quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Joaquim Barbosa, o sensível


 
 Matéria publicada nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO) em 23.8.12

                A figura pública e agora televisiva de Joaquim Barbosa, juiz do Supremo, acabou sendo responsável por cenas de gosto discutível, esta semana, no julgamento do Mensalão. Destilou um comportamento melindroso ao se dizer ofendido por advogados. Como qualquer humano com suas idiossincrasias, deu mostras de representar bem a espécie no quesito.

                Primeiramente se incomodou, ou implicou com causídicos que supostamente o teriam “ofendido”. Como se não bastasse, tentou arrastar o Supremo para dentro da “ofensa”. Os colegas rechaçaram a tentativa de plano, rápido. Não aceitaram o convite da socialização do imbroglio. Um Barbosa querendo-se agredido, vilipendiado, desrespeitado e irritadiço foi pouco para fazer valer sua convicção de que tenha havido a tal ofensa à mais alta corte do país, como ele insistia. Começou manejando uma discutida sublimeza ou elegância samaritana, ao afirmar: “Eu por pudor não quis transcrever a integralidade das ofensas.” Ao que se ouviu imediatamente de outro ministro: “Pois deveria!”. Barbosa poderia dormir sem essa.

                No mundo jurídico, ofensa “pode” ser objeto de crime, tipificado no Código Penal. Não o seria ali, como queria o ministro, em relação à figura do advogado, já que ofensa de advogado na discussão da causa não constitui crime. É isso mesmo. Está na lei: Código Penal, art. 142, inciso I. Certamente foi por conhecer muito bem essa passagem legal e não se assustar tanto assim com falas advocatícias que o equilibrado presidente do Supremo negou a Barbosa prontamente ter havido tecnicamente “ofensa”.

                Ainda, ofensa é um conceito que se é levada a público ou a juízo, para se reivindicar algum efeito punitivo ou, ali no caso, o “espírito de corpo” dos outros juízes, não se coaduna com essa coisa de “pudor”. Ou se fala o que é ou, como se diz vulgarmente se entuba. Barbosa se expos de forma cruel, para com ele próprio. Optou por um movimento tático totalmente suicida em livros de Negociação: tentar convencer o outro não pela lógica, mas pela emoção ou “altruísmo”, com essa manobra de prometer poupar a todos.

                Como não teve coro, partiu, ele próprio, para uma subofensa rarefeita, sem precisar nada e autorizando a qualquer intérprete a supor o que bem quisesse. Disparou a frase aberta: “Cada país tem uma justiça que merece. Justiça que se deixa agredir, se deixa ameaçar, por uma guilda ou membros de uma determinada guilda, já se sabe qual é o fim que lhe é reservado.” Aqui Barbosa perdeu a mão e, de novo, tomou um fora. Foi contestado francamente por um Marco Aurélio quase que em prazer: “Eu não me sinto ameaçado nem alcançado.” Daí, Barbosa enveredou pela grosseria: “Claro, provavelmente vossa excelência faça parte.” Que coisa feia (e descontrolada). Cabem análises nessa insistência belicosa de Barbosa, sob vários sentimentos usados aí.

                O primeiro, um razoavelmente patético sentimento descrito por Lou Marinoff na obra Mais Platão, menos prozac, a fls. 176. Diz o PhD em filosofia: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso; consequentemente, são elas que têm um problema. Não se usa aqui, apenas, a derrota de um isolado Barbosa frente à unanimidade dos outros juízes em não ver qualquer ofensa dos advogados. Mas até um sentimentalismo de Barbosa em se oferecer, publicamente, como ofendido. A ofensa é uma perceptibilidade que “só” se pode publicizar se houver uma prova objetiva muito nítida. Se não, ocorre justamente o que ocorreu: vê-se uma pessoa “se dizendo” ofendida. Isso não é sinal de força, mas de “problema”, na teoria precisa de Marinoff.

                A segunda coisa é a agressão à justiça do país, sugerindo-a, publicamente, chinfrim ou, no mínimo discutível, e sabendo-se tratar de um juiz do Supremo. Dizer que cada país tem a justiça que merece, tanto bate na sociedade, como na justiça. Parece que a “experiência” de Barbosa com esses dois setores - Sociedade e Judiciário - não é lá das melhores. Mas isso é um paradoxo, afinal ele é um magistrado. Essa fala saída de um ministro do STF autoriza leituras heterodoxas ou transgressivas. Para transgressores, anarquistas e incendiários, Barbosa pode ter sido poético, mas por seu próprio tom autoritário na luta que travou, parece não ter sido esta a intenção do ministro.

                A terceira e quarta coisas são a ameaça velada à desestabilização do país e uma tentativa de insulto à classe dos advogados, na frase “justiça que se deixa agredir, se deixa ameaçar, por uma guilda ou membros de uma determinada guilda, já se sabe qual é o fim que lhe é reservado”. Que “fim” será esse? Ditadura? Caos? Desgoverno? E a justiça, leia-se Supremo, “se deixa” agredir e ameaçar? Por fim a classe de advogados é mesmo uma “guilda”? Um termo até gostoso de se ouvir (vai virar moda), mas parece que Barbosa não sabe bem o que é o termo: uma associação com interesses comuns, nalguns países da Europa, a partir da Idade Média. Nem o Brasil é na Europa; nem se vive mais na Idade Média; nem a OAB é uma “associação”. Vai entender.

                Por fim, para não deixar nada barato, Barbosa rematou olímpico e provocador: “Eu lamento muito que nós como brasileiros tenhamos que carregar ainda certas taras antropológicas como essa do bacharelismo. A corte suprema do país, diante de uma agressão clara contra um dos seus membros, entende que isto não tem nenhuma significação.” Talvez fosse melhor que Barbosa falasse apenas por ele em termos de “taras”, pode haver quem se “ofenda” com essas valas da personalidade. Será que sua excelência não teria querido dizer “praga do bacharelismo”, expressão do grande Sergio Buarque de Holanda em Raízes? Tara é algo tão ... “sexual”. Mas tudo bem. Se quis tara, que seja tara. Somos tarados.

                No fundo de tudo parece ficar patente uma única baba a escorrer na boca da discussão: o autoritarismo. Isso é que é uma pena. Egos inflamados costumam dar nisso. Mesmo que tivesse havido a pior ofensa dos advogados a um juiz: a acusação de parcialidade. Parece ter faltado a Barbosa um mínimo de ginga para driblar a situação, como fizeram, por exemplo Marco Aurélio e mesmo o presidente do STF, e sair rindo do episódio. Levar para o lado formalista, austero e repita-se autoritário não foi um bom movimento tático. Logo Barbosa, precisamente ele, que é uma das esperanças de alguma mudança numa justiça, sim, carcomida e ultrajantemente cara para a sociedade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário