou se fala o que é ou, como se diz vulgarmente se entuba. Barbosa
se expos de forma cruel, para com ele próprio. Optou por um movimento tático totalmente
suicida em livros de Negociação: tentar convencer o outro não pela lógica, mas pela
emoção ou “altruísmo”, com essa manobra de prometer poupar a todos.
Como não teve coro, partiu, ele
próprio, para uma subofensa rarefeita, sem precisar nada e autorizando a
qualquer intérprete a supor o que bem quisesse. Disparou a frase aberta: “Cada
país tem uma justiça que merece. Justiça que se deixa agredir, se deixa
ameaçar, por uma guilda ou membros de uma determinada guilda, já se sabe qual é
o fim que lhe é reservado.” Aqui Barbosa perdeu a mão e, de novo, tomou um
fora. Foi contestado francamente por um Marco Aurélio quase que em prazer: “Eu
não me sinto ameaçado nem alcançado.” Daí, Barbosa enveredou pela grosseria: “Claro,
provavelmente vossa excelência faça parte.” Que coisa feia (e descontrolada). Cabem
análises nessa insistência belicosa de Barbosa, sob vários sentimentos usados
aí.
O primeiro, um razoavelmente
patético sentimento descrito por Lou Marinoff na obra Mais Platão, menos
prozac, a fls. 176. Diz o PhD em filosofia: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso;
consequentemente, são elas que têm um problema”. Não se usa aqui, apenas, a derrota de um
isolado Barbosa frente à unanimidade dos outros juízes em não ver qualquer
ofensa dos advogados. Mas até um sentimentalismo de Barbosa em se oferecer,
publicamente, como ofendido. A ofensa é uma perceptibilidade que “só” se pode
publicizar se houver uma prova objetiva muito nítida. Se não, ocorre justamente
o que ocorreu: vê-se uma pessoa “se dizendo” ofendida. Isso não é sinal de
força, mas de “problema”, na teoria precisa de Marinoff.
A
segunda coisa é a agressão à justiça do país, sugerindo-a, publicamente,
chinfrim ou, no mínimo discutível, e sabendo-se tratar de um juiz do Supremo.
Dizer que cada país tem a justiça que merece, tanto bate na sociedade, como na
justiça. Parece que a “experiência” de Barbosa com esses dois setores - Sociedade
e Judiciário - não é lá das melhores. Mas isso é um paradoxo, afinal ele é um
magistrado. Essa fala saída de um ministro do STF autoriza leituras heterodoxas
ou transgressivas. Para transgressores, anarquistas e incendiários, Barbosa
pode ter sido poético, mas por seu próprio tom autoritário na luta que travou,
parece não ter sido esta a intenção do ministro.
A
terceira e quarta coisas são a ameaça velada à desestabilização do país e uma
tentativa de insulto à classe dos advogados, na frase “justiça que se deixa agredir, se deixa ameaçar, por uma
guilda ou membros de uma determinada guilda, já se sabe qual é o fim que lhe é
reservado”. Que “fim” será esse? Ditadura? Caos? Desgoverno? E a justiça,
leia-se Supremo, “se deixa” agredir e ameaçar? Por fim a classe de advogados é
mesmo uma “guilda”? Um termo até gostoso de se ouvir (vai virar moda), mas parece
que Barbosa não sabe bem o que é o termo: uma associação com interesses comuns,
nalguns países da Europa, a partir da Idade Média. Nem o Brasil é na Europa; nem
se vive mais na Idade Média; nem a OAB é uma “associação”. Vai entender.
Por fim, para não deixar nada
barato, Barbosa rematou olímpico e provocador: “Eu lamento muito que nós como
brasileiros tenhamos que carregar ainda certas taras antropológicas como essa
do bacharelismo. A corte suprema do país, diante de uma agressão clara contra
um dos seus membros, entende que isto não tem nenhuma significação.” Talvez
fosse melhor que Barbosa falasse apenas por ele em termos de “taras”, pode
haver quem se “ofenda” com essas valas da personalidade. Será que sua
excelência não teria querido dizer “praga do bacharelismo”, expressão do grande
Sergio Buarque de Holanda em Raízes? Tara é algo tão ... “sexual”. Mas
tudo bem. Se quis tara, que seja tara. Somos tarados.
No fundo de tudo parece ficar
patente uma única baba a escorrer na boca da discussão: o autoritarismo. Isso é
que é uma pena. Egos inflamados costumam dar nisso. Mesmo que tivesse havido a
pior ofensa dos advogados a um juiz: a acusação de parcialidade. Parece ter faltado
a Barbosa um mínimo de ginga para driblar a situação, como fizeram, por exemplo
Marco Aurélio e mesmo o presidente do STF, e sair rindo do episódio. Levar para
o lado formalista, austero e repita-se autoritário não foi um bom movimento
tático. Logo Barbosa, precisamente ele, que é uma das esperanças de alguma
mudança numa justiça, sim, carcomida e ultrajantemente cara para a sociedade.
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