sexta-feira, 29 de junho de 2012

Pulando amarelinha na Cpi



Artigo publicado no Jornal O DIA SP em 28.6.12

                Aparecer na Tv é uma festa; amigos telefonam dizendo que a pessoa “virou artista”; parece ser um título que agrada a todos. Pular amarelinha as criancinhas gostam; brincadeiras alegram o coração e divertem a mente. A Cpi essa aí, feita de água, seria um misto de vaidade e brincadeira? Se for, não era para ser. O fato é que sob a desculpa de que precisavam dar “uma resposta à sociedade” (que altruísmo), políticos não se aguentaram e criaram uma Cpi. Não se bastaram em tão-somente assistir ao trabalho profissional e obrigatório do Dpf - departamento de polícia federal-, que coletou as provas.

                Investigação é uma área de conhecimento técnico que requer estudo, prática, livros e cursos. Negociação é outra. Mas qual é a “formação” dos C-p-izeiros em investigação e negociação? Esse questionamento poderia ser primário se visasse a uma reserva de mercado para profissionais de investigação e negociação. Mas poderá ser angustiante para o povo que paga o reality show de uma Cpi que talvez não produza nada de novo em termos de provas concretas.

                Nem se diga que político é um “negociador por excelência”. Essa pode ser uma piada perversa num país em que o conceito de política recepciona, ordinariamente, coisas como “é dando que se recebe”, “rouba mas faz”, “estupra mas não mata”, “nepotismo cruzado” e a última moda oficial: o bom e velho “eu não sabia”, além de tanta outras noções similares que norteiam as cabeças de quase todos os políticos brasileiros. Negociar é outra coisa. A Cpi poderia até ter “optado” por uma negociação técnica com envolvidos e testemunhas, se não fosse alguma ingenuidade de seu menino-relator e um vedetismo-bravata barulhento de alguns ali.

                A mania de querer ser investigador anda assolando “autoridades”. Promotores estão lutando para ganhar a carteirinha; o STF dirá se podem ter ou não. Políticos ficam sabendo de uma investigação do departamento de polícia e abrem Cpi para investigar. Por seu turno, a imprensa faz o seu papel, distribui fama na Tv a preço de liquidação. O Brasil conseguiu imitar bem os americanos: escândalos públicos viram um lucrativo show televisivo.

                O poderoso Jornal do Brasil em seu site (26.6.12) registra, sobre a testemunha Écio Ribeiro: “O ministro do STF Cezar Peluso concedeu a Ribeiro o direito de se fazer acompanhar de advogado e de não ser preso em decorrência da invocação do direito constitucional de não autoincriminar-se, com a prerrogativa de permanecer em silêncio”. Há um festival de erros aí. Não é o STF que concede o direito de alguém ser acompanhado de advogado, nem que garante o silêncio. É a lei. As históricas ameaças e tentativas de prisão feitas pelas Cpis são simplesmente ilegais, retratando total falta de conhecimento de políticos que se veem juízes, a ponto de se precisar do óbvio: habeas corpus para não se sofrer arbítrio dessas “autoridades”.

                Esse amadorismo nos conceitos jurídicos não deveria imperar. Odair Cunha, relator da CPI, dizem que passou a perseguir o governador de Goiás, além de não saber muito bem o que pergunta na investigação televisiva. O Dpf já ofereceu um “cursinho” a ele que anda confundindo as qualidades de depoente, testemunha e acusado. Aí, como a imprensa é imperdoável, ao mesmo momento que projeta o sujeito em fama, lanceta o erro na lama.

                Nem a Cpi vem sendo uma sede policial estrita (similar que fosse), em termos de investigação, manejando contradições a seu prol e complicando pessoas potencialmente envolvidas; nem um ambiente técnico de negociação profissional, obtendo acordos geniais, o que poderia até ser interessante, se alcançasse compromissos, estimulasse delações, instigasse novas ideias e caminhos e efetivamente obtivesse novas provas e luzes. Agora cismou de conversar com a sra. Cachoeira, a bela, que parte da imprensa em franca discriminação resolveu chamar de “namorada”. Que feio.

                Políticos podem ser, legitimamente, padeiros, empresários, banqueiros, índios, Ph.Ds., químicos, donas de casa, curiosos, delegados encostados ou efetivamente qualquer um. Basta conseguir muitos milhões de reais para uma campanha política a um cargo cujo salário jamais cobrirá os tais milhões conseguidos, numa lógica que a Receita nunca quis saber. Nesse quadro, o “I” da Cpi será o que menos importará. Basta estar político para aparecer na Cpi.

                Há quem acredite na pureza institucional das instâncias, das sedes, dos órgãos, das comissões, das funções e das atuações públicos. Mas historiadores e intelectuais seniores do país veem uma certa escatologia em muito disso aí. O grande antropólogo Roberto da Matta teoriza que a corrupção existe há séculos no Brasil, o que vicia irremediavelmente instituições e cargos. Parece ficar patente o baixo benefício que a Cpi consegue em relação a seu custo. Ainda, quando a Cpi virou a menina dos olhos de oposições (da esquerda e da direita), para ameaçar e contundir governos e inimigos, perdeu completamente a credibilidade.

                Ou seja, não é mais a verdade que importa, mas a desestabilização política ou desmoralização do oponente. Isso não é investigar seriamente.

                A Cpi poderá até conseguir alguma coisa, mas as provas já estão prontas. Perde-se objetividade, foco e possibilidade de bons resultados quando se trabalha politicamente. Perde-se técnica quando se trabalha por leigos em investigação e negociação.  E quem paga a conta da festa é o povo. Pena que ele goste de ser mais expectador do que fiscal do próprio dinheiro. Jean Menezes de Aguiar.

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